0

O primeiro duelo presidencial

Posted by Cottidianos on 08:49

 Terça-feira, 30 de agosto

E Santo Cristo não sabia o que fazer

Quando viu o repórter da televisão

Que a notícia do duelo na TV

Dizendo a hora o local e a razão”.

(Faroeste Caboclo - Legião Urbana)


Se observamos o velho oeste americano da perspectiva do cinema e seus épicos filmes de faroeste teremos a visão de uma terra árida, de homens brutos, xerifes, bandidos roubando gado e caravanas. A lei era a lei das armas e a maneira mais fácil de resolver conflitos difíceis era o duelo. Todo filme de faroeste que se preze tem que ter um bom duelo no final.

Aqui no Brasil atual podemos também dizer que vivemos um faroeste. O clima selvagem aflorou de uns tempos para cá. Antes ainda se podia discutir política em qualquer ambiente e no meio de qualquer círculo de pessoas.

Hoje é meio complicado fazer isso. Por exemplo, se você discorda de um candidato de extrema direita, pode apanhar, sofrer violência física. Antes, era possível gostar de um artista e votar nesse ou naquele partido. Não havia problema nenhum nisso. Hoje, não. Se um artista apoia esse ou aquele candidato e assume isso publicamente é um perigo, pois as metralhadoras do ódio se voltam contra ele. Aquelas pessoas que, momentos atrás o aclamavam, passam a jogar pedras nele. É algo meio doentio.

As armas usadas são as armas da desinformação, das fake news. Até mesmo os homens que se dizem de Deus, concordam em usá-la para derrotar um adversário. Para mim é incompreensível que alguém a pregar os versos bíblicos “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, não tenha escrúpulos em fazer justamente o contrário do que diz a sabedoria escondida nas palavras do mestre Jesus.

Entretanto, é isso que temos visto: evangélicos usando desta artilharia suja e pesada para defender seus pontos de vista e seus protegidos no poder. Quando digo, “evangélicos” não quero generalizar pois há muitos que não comungam desse tipo de comportamento.

No velho oeste americano havia a corrida do ouro. Nos faroestes do novo Brasil que sente falta do velho Brasil temos uma corrida eleitoral. Que, de fato e de direito, começou recentemente, mas na realidade começou faz tempo, pois, Bolsonaro, como sabemos, desde que sentou na cadeira presidencial só pensa em reeleição. Esse é objetivo e o projeto principal de seu governo. Lula, por sua vez, depois que saiu da cadeia, não admitiu primeiramente que seria candidato, mas esteve ali sempre estendendo seus tentáculos.

Houve muito burburinho, muito disse me disse em torno de uma terceira via, uma ampla coalisão para derrotar Lula e Bolsonaro. Ao longo do caminho dessa terceira via, tal qual flores muito nomes foram desabrochando e murchando, nascendo e morrendo logo em seguida.

E isso me lembra a parábola do semeador citada no evangelho de Mateus (13; 1 -9) que fala de um semeador que saiu a semear. Enquanto semeava algumas sementes caíram ao longo do caminho, e vieram os pássaros do céu e as comeram. Outras, caíram em terreno pedregoso, onde não havia pouca terra. Nasceram, porém, o sol escaldante as fez morrer. Outras ainda, caíram entre espinheiros, e nasceram, mas os espinhos as sufocaram.  Algumas sementes tiveram mais sorte e caíram em terra boa, e cresceram e frutificaram.

Luciano Huck, Eduardo leite, João Dória, Sérgio Moro, Rodrigo Pacheco, Luiz Henrique Mandetta, foram alguns dos nomes que surgiram no meio desse burburinho da terceira via. Mas não prosperaram, ou porque caíram ao longo do caminho, ou entre pedregulhos, ou entre espinheiros.

No fim, quem vigorou mesmo foram duas sementes que, de novas, não tem nada. Já são bem conhecidas dos brasileiros; Jair Messias Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva. E depois deles, Ciro Gomes, e Simone Tebet. Mas do jeito que as coisas estão polarizadas, é bem pouco provável que os dois últimos sejam alguma ameaça para Lula ou Bolsonaro.

