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Socorro, Batman. Há um Coringa em Brasília!

Posted by Cottidianos on 00:09
Sexta-feira, 30 de outubro



Era divertido — e ainda o é — sentar-se em frente à TV, e assistir a um filme do Batman. Ficamos fascinados com a incessante luta entre o bem e o mal. Entretanto mesmo quando o super-herói encontra-se enredado nas maiores enrascadas, ficamos aliviados, pois sabemos que, no final, o bem sempre triunfa e o herói sempre se sagra vencedor dos mais terríveis duelos. Talvez até fiquemos amedrontados com a maldade de vilões como o Coringa, Pinguim, Charada, Mulher Gato, Espantalho, dentre outros. Mas o nosso medo vai embora quando o filme ou desenho chega ao fim, e desligamos a TV, ou continuamos a ver outro programa de TV ou filme.

Na vida real as coisas são bem mais complicadas. Em primeiro lugar porque a crua realidade, manipulada pelo poder e pelo poder do dinheiro, não nos garante que o bem sempre será o vencedor. Ao contrário da ficção, no mundo real, há grandes possibilidades de o bem sair derrotado. Também nada garante que os super-heróis saiam vitoriosos das batalhas. E por acaso há super-heróis no mundo real? E, pergunta ainda mais intrigante e inquietante: Por acaso haverá super-heróis no atual mundo político brasileiro?

Se, ao ver os filmes do Batman, deleitávamo-nos com o entretenimento, hoje ao abrir os jornais, ou sentarmo-nos ao sofá e ver os telejornais, temos a impressão de que estamos todos assistindo a uma grande farsa. Há o político que é pego com os bolsos cheios de milhões de reais, mas ele mesmo não sabe como tanto dinheiro foi parar em suas contas. A outro, as autoridades do Brasil e do exterior, atribuem a ele, com provas documentais, contas no exterior, e ele, jura que essas contas não lhe pertencem. Há também os da bancada evangélica que oram e choram e cantam e louvam, mas, por solidariedade, fazem questão de sentar-se a mesa e compartilhar o pão com aqueles que roubam, mentem e enganam. Há também os que cometem crimes fiscais e tentam nos convencer a nós todos, de que não há crime nenhum em cometer crimes, e de que o crime é algo natural, faz parte de nosso agir cotidiano. E essa lógica ilógica é tão poderosa que é capaz de virar ao avesso aos perversos.

Dentre os grandes fingidores e protagonistas dessa farsa encenada diariamente diante de nossos olhos e sob os céus de nossa pátria, destaca-se uma figura emblemática: Eduardo Cunha, presidente da Câmara. O homem em questão abriga-se sob o manto da piedade para, sem piedade, manipular, mentir e enganar. Ele é aquele que, mesmo acusado de crimes de corrupção, desfila altaneiro pelos corredores de Brasília, tendo atrás de si uma legião de políticos que comungam dos mesmos ideais, e que, tanto com ele, estão enredados, em tramas perversas e nada condizentes com o ideal que os levou ao mundo da política.

Depois de Eduardo Cunha colocar as mais diversas barreiras, finalmente, chegou hoje ao Conselho de Ética da Câmara, o pedido de cassação do mandato dele. Cunha tem feito de tudo, e continuará fazendo, para adiar o máximo possível esse momento. Certamente, virão pressões nos bastidores contra aqueles que conduzirão o processo. Virão conchavos. Acordos. Supondo que o Conselho de Ética chegue a conclusão de que há fatos contundentes que justifiquem o processo, ainda assim haverá um longo caminho e a questão só venha a ser resolvida mesmo em meados do ano que vem. Até lá muita coisa terá acontecido, e Cunha terá ganhado tempo. E assim, a farsa continua, prolonga-se no infinito. Até quando? Quem sabe a resposta não esteja em Gotham City, porque, de Brasília, não vejo surgir nenhuma.

Abaixo, compartilho com vocês um artigo muito interessante, publicado no jornal El País Brasil. O artigo, intitulado, Eduardo Cunha,o nosso vilão do Batman, é de autoria da escritora, repórter e documentarista, Eliane Brum.

***

Eduardo Cunha, o nosso vilão do Batman

Como a perversão se expressa na política e submete os brasileiros à farsa levada ao status de realidade

A sensação é cada vez mais estranha ao se abrir os jornais, ligar a TV no noticiário ou acessar os sites de notícias da internet. Dia após dia, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz isso, afirma aquilo, declara aquele outro, alerta e ameaça. E nega as contas na Suíça. Tem lá sua assinatura, seu passaporte diplomático, seu endereço. Mas ele nega. O fato de negar o que a pilha de provas já demonstrou inegável é um direito de qualquer um. A maioria vai para a cadeia negando ter cometido o crime que a colocou lá. O problema são os outros verbos. Como é que tal personagem se tornou – e continua sendo – tão central na vida do país, a ponto de seguir manipulando e chantageando com as grandes questões do momento, com as votações importantes? Como Eduardo Cunha ainda diz, afirma, declara, alerta e ameaça nas manchetes dos jornais? Como o que é farsa pode ser apresentado como fato? O cotidiano do Brasil e dos brasileiros tornou-se uma experiência perversa. A de viver dia após dia uma abominação como se fosse normalidade. Essa vivência vai provocando uma sensação crescente de deslocamento e vertigem. Não se sabe o quanto isso custará para o país, objetivamente, e o quanto custará na expressão política da subjetividade. Mas custará. Porque já custa demasiado.

