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Águias e caranguejos: Avanços e retrocessos na luta pelas liberdades individuais

Posted by Cottidianos on 00:36
Quinta-feira, 01 de julho

O que é o amor? / Onde vai dar?
Parece não ter fim / Uma canção
Cheirando a mar
Que bate forte em mim
O que me dá / Meu coração
Que eu canto / Pra não chorar?
O que é o amor? / Onde vai dar?
Por que me deixa assim?
O que é o amor? / Onde vai dar?
Luar perdido em mim
(O que é o amor – Danilo Caymmi, Dudu Falcão)



Na Suprema Corte dos Estados Unidos. Um grande avanço

Os legisladores da terra do Tio Sam deram à causa da liberdade de escolher a quem se quer dá afeto, carinho e amor, uma grande vitória, após uma luta que durou muitos anos.

Foi na sexta-feira (26). A Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucional todas às leis que proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, vigentes ainda em vários estados do país. Em 17 de maio de 1954, o mesmo órgão supremo, também deu um grande avanço em direção às liberdades individuais, ao proibir a segregação racial nas escolas americanas. Naquele dia, o sorriso iluminou a face de um povo sofrido, e lhes abriu a porta para avanços ainda maiores. A decisão tomada pela Suprema Corte, na semana passada, equipara-se àquela decisão de 1954 em alcance e importância histórica.

Várias personalidades fizeram questão de expressar seu contentamento pela vitória obtida com a decisão: “Hoje é um grande passo em nossa marcha rumo à igualdade. Gays e lésbicas agora têm o mesmo direito de se casar como qualquer outra pessoa”, escreveu o presidente Barack Obama, em uma rede social.

A sentença judicial determina que todos os estados americanos recebam certidões de casamento de casais do mesmo sexo, garantido assim a igualdade de todos perante a lei. “A intenção não é perdoá-los nem deixá-los viver excluídos de uma das instituições mais antigas da civilização. Eles exigem a igualdade de direitos frente à lei. E a Constituição lhes concede esse direito.”, disse o juiz Anthony Kennedy, em dos trechos da sentença, justificando os argumentos para tomar tal decisão.

Se considerarmos que há apenas dez anos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era permitido apenas no estado de Massachusetts, vemos que os movimentos sociais, os legisladores, os advogados e a opinião pública, conseguiram uma vitória espetacular na questão da igualdade entre homens e mulheres de boa vontade. "Não há união mais profunda que o casamento, que representa os mais altos ideais de amor, fidelidade, devoção, sacrifício e família", escreveu Kennedy na sentença.

O juiz Anthony Kennedy é figura chave no direito americano. Foi dono de um escritório de advocacia que herdou do pai, em Sacramento, na Califórnia. Também deu aulas de Direito Constitucional. Sua brilhante carreira foi coroada com uma cadeira na Suprema Corte. Nos primeiros anos, seus votos eram conservadores. Foi no início dos anos 90 que ele passou a adotar atitudes menos conservadoras. Se a área jurídica dos Estados Unidos fosse uma partida de futebol de final de campeonato, certamente, o árbitro seria Kennedy, tamanha é sua influência no mundo jurídico americano.

Com isso, quero dizer que quem julgou uma causa de tão grande relevância, não foi um amador, mas sim um homem que soube envelhecer e acompanhar as mudanças pelas quais passa a sociedade em que vive, e, como peso pesado do direito, sentiu que tinha que dar sua contribuição para trazer para debaixo do manto da lei, aqueles que por tanto tempo haviam ficado à margem dela.



Na Câmara Municipal de Campinas, um grande retrocesso

O plenário da Câmara estava lotado. 450 pessoas se aglomeraram para assistir a importante audiência que trataria também da questão das liberdades individuais. Entre os grupos rivais, muita agressão verbal e conflitos ideológicos. O burburinho se devia a votação da emenda à Lei Orgânica que veta a discussão nas escolas sobre a identidade de gênero, e a discussão sobre orientação sexual nas escolas da rede pública de ensino.

A emenda de autoria do vereador, Campos Filho (DEM), além de radical é um grande retrocesso no avanço de questões cruciais, e que não devem ficar fora do debate em sociedade. O vereador ignora uma realidade que não é mais possível ignorar: a de que as pessoas tem o direito de escolher com quem devem compartilhar seus momentos na dor e alegria, na saúde e na doença.