Enfim, nesse faroeste eleitoral também não poderia faltar o grande duelo: o duelo dos debates, e o primeiro deles aconteceu nesse domingo, 29, em evento organizado por um pool de veículos de comunicação formado por Folha, Uol, e pelas emissoras de TV Bandeirantes e Cultura. Além de Lula e Bolsonaro também estiveram apresentando suas ideias e propostas os candidatos; Ciro Gomes, (PDT), Luiz Felipe D’Ávila (Novo), e as candidatas Simone Tebet, (MDB), e Soraya Thronicke (União Brasil).

Havia muita indefinição quanto as presenças de Lula e Jair Bolsonaro. Eles mantiveram suspense em relação à suas participações até 48 horas antes do debate. Creio que para os organizadores apenas relaxaram quando estavam todos presentes em suas bancadas.

Enfim, às 9hs horas da noite, o estúdio da TV Bandeirantes se iluminou e começou a transmissão do tão aguardo primeiro debate dos candidatos nas eleições presidenciais desse ano. O debate, de modo geral, foi muito bom. Os candidatos e candidatas, durante todo o debate, respeitaram o tempo que lhes era destinada a fala.

Durante a realização do debate o instituto Datafolha fez, em tempo real, uma pesquisa qualitativa com 60 pessoas. A pesquisa tinha como objetivo avaliar a percepção dos eleitores indecisos sobre o voto em algum dos candidatos, ou se preferem votar em branco ou nulo nas eleições de outubro.

Divididos em três salas virtuais os participantes responderam questões através de um aplicativo. Essas questões visavam analisar os candidatos na escala de péssimo, ruim, regular, bom e ótimo.

Segundo essa pesquisa do Datafolha, quem se saiu melhor no debate foi a candidata Simone Tebet, com 45%, seguida de Ciro Gomes com 23%. Empatados na terceira posição ficaram Lula e Jair Bolsonaro com 10%. Felipe D’Ávila, ficou com 8%, e Soraya Thronicke com 2%.

Na pesquisa qualitativa que perguntava qual candidato se saiu pior no debate votaram 57 pessoas. Para esse grupo, quem se saiu pior nas pesquisas foi o presidente, Jair Bolsonaro com 51% dos votos. Lula ficou com 21%. Soraya Thronicke, 14%, Felipe d’Ávila, 7%, Simone Tebet, 5%, e Ciro Gomes 2%.

Lula, que havia ido muito bem na entrevista ao Jornal Nacional, na semana passada, não foi tão bem desta vez. Pelo menos, foi esta a análise que fez a cúpula do Partido dos Trabalhadores. O candidato ficou em posição de neutralidade em relação ao seu principal adversário, Jair Bolsonaro, mesmo quando questionado por esse em assuntos espinhosos como a corrupção. Talvez, tenha sido uma estratégia, afinal, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto, e não quis provocar embates calorosos. Um Lula pacificador em meio a radicalização pode ter sido a estratégia. E se foi estratégia, com certeza, não foi das melhores.

Bolsonaro, esse, como já disse tantas vezes aqui nesse blog, não é da natureza dele ser pacífico. Os seus marqueteiros, e as pessoas do seu entorno, bem que tentam, mas como fazer água se transformar vinho? Somente Jesus Cristo conseguiu tal façanha, diz o livro santo dos cristãos.

É sabido que o presidente é rude com mulheres e não aceita ser questionado por elas. O presidente, realmente, perde o controle diante de situações como essa. E Bolsonaro é rude com mulheres em diversos momentos, principalmente, se essas mulheres são jornalistas e o questionam.

Ontem, em pleno debate, aconteceu de novo. Vera Magalhães, apresentadora do Roda Vida, na TV Cultura, colunista do jornal O Globo, e comentarista da rádio CBN, questionou o presidente sobre as vacinas.

Era o segundo bloco do debate, e Vera fez uma pergunta para Ciro Gomes, para ser comentada por Jair Bolsonaro.