Até o mais obtuso sabe que Eduardo Cunha continua no palco porque ainda tem utilidade para os projetos de poder de um lado e de outro. Entre esses dois lados que se digladiam não há oposição. Esta é outra farsa e também é por isso que se pode levar a sério um farsante como Cunha. A pauta conservadora para o país já foi estabelecida, o que se disputa é o poder de executá-la. Mas, se Cunha é apenas a expressão de uma operação política muito mais ampla, profunda e que nem começou com ele nem acabará com ele, na qual o papel do PMDB é central, ele não pode ter a importância de sua individualidade negada. Se o Brasil já teve muitos Cunhas, em vários aspectos, também não teve nenhum Cunha, em outros. Como todo vilão, o personagem é fascinante e totalmente singular.

Eduardo Cunha parece ser um perverso. Aquele que denega: vê mas finge que não viu, é mas finge que não é. Ele não seguiria ditando os dias de Brasília não fosse o homem perfeito para o papel. Para que a maioria possa fingir que disputa os rumos do país, quando disputa apenas o seu próprio, é preciso o fingidor maior, o mestre de cerimônias deste espetáculo. A sensação esquisita ao abrir o jornal ou a internet ou ligar a TV no noticiário se dá porque essa farsa pede uma adesão. A nossa adesão. É aí que (também) está a perversão.

É evidente que Cunha não espera que alguém acredite, entre outras coisas, que ele não tem contas na Suíça, como segue afirmando sem piscar. Ele sabe que (quase) ninguém acredita nisso. Mas isso não impede que Cunha espere que possamos agir como crentes. Essa também é parte do estranhamento ao entrar em contato com o noticiário: somos convocados a uma adesão pela crença, o que, de novo, perverte a experiência da política.

É como se, em algum nível íntimo, ele se divertisse muito com a possibilidade de transformar a realidade numa negação coletiva. Para o perverso, o outro não conta como outro. O outro – nós – é apenas o suporte para a sua satisfação. Denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, ele fala em nome de Jesus, registra uma frota de carros de luxo numa empresa com o nome Jesus.com, discursa para os eleitores evangélicos que Deus o colocou na presidência da Câmara. Cunha é o perverso que goza em nome de Jesus.

Neste sentido, Cunha se assemelha a um vilão do Batman: todos muito singulares, mas com o traço da perversão em comum. Só que Batman e seus vilões extraordinários são ficção. Ao produzir o deslocamento na esfera pública, Eduardo Cunha faz da farsa a realidade. Este é talvez o seu maior poder – o poder que lhe permite ainda ter poder. Abaixo da farsa maior, desenrolam-se todas as outras, como a do PSDB fingindo pedir seu afastamento, quando o apoia nos bastidores, na expectativa de que ele leve adiante o impeachment de Dilma Rousseff, ou a do Planalto também negociando com ele, mas pelo motivo contrário, para que ele não leve adiante o impedimento da presidente. Ou todos aqueles parlamentares que temem o dia em que Cunha abrir a boca para contar algumas histórias pouco edificantes que os envolvem. Para estes, é preciso manter figuras como Cunha com algo a perder. Do contrário, o país ganha, mas muitos dos atores do Congresso perdem.

Se tudo fosse encenado como uma sátira política, no teatro e não no Congresso, seria um ótimo espetáculo. A perversão é que a farsa se apresenta como realidade, e torna-se realidade. Eduardo Cunha nos corrompe a todos porque, da forma como a encenação evolui, somos parte dela. A encenação engolfa a plateia e já não sabemos onde fica a saída do teatro, porque já não há teatro. Já é a vida. Talvez por isso, para muitos, tem sido dias de vertigem.

Simplificando. É como se, todo dia, aquele que está colocado no lugar de autoridade afirmasse: o céu é vermelho com bolinhas verdes. E a imprensa reproduzisse: fulano afirma que o céu é vermelho com bolinhas verdes. Aí há outras autoridades dizendo que não, está provado que o céu é azul e não tem bolinhas. Mas, no dia seguinte, está lá a repetição: o céu é vermelho com bolinhas verdes. E as pessoas estão lá, debaixo do céu azul, mas assistindo ou lendo as notícias não como uma comédia ou uma sátira ou uma farsa, mas como se sério fosse. E sério é. Porque a autoridade continua sendo autoridade, apesar de afirmar que o céu é vermelho com bolinhas verdes. E as demais autoridades do campo da política, mesmo as que se apresentam em polos opostos, negociam com o cara do céu vermelho com as bolinhas verdes, como se esta fosse a normalidade institucional. É impossível não ir se sentindo esquisito e duvidando da própria sanidade num mundo como este.

Aí a coisa vai piorando. A cada semana vai piorando. Na passada, por exemplo. Políticos fizeram uma homenagem a Eduardo Cunha inaugurando seu retrato oficial na galeria de ex-líderes da bancada do PMDB na Câmara. O episódio é uma versão invertida de O retrato de Dorian Gray. Na obra clássica de Oscar Wilde, o retrato é escondido dos olhos do público porque vai absorvendo as marcas do tempo e dos crimes cometidos pelo personagem na vida real. Na crônica política do país, porém, o sentido é outro. O retrato exposto cristaliza a perversão: a de um homem ser homenageado, com palmas e discursos laudatórios, no momento em que está denunciado por corrupção e que as provas de contas na Suíça, possivelmente abastecidas por dinheiro público, se acumulam. A perversão é a da lei que não valeria para o retratado, ganhando o seu monumento na parede. Se o retrato de Dorian Gray precisa ser oculto porque denuncia o retratado, o de Eduardo Cunha ganha o espaço público porque o retratado, para os seus pares, está além da denúncia. É verdade que houve protestos, mas a homenagem foi realizada. E o homenageado segue como o terceiro na linha sucessória da presidência do país. O retrato do corrupto, ao ser exposto como virtude, corrompe a todos.

