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Canção do Africano
Posted by Cottidianos
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00:36
Quarta-feira,
12 de novembro
Estamos
no mês da Consciência Negra. Mês que, em todo o país, se torna momento de
reflexão e debate sobre o papel do povo negro na sociedade, de discussão e de
propostas de ações afirmativas em relação a essa parcela da população, bem como
celebrações de sua música, arte e cultura que é a base de toda a música, arte e
cultura brasileira. O ápice dessa festa ocorre no dia 20 de novembro, quando
diversas cidades brasileiras decretam feriado.
Não
quero usar a expressão “raça” negra neste texto, pois o termo raça no sentido
de classificar as pessoas pela cor da pele, do cabelo, das características
cranianas, é uma classificação das elites econômicas, a fim de justificar uma
dominação de um povo sobre outro. Todos os homens são iguais. Mas se todos os
homens são iguais, como vamos justificar a escravidão? Basta criar a ideia de
raça para justificar que todos os homens são iguais, porém, uns se sobressaem
aos outros. Dessa forma, estão formados os argumentos para que se justifique a
dominação de um povo sobre outro. Foi assim que se aconteceu durante o sistema econômico
mercantil, cuja base, estava assentada sobre o sistema escravista. Assim,
também, de alguma forma, esse conceito é justificável e aplicável no mundo
atual, tornando uns inferiores aos outros.
Na verdade, não existem “raças”
humanas. Existe, sim, uma grande família humana que chora, que ri, que se
alegra, que se entristece, que sonha, que perde a ilusão aqui, para logo
recuperá-la ali. Existe, sim, uma grande comunidade humana formada pelos mesmos
tecidos, órgãos, células e ossos. Se o
sangue que corre nas veias de um negro fosse diferente do sangue que corre nas
veias de um branco, então poderíamos dizer que os homens são diferentes. Mas, dizes-me
tu: O sangue que corre nas veias dos dois homens é diferente? Se a composição
do sangue que corre na veia dos dois são diferentes, diz-me em que consiste
essa diferença? Então como pode-se dizer
que um é melhor ou pior que o outro? Olha para dentro de ti mesmo. Analisa tu
mesmo, tuas atitudes, teus pensamentos e julga-te a ti mesmo em teu universo. Verás
que és tu, na imensa maioria das vezes, teu próprio juiz e teu próprio
carrasco.
Abaixo,
compartilho como vocês o belo poema “A
Canção do Africano”, de autoria de Castro Alves, poeta da escola romântica,
que por sua poesia social feita a partir de uma abordagem romântica, passou a
ser conhecido como Poeta dos Escravos. Castro Alves nasceu na Bahia, porém,
cursou Direito em
São Paulo.
No
poema, o poeta nos convida a entrar na fria e úmida senzala e presenciar o
sentimento dos cativos, sempre saudosos da África, sua terra natal, da qual
foram brutalmente arrancados e trazidos para uma terra distante, que apesar de
bela, não os fazia esquecer por completo a terra onde nasceram. São tais quais
árvores arrancadas de suas raízes e transplantadas em solo estrangeiro.
Eles
cantam, mas seu canto é triste. Traduzem uma África onde eram livres e na qual,
eles podiam, à tarde, ver a Papa-Ceia, o equivalente em solo africano a nossa
Estrela-D’alva, ou planeta Vênus. Sob a tênue luz da úmida senzala, sem direito
a sonhar, ainda pairava sobre eles o medo de que o patrão lhes tirasse aquilo
que de mais precioso tinham: O próprio filho recém-nascido.
A
canção do africano
Castro Alves
Lá na úmida
senzala,
Sentado na
estreita sala,
Junto ao
braseiro, no chão,
Entoa o escravo
o seu canto,
E ao cantar
correm-lhe em pranto
Saudades do seu
torrão ...
De um lado, uma
negra escrava
Os olhos no
filho crava,
Que tem no colo
a embalar...
E à meia voz lá
responde
Ao canto, e o
filhinho esconde,
Talvez pra não o
escutar!
"Minha
terra é lá bem longe,
Das bandas de
onde o sol vem;
Esta terra é
mais bonita,
Mas à outra eu
quero bem!
"O sol faz
lá tudo em fogo,
Faz em brasa
toda a areia;
Ninguém sabe
como é belo
Ver de tarde a
papa-ceia!
"Aquelas
terras tão grandes,
Tão compridas
como o mar,
Com suas poucas
palmeiras
Dão vontade de
pensar ...
"Lá todos
vivem felizes,
Todos dançam no
terreiro;
A gente lá não
se vende
Como aqui, só
por dinheiro".
O escravo calou
a fala,
Porque na úmida
sala
O fogo estava a
apagar;
E a escrava
acabou seu canto,
Pra não acordar
com o pranto
O seu filhinho a
sonhar!
O escravo então
foi deitar-se,
Pois tinha de
levantar-se
Bem antes do sol
nascer,
E se tardasse,
coitado,
Teria de ser
surrado,
Pois bastava
escravo ser.
E a cativa
desgraçada
Deita seu filho,
calada,
E põe-se triste
a beijá-lo,
Talvez temendo
que o dono
Não viesse, em
meio do sono,
De seus braços
arrancá-lo!
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