A emenda proposta pelo vereador do Partido Democrata PROÍBE que o Poder Executivo, faça a inclusão do tema, mesmo que de forma indireta, no currículo escolar. A medida impede ainda que os Poder Legislativo faça proposições sobre o tema. Em resumo, o que o vereador pretende é colocar: algemas nas mãos do Executivo, mordaça na boca do legislativo, e uma venda nos olhos dos alunos e professores da rede pública de ensino.

O único parágrafo da emenda é tão intolerante quanto o próprio autor da dela, e os vereadores que o apoiam. “Não será objeto de deliberação, qualquer proposição legislativa que tenha por objeto a regulamentação de políticas de ensino, currículo escolar, disciplinas obrigatórias - ou mesmo de forma complementar ou facultativa - que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo “gênero” ou “orientação sexual”, diz o texto.

O projeto foi aprovado por vinte cinco votos a favor, cinco votos contra. Três vereadores estiveram ausentes da sessão.

Cinco horas antes de a votação começar, já havia gente em frente ao prédio. As pessoas pintavam faixas, cartazes, e gritavam palavras de ordem. No plenário da Câmara o clima esquentou. Faixas e cartazes de apoio eram exibidos pelos grupos contrários à medida. Dentre esses grupos estavam representantes dos grupos LGBT CSP Conlutas, Movimento Mulheres em Luta (MML), Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), Coletivo Juntos, Coletivo Domínio Público e Anel, do movimento de estudantes secundaristas. Do outro lado oposto, estavam pessoas, em sua maioria, formada por grupos conservadores ligados à igreja católica.

O projeto ainda voltará ao plenário da Câmara Municipal para um segundo turno de votação, que deverá ocorrer em meados de agosto.

“Educação as crianças de 0 a 14 anos, é a família quem dá. Nós estamos evitando com essa iniciativa, de que se criem semanas de conscientização da ideologia de gênero”. Traduzindo as palavras do vereador, para que as coisas fiquem mais claras: “Nós estamos contribuindo para que exista em Campinas, uma juventude que não aceita o diferente numa sociedade de iguais”.

Caso a emenda seja aprovada, a oposição pretende reverter a decisão na justiça. O advogado Marcelo Monteiro, vice-presidente da OAB-Campinas, diz que a emenda é inconstitucional: “Estaria se proibindo que futuros vereadores venham discutir novamente essa questão, ou seja, está querendo vedar um direito individual, assegurado pela Constituição Federal. Isso não pode ser feito por meio de uma Lei Orgânica do Município”, afirma ele, me entrevista ao Jornal da EPTV 1ª edição.

A decisão da Câmara Municipal de Campinas legitima o preconceito e a intolerância, à medida que impede que a escola possa trazer para o debate os novos tipos de família que, já há algum tempo, vem se formando no meio de uma sociedade na qual todos nós estamos inseridos. Dessa forma, questões como o respeito, igualdade, liberdade ficam relegadas a segundo plano.

Enquanto defendem com unhas e dentes a família tradicional, os setores cristãos — aqueles que deveriam ter para com os excluídos, um olhar de amor, mais que de tolerância — pregam os homossexuais na cruz do preconceito, lhes dão de beber do cálice amargo da intolerância, e lhes batem no rosto com chicote da indiferença.

Claro que ninguém defende a promiscuidade. Isso não é desejável nem no meio hetero nem no meio homossexual. Mas se duas pessoas decidem viver uma vida a dois, baseada no amor, no carinho, na fidelidade, como qualquer casal heterossexual, será que essas pessoas não podem constituir uma família digna, e serem tratadas como tal?



Para finalizar esse texto, volto ao título

As águias voam altaneiras na plenitude dos céus azuis. Lá de cima, elas têm uma visão abrangente e privilegiada. Do alto de sua sabedoria, elas sabem que no céu há lugar para todas as estrelas, e mesmo entre toda a infinidade de constelações, é possível a todas elas habitarem o mesmo espaço e, juntas tornarem o céu mais brilhante. Com a decisão tomada na sexta-feira (26), a Suprema Corte Americana assemelha-se as águias, avançando em direção a um mundo mais humano e harmonioso.

Os caranguejos ao contrário, vivem rastejando nos mangues da vida. A visão de mundo que eles têm é muito limitada. Há que se respeitar isso. Não nasceram para voar. Ao andar, não avançam, retrocedem. Vivem escondidos em suas tocas escuras e frias, e de lá só saem para caçar comida. Desconhecem qualquer avanço em um mundo mais fraterno e harmonioso. Com a decisão de proibir qualquer discussão a respeito de que há pessoas com natureza diferente umas das outras, a Câmara Municipal de Campinas, assemelha-se a caranguejos no mangue.

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