Mas o retrato de Eduardo Cunha não é o episódio mais revelador da semana. É na aprovação do projeto de lei proposto por ele pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara que a anatomia da perversão se revela em sua completa amplitude. Cunha quer regular o corpo das mulheres e tenta – e está conseguindo – dificultar as possibilidades de aborto previstas por lei. Em especial, uma delas: a interrupção da gravidez resultante de estupro. Ao fazer um projeto punindo os agentes de saúde que garantirem os meios para uma mulher abortar, o que ele tenta fazer é burlar a Constituição. Quando o projeto determina que as mulheres precisam comprovar o estupro com exame de corpo de delito é a palavra da mulher que ele esvazia. Porque é exatamente isso que um perverso faz: ele esvazia o outro, neste caso as mulheres, porque o outro só existe para servir aos seus interesses. O outro não é uma pessoa, não é um sujeito de direitos, não é alguém com uma história. É apenas um meio, um corpo, um objeto submetido ao gozo do perverso.

Vale a pena prestar atenção a este trecho do projeto de autoria de Cunha, com apoio da bancada da Bíblia: “Trata-se, ainda, de garantir a máxima efetividade às normas constitucionais, que preceituam a inviolabilidade do direito à vida. Urge, portanto, uma reforma legislativa que previna a irrupção de um sério problema de saúde pública”. Ora, o “sério problema de saúde pública” existe há muito. O aborto é a quinta causa de morte materna no país. Quem mais morre são as mulheres pobres, a maioria delas jovens e negras, que não podem pagar por uma clínica segura, como as mais ricas, nem podem contar com o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao tentar dificultar os poucos casos cuja interrupção da gravidez é permitida, em especial o aborto em caso de estupro, e criminalizar os profissionais de saúde que dão assistência às mulheres nesta situação, o que Cunha tenta fazer é exatamente o contrário do que diz: o que ele tenta fazer é atropelar a Constituição, dificultando a aplicação da lei, e não aumentando a sua efetividade. A lei, para o perverso, não vale para ele. Ao contrário: a lei é dele e vale sobre o outro.

Para um perverso, a relação com a lei é a do desmentido. Cunha sabe que existe a lei, mas a denega. Tudo o que rege e regula as relações humanas e entre cidadãos não o regula, já que o outro não conta como pessoa. O perverso invoca a lei, mas apenas como um fingidor. O perverso que legisla, como Cunha, faz da lei uma farsa. E goza dessa impostura. O perverso jamais goza com o outro, ele goza do outro. Mas por que Cunha transforma justamente o corpo e a vida das mulheres em objetos de sua perversão? Porque esta é a sua obra-prima, sua masterpiece: o moralista sem moral é o farsante que atingiu a perfeição.

Em nome da moralidade religiosa, ele promove a morte das mulheres anunciando que defende a vida. Em nome de Jesus, o perverso pode ter contas na Suíça abastecidas com o dinheiro público que falta nos hospitais e pregar a imoralidade de uma mulher interromper uma gravidez resultante de um estupro. Para o perverso só há um sagrado: o seu gozo. Por isso, Eduardo Cunha pode discursar para eleitores evangélicos sobre sua ascensão à presidência da Câmara: “Deus me colocou lá! Eu sempre digo, Silas (Malafaia), se Deus me colocou lá, ele saberá sempre honrar o trabalho que ele fez!”. Assim, no discurso do perverso, não é Cunha quem honra Deus, mas Deus é quem honra Cunha. Nem o próprio Jesus ousou dizer algo assim para o povo em seus sermões bíblicos.

O mais desafiador será acompanhar até onde isso pode ir. Não há como sustentar tal surrealismo por tanto tempo mais, mas saber até onde conseguem levar será crucial para compreender o país. Porque já foi muito mais longe do que as previsões mais pessimistas. Para o destino do perverso ainda se pode contar com a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em algum momento, cumprido o rito do Estado de direito, é possível que se conclua que o lugar de Eduardo Cunha não é na presidência da Câmara, mas na cadeia. Para o fim do Estado de perversão não há desfecho no horizonte.

Os perversos em posições de poder não são exclusividade do Brasil. Na semana que passou, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, chegou ao extremo de diminuir a responsabilidade de Adolf Hitler no extermínio de seis milhões de judeus, para tentar colocar o mundo contra os palestinos. Segundo o israelense, o Holocausto teria sido ideia de um religioso palestino – e não do líder nazista. A afirmação foi rechaçada, com todas as letras, por vários políticos influentes de Israel, entre eles o presidente, Reuven Rivlin, e o líder da oposição, Isaac Herzog: não se manipularia com a História. O primeiro-ministro israelense ouviu então da chanceler alemã, Angela Merkel: “A responsabilidade pelo Holocausto é da Alemanha”. E, antes, do seu porta-voz: “Nós, alemães, conhecemos muito bem a origem do racismo criminoso do nacional-socialismo que conduziu ao Holocausto. Ensina-se nas escolas e não podemos permitir que se esqueça a responsabilidade única da Alemanha nesse crime contra a humanidade”.