Vera Magalhães: A cobertura vacinal está despencando nos últimos anos. A cobertura para a vacina tríplice viral que protege contra o sarampo e outras doenças, foi de 71% em 2021, e ainda não chegou a 50% nesse ano. A da poliomielite que já chegou a ser de 96% em 2012, caiu a índices um pouco superiores a 67%. Queria saber do Sr. Em que medida o Sr. acha que a desinformação sobre vacinas difundida, inclusive pelo presidente da República pode ter contribuído, além de agravar a pandemia de covid-19, e causar mortes que poderiam ter sido evitadas também para desacreditar a população quanto a eficácia das vacinas em geral, e qual é a sua proposta para recuperar o Plano Nacional de Imunização, que já foi um orgulho nacional e uma referência para o mundo?

Ciro então responde dizendo que tudo no Brasil está fora de lugar, e diz que fica chocado ao ouvir o presidente Bolsonaro dizer que a economia está “bombando”. Ele fala da questão do desemprego, e de questões econômicas. Fala da saúde mental do brasileiro que está se deteriorando, em parte por causa desse clima de polarização e mentiras. Então Ciro fala que a questão da vacina é uma questão trivial. Fala então de sua experiência como governador do Ceará, e também como prefeito de Fortaleza, e que cumpriu tão bem as metas de vacinação que chegou a ganhar prêmios internacionais.

Então é a vez de Bolsonaro. Ele então desconsidera totalmente a pergunta da jornalista sobre vacinas e parte para o ataque.

Bolsonaro: Vera, não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse, fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo, mas tudo bem.

Vera Magalhães, apenas para citar, é uma das jornalistas mais respeitadas do país por pessoas de várias correntes políticas e pelos seus colegas de jornalismo. Se Bolsonaro está tentando conquistar o voto das mulheres, então a ofensa a Vera foi um tiro no pé.

Outro momento controverso de Bolsonaro foi no fim do debate, durante as considerações finais, quando ele fez acusações contra líderes latino-americanos de esquerda.

Lula apoiou o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile?”, disse Bolsonaro a respeito de Gabriel Boric, presidente do Chile. Boric, evidentemente, não gostou nenhum pouco dessas declarações, e mandou chamar o embaixador brasileiro no Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco, para que preste esclarecimentos.

Simone Tebet foi uma das mais equilibradas e com respostas sensatas durante o debate. Tebet integrou a CPI da Covid, e estava, portanto, muito segura quando falou desse assunto. Ela também foi muito bem articulada quando falou do tema educação área na qual ela domina, pois já lecionou no curso de Direito de uma faculdade.

Ciro Gomes também foi muito bem articulado, em suas colocações e críticas, tanto ao presidente Jair Bolsonaro quando ao ex-presidente Lula. Sempre defendendo a não polarização. O desempenho do candidato Ciro Gomes está bem aquém daquele registrado na campanha de 2018, quando também foi candidato. Acho que ele esperava mais nessas eleições.

Ciro Gomes pode estar colhendo o que plantou nas eleições daquele ano quando, durante a campanha do segundo turno, ele, em vez de decretar apoio a Fernando Haddad, candidato de Lula em 2018, e fazer aliança com o PT, ele viajou à Paris.


0

Um coração que chora

Posted by Cottidianos on 22:19

Segunda-feira, 22 de agosto

É famoso o quadro, Independência ou Morte, de Pedro Américo, obra de 1888 que retrata o grito de independência do Brasil, dado pelo príncipe regente, D. Pedro I. Muita pompa e circunstância podemos nota na obra. Um D. Pedro Altivo, montado num cavalo, vestindo trajes de gala.

Acompanhando D. Pedro nesse momento histórico estão uma comitiva formada por dez homens que erguem seus chapéus e quarenta soldados. Na cena da independência estão ainda figuras populares representando o povo.

Na verdade, a obra é uma idealização de um momento histórico. Os fatos, necessariamente, não aconteceram da forma como retratada na pintura do artista. Pompa e circunstância, certamente, não houve naquele momento.

D. Pedro vinha de Santos, subindo a Serra do Mar. Era uma viagem longa e, para elas, os burros eram mais indicados como meio de transporte por ser mais resistente do que os cavalos. Eram eles que carregavam as tropas. O riacho do Ipiranga também não estava, exatamente, ali onde se encontra no quadro.

A comitiva que vinham com o príncipe também não era tão grande. Apenas poucos homens com ele; militares e filhos de fazendeiros. E quanto aos bonitos uniformes de D. Pedro, da comitiva, e dos soldados? Imaginem vocês fazer uma viagem longa, no lombo de burros, num calor intenso, vestindo uniformes de gala.