Os perversos estão por toda parte – e sempre estarão. A vertigem que sentimos diante do noticiário é que no Brasil parece não existir nenhum político de grande estatura disposto a denunciar a farsa sem tergiversar. E, assim, cumprir o dever público de assumir sua responsabilidade histórica com o país.

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Uma fortaleza chamada maestro Urban

Posted by Cottidianos on 23:28
Segunda-feira, 26 de outubro



Há pouco mais de um mês, o arborizado local que abriga a sede do Coral Pio XI tem provado um pouco de silêncio nas tardes de sábado. Já não se ouve mais os sons do teclado, nem as vozes dos coralistas, às vezes afinadas, às vezes desafinadas, mas sempre com a mão forte e precisa do maestro a conduzir o fio da meada, melhor dizendo, da música, e corrigir os erros. Também não se ouvia a voz do maestro, às vezes mansa, às vezes brava, mas sempre com a intenção de colocar os pingos nos is, ou melhor dizendo, nas notas musicais. Música ouvida nas dependências da Rua Rafael de Rosa, 187, no Jardim das Paineiras, eram apenas a suave melodia do vento e doce canto dos pássaros.

Sou um dos 30 coralistas do Coral Pio XI e, no início do mês de setembro, recebi a notícia, por mensagem de texto, de que algumas apresentações do Coral Pio XI, tinham sido canceladas, por motivo de saúde do maestro Urban. Fiquei preocupado. Como também, tenho certeza, ficaram preocupados os demais coralistas. Os sábados foram passando e nada de novidades. Nenhuma notícia de retorno às atividades. Isso só fazia aumentar a inquietude da espera. Perguntava a um:

— Como está o maestro?

— Não está bem. Os médicos recomendaram que ele ficasse em absoluto repouso, e não recebesse visitas.

Na verdade, era o que todos gostaríamos de fazer: ir visitá-lo, saber como estava sua saúde. De uma coisa, porém, tínhamos certeza: O maestro Urban devia estar sofrendo bem mais com a ausência nos corais que rege, Pio XI, e Vozes Amigas, do que, propriamente, com o problema de saúde que o incomodava.

E assim, foram se sucedendo os sábados de setembro, e também os de outubro. Até que, finalmente, no meio da semana passada, o presidente do Pio XI, José Carlos Corona, envia uma mensagem de texto, convocando todos para a sede do coral, no sábado à tarde, às 16hs, costumeiro horário dos ensaios e, mais surpreendente ainda, de que o maestro estaria lá. Fiquei animado com essa notícia e queira que o sábado chegasse mais rápido.

Aconteceu que tive uma sexta-feira bastante corrida, e a manhã de sábado também. De modo que, no sábado à tarde, fui vencido pelo cansaço, e o sono me dominou. Em consequência, não fui ao esperado ensaio.

No domingo pela manhã, bem cedo, fui dar umas pedaladas pelas trilhas de Souzas e Joaquim Egídio. Fazer um pouco de exercício no meio da tranquilidade daquelas verdes paisagens é um estímulo para o coração, que já vem sendo estimulado, e muito bem estimulado, diga-se de passagem, pela distância percorrida, e pelas íngremes subidas. Ao voltar desse gostoso e agradável passeio, decidi ir à casa do Gentil, que também canta no Pio XI. Por ele fui informado que, no domingo, 25, à noite, haveria uma homenagem ao maestro, na sede do coral. Fiquei na expectativa. Pelo jeito que ele falou parecia que ia ser algo bem simples. Apenas íamos lá, os integrantes do Coral, e cantaríamos algumas músicas para ele, celebrando seu retorno, e tudo bem.

Porém, quando cheguei ao local, tive uma empresa, ao perceber que, no salão, havia sido montada uma estrutura para cerca de cem pessoas. Assim que adentrei o ambiente, vi que outro coral estava no palco, ensaiando. Era o Coral da Petrobrás da Refinaria de Paulínia, uma cidade próxima a Campinas. Na verdade, o motivo da festa era o seguinte: O Coral da Petrobrás, de Paulínia, SP, estava completando 40 anos de atividades e queria celebrar essa data homenageando o maestro Urban. O Coral da Replan (Refinaria de Paulínia), como também é conhecido, foi fundado em 1975, pelo maestro Urban e, desde então tem primado pela beleza e harmonia de suas apresentações. Atualmente, o Coral da Petrobrás é regido pelo jovem maestro, Rafael Garbuio.

Pouco a pouco, os demais convidados foram chegando, acomodando-se nas cadeiras. O clima estava ameno e, devido ao horário de verão, quando a noite tardar em chegar, ainda se podia aproveitar a claridade daquele agradável e especial fim de tarde de domingo. O convidado mais aguardado da noite, o maestro Urban, chegou pouco depois das oito, acompanhado da esposa, Letícia, dos filhos Marcelo e Márcio, e dos netos.

O Coral da Petrobrás subiu ao palco, e sob a regência de Rafael Garbuio, interpretou, magnificamente, alguns clássicos do cancioneiro brasileiro, sendo muito aplaudidos ao final de cada interpretação musical.  Um coro de cerca de 30 vozes, masculinas e femininas, enchia o ambiente, fazendo-me lembrar do doce canto das aves que enfeitam as belas e exóticas árvores que enfeitam o terreno onde fica a sede do Pio XI.

Após a bela apresentação do Coral da Petrobrás, subiu ao palco, o coral de vozes masculinas, Pio XI. E como diz o ditado, o Coral Pio XI também “não deixou a peteca cair”, interpretando algumas músicas de seu repertório sacro. O Coral Pio XI, foi regido, como não poderia deixar de ser, pelo maestro Urban, que, mesmo estando ainda um pouco debilitado fez questão de reger os seus coralistas. Ao teclado, acompanhando o coral, estava o tecladista, Francisco Emanuele.

Finalizando a apresentação com a música que é carro-chefe do grupo, sendo cantada ao final de, praticamente, todas as apresentações do coral, que é a música, Creio em Ti — versão do clássico americano, I Believe, da autoria de Erwin Drake, Irvin Graham, Jimmy Shirl, e Al Stillman . Para finalizar o evento, o Coral da Petrobrás juntou-se no palco ao Coral Pio XI, para cantar a música, Um Dia Especial, com letra e música do Maestro Urban. O maestro Rafael Garbuio, se posicionou entre os coralistas para entoar a música junto com eles, mas teve que descer do palco, pois foi chamado pelo maestro Urban, para, junto com ele, reger a música, misturando assim, nova e velha geração de maestros. Assim diz a letra da música:

Este, Senhor, é um dia muito especial,
Dia de amor, de paz, carinho e emoção!
Tua bondade, se fez em mim, Senhor!
Eu te agradeço, de todo o coração.
A ti, Senhor, glória e louvor,
Graças e hosanas ao teu imenso amor.
A ti, Senhor, glória e louvor,
Graças e hosanas ao teu imenso amor.
Após a belíssima e emocionante apresentação, todos foram convidados a um lanche, pois já eram quase dez horas da noite, e além de fome de música, todos também sentiam fome de pão material.

Enquanto voltava para casa, pensava no sorriso de felicidade no rosto do maestro e do brilho em seus olhos enquanto assistia a apresentação do Coral da Petrobrás, e também quando regia o Pio XI. E, sem querer, lembrei-me da postagem que havia feito no domingo, 25, cuja poesia, intitulada, O homem forte, ressalta as características do homem que, em meio as adversidades da vida, conserva o sorriso no lábios, o brilho nos olhos, e a ternura no coração, e vislumbrei o maestro na figura daquele homem. Admiro em Urban essa bravura, essa fé, essa força, que o faz ir adiante, de cabeça erguida, mesmo que os ventos não lhe sejam favoráveis naquele momento. Um homem que, mesmo sentindo o peso da idade, não se entrega aos caprichos dela. Quando muitos se entregariam, resignados, aos males da vida, ele, ao contrário, faz como diz, Paulo Vanzolini, na canção, Volta por Cima, “Levanta, sacode a poeira, e dá a volta por cima”.

Hoje, dia 26 de outubro, é o aniversário desse guerreiro, chamado Oswaldo Antonio Urban, que nesta data, completa, 96 anos, e que se pode dizer sem medo de errar: 96 anos bem vividos.

Maestro Urban, ao senhor, dedico estas linhas que acabo de escrever, e lhe digo que me sinto honrado em conhecê-lo, sinto-me honrado em ter cruzado seu caminho. Aproveito para lhe agradecer as constantes oportunidades de crescimento e aprendizado que o senhor me proporciona.

No dia de ontem, ao final das apresentações dos corais, o senhor colocou-se diante de nós na condição de pai. E, em nomes de todos os coralistas, eu lhe digo que sentimo-nos inspirados em ter um pai como o senhor.

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O dom da fortaleza

Posted by Cottidianos on 00:28
Domingo, 26 de outubro

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares,
chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor.
Acho que a poesia está contida nisso tudo”.

(Carlos Drummond de Andrade)



Caros leitores, permitam-me fugir um pouco do factual e oferecer-lhes um pouco de reflexão em forma de poesia. Aos homens e mulheres que, em meio às adversidades da vida, conservam em seus corações o dom da fortaleza, dedico as linha abaixo.

Aproveito para desejar um bom domingo e boa semana a todos.

***



O homem forte

Sentei-me nos rochedos do Norte
E perguntei brandamente ao vento Leste:
Onde está o homem forte?
Quem é ele? Onde posse encontrá-lo?
O vento Norte, que até aquele momento uivava
Tal qual lobo feroz, silenciou.

Intrigado,
Dirigi-me aos picos gelados do Everest
E à montanha feita de gelo e neve,
Causadora de arrepios aos mais bravos alpinistas, indaguei:
Onde está o homem forte?
Diz a mim onde posso encontrá-lo?
A bela e fria dama vestida de branco,
Deu-me como resposta o murmúrio do silêncio.

Naveguei por mares bravios,
Cujas ondas se arrebentavam sobre rochedos milenares,
Que se conservavam impassíveis diante de tamanha fúria das águas.
Aqueles mares bravios eram singrados com cautela
Até por destemidos marinheiros experientes.
Desse misterioso reino de Netuno, quis saber?
Onde está o homem forte?
E as ondas, que até aquele momento, rugiam como leões ferozes,
Fizeram-se calmas e brandas como o voo das gaivotas.

Cruzei o mar
E apresentei-me diante dos sábios do grande conselho, e questionei:
O homem forte existe?
Os sábios milenares, senhores do tempo,
Lançaram sobre mim seus mansos olhares brandos,
E, com humildade e brandura na voz, me responderam-me:

O homem forte é aquele que, em busca da verdade,
Não se assusta com o uivo do vento Leste,
Que sopram nos rochedos do Norte.
Nem teme o perigo das montanhas geladas e frias,
Tampouco se acovarda diante da fúria dos mares bravios.
O homem forte, enfim,
É aquele que, diante das adversidades da vida,
Conserva o sorriso nos lábios, o brilho nos olhos,
E a ternura no coração.