A pintura foi uma encomenda feita por D. Pedro II ao pintor Pedro Américo “para homenagear o pai, e fazer propaganda da Monarquia”, diz reportagem sobre o caso exibida no Fantástico deste domingo, 21.

O dia 07 de setembro nem mesmo chegou a ser destaque na época. “O 7 de setembro não saiu em jornal, é uma data que ficou restrita a São Paulo, que era uma cidadezinha muito pequena na época, e só mais tarde o 7 de setembro se impõe como a data nacional da independência do Brasil. Nos primeiros anos foi o 12 de outubro”, afirma o escritor Laurentino Gomes ao Fantástico.

O grande dia, o dia da grande festa, do momento em que D. Pedro foi aclamado Imperador do Brasil foi, realmente, o 12 de outubro de 1822. Foi também o dia em que ele completou 24 anos de idade. O palco da grande festa foi o Campo de Santana, centro do Rio de Janeiro. A festança durou seis dias.

O local escolhido por D. Pedro foi emblemático. O Campo de Santana era um lugar do povo, onde os barões, baronesas, os senhores, as senhoras, e, principalmente, os escravos iam fazer passeios e festas. “Era uma praça negra, africana”, diz Laurentino. É como se D. Pedro quisesse, deliberadamente, compartilhar aquele momento com o povo. Ele bem poderia fazer a festa nos ambientes palacianos, mas preferiu fazer diferente.

Enfim, o fato é que o ano de 1822 marcou a nossa independência em relação a Portugal. A partir de então, já poderíamos caminhar com nossas próprias pernas. A história seguiu seu curso. O império de D. Pedro durou até o ano de 1831 quando ele abdicou do trono em favor de seu filho Pedro de Alcântara — então com cinco anos de idade — que mais tarde viria a se tornar D. Pedro II. D. Pedro I voltou para Portugal em 13 de abril de 1831, juntamente com a família real, aonde veio a falecer em 24 de setembro de 1834.

Porém, as lutas pessoais e as lutas pelo poder acabaram por consumir a saúde do monarca. Com baixa imunidade ele contraiu tuberculose. Morreu em decorrência da doença em 24 de setembro de 1834.

D. Pedro I foi um homem que dividiu seu amor com duas pátrias; a brasileira e a portuguesa. Quis o destino que não fosse diferente após sua morte.

Em 1972 os restos mortais de D. Pedro foram trazidos ao Brasil, onde estão sepultados na cripta do Monumento à Independência, no Museu do Ipiranga. Na véspera da morte o monarca expressou o desejo de que o seu coração fosse, literalmente, doado a cidade do Porto, Portugal, cidade pela qual nutria grande amor.

O coração de D. Pedro I foi conservado em formol, num recipiente de vidro, e está na cidade do Porto desde 1835, de onde nunca saiu. Pelo menos, até agora.

E assim, de história em história, chegamos ao bicentenário da independência de nosso país. Deveria ser para nós um motivo de grande festa, e de muitas comemorações.

Porém, demos o azar de, no momento desta grande data, o governo do Brasil está sendo ocupado por uma gente que não valoriza a cultura, a educação, e muito menos a arte. Desse modo, a as comemorações do bicentenário foram ofuscadas pelo clima de tensão institucional pelo qual atravessa o nosso país, pelo ataque às urnas eletrônicas, a ministros de instâncias superiores e pelo fanatismo religioso. Não se vê grandes comemorações pelo país. E quando temos notícia de uma ela cheira a interesses eleitoreiros.

O governo brasileiro se deu ao trabalho de trazer para o Brasil o coração de D. Pedro I que há 187 anos não saia da cidade do Porto. O órgão chegou ao Brasil na manha desta segunda-feira, 22, pouco antes da 10hs da manhã, e foi transportada por uma aeronave da Força Área Brasileira.

A relíquia foi recebida pelo governo brasileiro com honras de chefe de estado. Nesta terça-feira, ela será recebida no Palácio do Planalto pelo presidente Jair Bolsonaro. O coração do monarca ficará exposto para visitação pública no Palácio do Itamaraty até 05 de setembro, e ficará no Brasil até o dia 08 de setembro.