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CPI da Petrobrás: Uma CPI que nadou, nadou... E morreu na praia.

Posted by Cottidianos on 00:27
Sexta-feira, 23 outubro



Quando se olha para o que acontece atualmente no panorama político brasiliense, a impressão que temos é a de que Congresso Nacional e Palácio do Planalto são como dois pés de árvores frondosas e vistosas, porém cheias de frutas podres. Nenhum dos ocupantes desses côncavos e convexos ousa balançar a árvore, pois pode lhe acontecer de duas uma: ou um fruto podre lhe cai na cabeça, ou ele mesmo é um desses frutos danosos e ele próprio cai da árvore.

Outra metáfora plausível é a de que estas instituições políticas sejam duas árvores carregadas de frutos valiosos, e os ocupantes dos cargos legislativos estejam colhendo todos esses áureos frutos e guardando-os todos em seus cofres e bolsos.

Tomando como parâmetro as imagens que se pode formar a partir dessas duas situações nocivas ao povo de uma nação, pode-se dizer que é por isso, no nosso Congresso Nacional, tudo acaba em pizza.

Foi o que aconteceu na madrugada de quarta para quinta-feira na Câmara.

Em fevereiro deste ano foi a Câmara dos deputados instalou a CPI mista da Petrobrás, com o objetivo de investigar denúncias de irregularidades na estatal. Na ocasião o indicado para presidir a CPI foi o deputado Hugo Motta, do PMDB da Paraíba. Hugo, todo cheio de autoridade dizia à revista Veja: “Da nossa parte, terá disputas se o PT não quiser investigar. Vamos cumprir o regimento e o papel que a CPI terá de ter”. Esperava-se que fosse acontecer um embate e um debate sério naquela casa legislativa.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou uma lista de cinquenta nomes de políticos citados na Operação Lava Jato. Alguém viu ou ouviu a CPI chamar um deles sequer para prestar depoimentos na CPI. Ninguém foi chamado a depor, ninguém foi indiciado. Como diz o dito popular: tudo “farinha do mesmo saco”.

Enfim, após meses de trabalho, chegou ao fim os trabalhos desta CPI. E o que ela apurou? Nada. O que ela acrescentou aos trabalhos do Ministério Público e da Polícia Federal? Nada. Com o que de relevante ela contribuiu para esclarecer o envolvimento de parlamentares no caso? Em nada. Para que ela serviu? Pra absolutamente nada. Dizer que ela não serviu para nada, é exagero meu. Ela serviu sim. Serviu para gastar em vão o dinheiro da nação.

Primeiro, pagou-se R$ 1,18 milhão para uma empresa de investigação que fez um relatório incompleto e inútil. Depois vieram as muitas viagens em território nacional, e até uma viagem internacional, que custaram aos cofres públicos algo em torno de R$ 322 mil.

A viagem internacional teve Londres por destino, e custou R$ 122 mil. Para colher o depoimento de Jonathan Taylor, ex-diretor da SBM Offshore. E para essa cumprir essa difícil missão foi necessário que oito deputados se dirigissem a Londres, ficassem por lá quatro dias, para colher um depoimento que durou algumas horas. a isso acrescentem-se a grana que os deputados tiveram direito para as despesas com alimentação.

O povo sempre diz que em Brasília tudo acaba em pizza. Desta vez não foi diferente. O parecer do relator, Luiz Sergio, do PT, foi aprovado por 17 votos favoráveis e 9 contrários. O relator até que pediu o indiciamento de 69 pessoas, porém, todas elas funcionários e operadores da estatal. O nome do ex-tesoureiro, João Vaccari Neto, só foi incluído de última hora, por causa das pressões de outros parlamentares.

Ficou muito claro, claríssimo de que lado estão os políticos e o governo. E eles não estão de povo, nem do lado do Brasil. Eles mostraram que estão do lado de si próprios e de seus próprios interesses. Nem as evidências do envolvimento de políticos como Eduardo Cunha e Fernando Collor, foi motivo de algum indiciamento. Na verdade, tudo não passa de um jogo de cartas marcadas. De que partido é vice-presidente do Brasil? PMDB. De que partido é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha? Do PMDB. Quem foi escolhido para ser presidente da CPI da Petrobrás? Hugo Mota, do PMDB. O relator? Do PT.

Enquanto isso, pedidos e mais pedidos de impeachment chegam a Câmara, mas como Eduardo Cunha pode fazê-los andar, se ele mesmo está atolado na lama até o pescoço. As contas de campanha irregulares da presidente Dilma tiveram alguma consequência? As tais pedaladas fiscais tiveram alguma consequência? O governo apenas ganha tempo e aquilo que é crime óbvio e gritante é tido como natural, é poeira jogada embaixo do tapete.

Nós, brasileiros, temos vivido em nossa recente história de Nova República, esperanças e desesperanças. Primeiro tivemos o caçador de marajás que não cassou a ninguém, e revelou-se ele próprio um daqueles a quem pretendia cassar. Depois veio o operário salvador, que não salvou a ninguém, exceto seus aliados, familiares e amigos. Veio o escândalo do mensalão e promessa de dias mais justos. Passou o mensalão e tudo permaneceu tal e qual. Após esse que se pensava ser um enorme roubo aos cofres da nação, veio outro dez vezes pior, um verdadeiro tsunami, que são os recentes assaltos aos cofres da Petrobrás.

Chega, povo brasileiro! Chega de ficar em casa sentado no sofá, assistindo passivos, a toda essa violência que se comete contra nossa nação. Chega de mais uma promessa de um quase justiça. Não podemos deixar que tão grandes desmandos e descasos, continuem a se espalhar em nosso país como se fosse uma praga destruidora, aniquiladora.

Usemos nossa consciência, e nossa arma que é o voto para elegermos uma nova geração de políticos que nos represente a nós, povo brasileiro. Sim, porque esses maus políticos não caíram de paraquedas no Senado, no Congresso, ou Palácio do Planalto. Alguém votou neles. Se esses que os elegeram carregam um peso na consciência, com certeza, peso bem maior recaí sobre a toda a nação.

Abaixo, compartilho um texto, publicado na Folha de São Paulo, que continua nos chamando à reflexão sobre o momento político em que vivemos. O texto é do jornalista e consultor de comunicação, Sérgio Malbergier.
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Quanto mais piora, mais pode melhorar

Como era previsível, os políticos preferiram salvar a si mesmos que salvar o país. Não foi a primeira vez, mas podemos agir para que seja a última, pois isso nunca foi feito de forma tão explícita e consistente como agora. A custo tão alto.

A situação é insustentável fora da ilha de Brasília. Aqui, a crise dói, e os políticos já não ousam circular pelas ruas de São Paulo. Será isso um começo? Um sinal do basta? O início do fim do antigo regime que vigora desde sempre, opondo governados a governantes, independentemente de sua matriz partidária e ideológica?

A história dirá e já diz que não há motivo para otimismo. O impeachment de Collor parecia um ponto de virada, mas não foi. O povo de Alagoas levou o presidente impedido de novo ao Senado, e o governo do PT o levou de novo ao centro da República. O mensalão parecia um ponto de virada, mas o povo brasileiro reelegeu o governo que o perpetrou.

Dessa vez pode ser diferente. A Lava Jato aliada à crise econômica deixou a política nua numa era em que a informação circula como pólvora.

O atraso deliberado, interesseiro e cínico do Congresso em aprovar medidas que podem começar a tirar o país da crise econômica custa a nós incontáveis bilhões —em aumento do custo do crédito ao Brasil, na desvalorização da moeda, no clima de total insegurança que mata investimentos e empregos.

O relatório surrealista da CPI da Petrobras é outro marco desse alheamento infame, assim como a permanência do presidente da Câmara no cargo, a permanência do presidente do Senado no cargo, os conchavos em torno deles e tantas coisas mais expostas diariamente nas redes sociais, nas TVs, nas rádios, nos jornais, nos sites, nos blogs.

As negativas do governo em relação à evidente corrupção em suas entranhas, a distribuição indecente de cargos e ministérios para os suspeitos de sempre, a insistência em negar fatos e reconhecer erros alimentam e projetam a corrupção para frente, mas também revoltam a população de uma forma nunca vista neste país. E não há nação que funcione bem com esse grau de mentira e despudor, que atingiu seu pico com a adesão incondicional do PT às ancestrais práticas políticas brasileiras.

Mas até o Brasil pode mudar. É preciso aproveitar essa crise. A Lava Jato e seus desdobramentos são o grande vetor transformador. Atacam o sistema por cima, por baixo e pelos flancos. E quem a ataca, ataca o futuro do Brasil e principalmente o dos pobres do Brasil, os que mais dependem da ação eficiente do Estado.

Se o STF não abrir brechas, não haverá escapatória diante da imensidão de provas e colaboradores da Justiça. E, para além do seu efeito sanitário, há o efeito didático de esclarecer e explicitar ainda mais a podridão política cujo epicentro é Brasília.

A pauta contra a corrupção é a pauta principal do Brasil. A luta contra ela pode e deve unir todos os brasileiros. Transformar a luta contra a corrupção num embate entre o governo e a oposição é a melhor forma de enfraquecê-la. Não dá para ver e punir apenas a corrupção de um lado.

Ou destruímos essa forma de fazer política ou os políticos destruirão o país. Apesar deles, as instituições brasileiras ainda funcionam e comandam a revolução impelidas pelo crescente basta popular. Ano que vem tem eleição, a instituição mais importante da democracia. Vote contra a corrupção.

Sérgio Malbergier
É consultor de comunicação. Foi editor de 'Dinheiro' e 'Mundo' e correspondente da Folha. Escreve às quintas.

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Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou

Posted by Cottidianos on 00:13
Quinta-feira, 22 de outubro

Ei dor...eu não te escuto mais,
Você, não me leva a nada.
Ei medo...eu não te escuto mais,
Você, não me leva a nada.
E se quiser saber pra onde eu vou,
Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou
E se quiser saber pra onde eu vou,
Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou

(O Sol - Antônio Júlio Nastácio)



Há algumas frases, obvias, mas que expressam a pura realidade, pode-se dizê-las de outras maneiras, mas elas continuarão encerrando em si mesmas, sua essência. Uma destas frases é esta: “As crianças são o futuro”, dizendo de modo mais poético: “As crianças são a semente do amanhã”.  Em qualquer cidade, país ou continente, essa frase terá sempre o mesmo efeito, o mesmo sentimento. Isto prova que o mundo é uma unidade na diversidade.