Antes de seguir para o Brasil, houve, na cidade do Porto, uma exposição inédita do coração de D. Pedro que atraiu milhares de pessoas. Na volta, a relíquia ainda ficará exposta ao público na cidade do Porto por mais dois dias.

Na cidade, a relíquia deverá permanecer conservada no formol, e guardada trancada numa urna de cinco chaves, dentro de um cofre na Irmandade da Lapa.

 O transporte da relíquia gerou uma série de críticas de especialistas tanto de Portugal, quanto do Brasil. “Vejo um contexto político, porque não há contexto histórico ou propósito educacional para trazer esse coração por pouquíssimo tempo, A partir do momento em que há o uso de órgãos humanos para uma simples exposição, sem o contexto de ensino, a exibição se torna algo simplesmente bizarro”, diz Valdirene Ambiel, pesquisadora da USP, em entrevista à Folha de São Paulo.

O sociólogo português, João Teixeira Lopes também fez críticas ao evento em artigo publicado no jornal português Público. “Um coração em formol será transportado para gáudio imenso do governo Bolsonaro, que aqui encontra a ocasião de um festim necrófago galvanizador da sua base de apoio, fazendo, em plena campanha eleitoral, como os ditadores romanos, a política de panem et circenses [pão e circo]”, citado também na matéria da Folha.

Os críticos tem razão. Se fosse um governo que promovesse a cultural e a educação poderia até ser compreensível, mas pelo que pudemos testemunhar, o governo de Jair Bolsonaro opera um verdadeiro desmonte, não apenas nas áreas de educação e saúde, mas também no da cultura, e nos demais setores que compõem a nação brasileira.

Então, os críticos tem toda razão: O governo faz uso político da relíquia ao trazê-la para o Brasil.

Além do fato de ser meio tétrico que a principal atração dos festejos do bicentenário da independência do Brasil seja um coração tratado e recebido com honras de chefe de estado. Ademais, se D. Pedro I, estiver vendo o que acontece no Brasil nos dias atuais, não está nada satisfeito, ao contrário, o coração dele deve estar chorando.


0

Um incomodo corajoso

Posted by Cottidianos on 08:00

Sexta-feira, 19 de agosto

Nesse mundo tem gente chata. Vem com uns assuntos sobre os quais você não quer conversar, não quer ouvir falar, e o cara insistindo.

E também tem gente corajosa. Dessas que entram em ninho de cobra, mesmo sabendo que pode ser picada por elas.

Assim é Wilker Leão: chato e corajoso. Quem é ele? Pois é, nem eu mesmo sabia quem era. Ouvir falar dele apenas hoje. Vamos seguindo a narrativo e você e eu saberemos que é esse rapaz.

O personagem em questão é youtuber. Nesses tempos de polarização, a especialidade dele é provocar, tanto os partidários do presidente Jair Bolsonaro, quanto os partidários do ex-presidente Lula.

Ele ama misturar-se com os apoiadores do presidente no cercadinho, em frente ao Palácio da Alvorada, fazendo vídeos provocando-os. Ele faz a mesma coisa em eventos do PT.

Na manhã desta quinta-feira (18), Wilker estava, mais uma vez, em frente ao Palácio da Alvorada, fazendo esse arriscado trabalho. Bolsonaro parou para tirar fotos e conversar com um grupo de apoiadores.

Fotos. Filmagens. Abraços. E lá vem Wilker com o celular dele, filmando. E já vem com uma pergunta provocadora: “Porque que o senhor limitou a delação premiada? ”. Obviamente, os apoiadores não poderiam admitir que alguém questione o presidente, de modo algum. Para eles, Bolsonaro é intocável. Um deles, então, não é identificado nas imagens, imediatamente, empurra o youtuber no chão.

Olha o nível do amor”, diz ele ironicamente. O jovem levanta-se, imediatamente, e continua provocando ainda mais o presidente.

Presidente, o que o senhor acha dessa violência comigo? Acabaram de me derrubar, Bolsonaro”.

Os seguranças do presidente se aproximam, o afastam do grupo, e pedem para ele se retirar. O jovem se recusa dizendo estar num local público e que não vai se retirar. Ele volta e continua questionando o presidente.