Mas para que a criança seja realmente a luz do futuro, é preciso que haja alguma fonte de combustível ou de eletricidade que acenda essa luz. Para que ela seja semente do amanhã, é preciso que haja um solo fértil que as sustente e lhes dê condições de um desenvolvimento saudável. Para que as crianças sejam futuro, é preciso, essencialmente, que a elas seja permitido viver o presente.

É com certa melancolia que faço estas reflexões, pois, sabemos todos que há crianças a quem lhes é negado; uma fonte de luz, um solo fértil, e um tempo presente para viver. Mesmo no Brasil, há centenas delas. Em nosso caso, o direito primordial, fundamental, que é o direito à vida, é roubado à infância através da prática de um crime que até pouco tempo era tolerado pelas autoridades, a cujas práticas viciosas e criminosas eram feitas vista grossa por parte de quem devia combatê-la. Falo da corrupção desenfreada, que faz mais vítimas, e é mais perversa do qualquer outro tipo de crime. No momento em que vos escrevo, há, em nosso país, crianças com fome, crianças sem lar, crianças sem amor.

Esses fatos não nos chocam, pois estão sendo vividos em um cenário silencioso, obscuro, distante de nosso olhar. É como diz o sábio dito popular: “o que os olhos não veem o coração não sente”, então nosso coração, porque não vê, fica, aparentemente, tranquilo. Às vezes, é necessário que a verdade seja jogada em nossa cara, de uma forma gritante, quase ofensiva. Por exemplo, no início de setembro, o mar veio depositar na beira de uma praia turca, o pequeno e frágil corpo de uma criança refugiada síria. A foto e o fato chocaram o mundo. Porém, quantos corpos o mar já não veio depositar na beiras de praias longínquas e que não chegaram a ser fato midiático? Certamente, centenas delas, mas como os nossos olhos não veem...

Se, no Brasil, o amanhã das crianças é roubado pela situação econômica e financeira, e pela rapina dos cofres públicos, feita descaradamente, por políticos e empresários sem compromisso com a vida, com a ética, e com a sociedade, em outros países, o direito de existir, o direito que é inato a cada criança, em qualquer lugar do planeta, que é o direito a alegria, é negado a elas pela guerra, pela intolerância racial e religiosa, e pelo fundamentalismo. Como é o caso de países do Oriente Médio e África. E as famílias dessas crianças, o que querem? Querem liberdade. Querem ver seus filhos crescendo livres e felizes. Querem que elas tenham direito a saúde, educação, alegria. Não encontrando isso em suas terras de origem, saem feitos peregrinos pelo deserto da vida. Batendo de porta em porta, na esperança de que alguém os acolha, a espera de uma mão amiga que lhes de um pedaço de pão, e um chão seguro, aonde possam assentar os pés.

Essa peregrinação, em sua maioria das vezes, é feita por terrenos e lugares inóspitos e perigosos, tais como os mares bravios, o seco deserto, e beirando a linha dos trens. E o que trazem nas mãos esses peregrinos? Nada. Estão eles caminhando, sem parar, sem destino certo, desprovidos de todas as benesses materiais. Apesar de toda essa carência, eles carregam um tesouro em seus alforjes: a esperança. Esse, talvez, seja o único tesouro ao qual lhes é permitido carregar consigo.

E quando essas crianças e suas famílias encontram um solo seguro, e braços que os acolham... Ah, quanta alegria brota de seus corações! É como se estivessem vendo miragem no deserto.



Estes pensamentos me vieram à mente, ao assistir uma reportagem no Jornal Nacional, em sua edição de sábado, 17. A reportagem mostrava crianças refugiadas, sírias e africanas, sendo recebidas à bala, em São Paulo. Trato, rapidamente, de me explicar antes que o leitor, diante da dubialidade de nossa língua portuguesa, forme em sua mente, imagens completamente adversas daquilo que quero expressar.

As crianças foram recebidas com balas de açúcar e mel. Se, destas todos nós, adultos, gostamos, imaginem então as crianças. Dezenas de famílias de refugiados foram recebidas com festa, no sábado, dia 17, em São Paulo. Ah, e quão felizes estavam aquelas crianças. Certamente, em seus torrões natais, a única explosão que ouviam era a explosão das bombas destruindo suas casas e suas escolas. Ali, naquele salão de festas, a única explosão que elas experimentavam, era a explosão da alegria, do riso e da brincadeira. Se lá eles abraçavam e eram abraçados apenas por seus familiares, ali eram abraçados por todos, como irmãos na grande família humana que somos todos nós.

Se no Congo, Síria, Jordânia, Iêmen, Palestina, Angola, e Sudão, ser criança, em toda a sua mais absoluta intensidade e beleza, não era possível, eles logo descobriam um sol a brilhar reluzente no horizonte, logo após uma noite de tempestade. Se nos países do qual vieram não lhes era possível ser sujeito da própria história, eles logo descobriam que aqui podem ser personagens principais dos romances de suas próprias vidas. E como autores de suas próprias vidas, esse grupo de 64 crianças refugiadas subiu ao palco e cantou uma música brasileira, que haviam ensaiado por três meses, chamada, O Sol, do compositor, Antonio Júlio Nastácio, e deliciosamente interpretada por Jota Quest. O coro afinado das vozes refugiadas bem que poderia se chamar, Coral da Liberdade.

Esse foi um final feliz para aquele grupo de crianças que São Paulo recebeu com carinho. Mas nem todos os finais para essas crianças são finais felizes. Daí eu fico pensando: Quão belo e humano seria o mundo se o sol pudesse brilhar para todos. Dessa forma, o sol estaria em todos os lugares e ninguém precisaria correr a procura dele.



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