Provocador, Wilker diz, dirigindo-se ao presidente: “Quero ver se o senhor é corajoso pra sair e conversar comigo, tchutchuca do Centrão”. Ele critica Bolsonaro por fazer tudo o que a esquerda faz. “Me responde, para de ser covarde, seu covarde. Tchutchuca do Centrão. Tô aqui todo dia pra te combater safado. Você é vagabundo. Tô falando aqui na frente do gado do cercadinho inteiro. Quem foi que me derrubou. E aí, quem me derrubou? Fala agora”.

Bolsonaro, meio que sem saber o que fazer pega na gola da camisa do rapaz e tenta tomar o celular dele. Nessa hora, o youtuber se desespera, e recusa a entregar o celular. Os seguranças do presidente logo intervêm e afastam o jovem do grupo. A todo momento ele grita: “Vocês estão malucos”.

Há alguém no grupo filmando a cena e que, provavelmente, também não seja apoiador de Bolsonaro. Os seguranças vão em direção a essa pessoa, e querem impedi-la de filmar. O homem diz: “Eu posso filmar. Sou da imprensa”. E continua filmando sem ser mais incomodado.

Passam-se alguns minutos e dois cenários se desenvolvem. Em um ficam os seguranças do presidente conversando com o youtuber, afastados do grupo. No outro, o presidente conversando com os apoiadores.

Longos minutos se passam. Muitas selfies. Muitas conversas. Muito puxa saco. O jovem então se aproxima novamente do presidente. Dessa vez, o presidente conversa com ele. Diante dos questionamentos do rapaz, Bolsonaro, explica, até de maneira calma, que não governa sozinho, que depende do Congresso para aprovar medidas. Falam de orçamento secreto.

Em um dos trechos da conversa, Bolsonaro diz: “Eu fiquei 28 anos no parlamento. Me aponte qual reforma tributária foi aprovada ao longo de 28 anos dentro do parlamento”. Wilker então retruca: “Nenhuma. Mas o senhor não é o cara que ia fazer diferente”.

O Centrão entra na conversa novamente. E o youtuber lembra ao presidente o que ele havia dito na campanha sobre não rezar a cartilha da velha política, de fazer uma nova política. Uma máscara. Uma farsa. Pois, uma vez eleito, Bolsonaro voltou a praticar as artimanhas da velha política ainda com mais força.

A conversa finaliza com a questão do porte de arma. Depois Bolsonaro entra no carro e sai.

Wilker Leão serviu o exército durante 8 anos. O canal que ele tem no Youtube foi criado em março do ano passado. Nessa época ele ainda estava na ativa. Na verdade, ele criou o canal para isso, para tratar de assuntos referentes aos militares, tais como; documentação, pensão, porte de armas, dentre outros.

Por causa destas postagens ele foi punido e passou três dias detido. Em fevereiro deste ano, ele anunciou em uma rede social que estava indo para a reserva. A partir daí ficou livre para fazer o trabalho que faz hoje.

E assim estamos nós, brasileiros, no momento atual. Tendo que ter precaução, pois vivemos um momento de polarização, e, ao mesmo, não podemos nos calar.

A campanha eleitoral começou, oficialmente, nesta terça-feira, 16. Foi dada a largada inicial e os candidatos já podem fazer comícios, promover caminhadas, distribuir material gráfico, fazer propagandas na Internet, jornais, rádios e TVs. No domingo, 2 de outubro teremos o primeiro turno das eleições. E se houver segundo turno ele será realizado no dia 31 de outubro de 2022.

Até lá, seremos invadidos por uma enxurrada de fake news, de ambos os lados. Uma guerra de falsas notícias. E muitos ataques pessoais entre os candidatos. Isso era tudo o que a gente não queria. O que gostaríamos de ver mesmo eram propostas de governo, mas receio que estas fiquem em segundo plano.

A além de tudo ainda temos que conviver com ameaça de golpe, e instabilidade. E também de ver repetido aqui o que aconteceu nos Estados Unidos por invasão do capitólio.

Em sua coluna no site do jornal Metrópoles, o jornalista Guilherme Amado escreve que empresários bolsonaristas defendem um golpe, caso Lula vença as eleições. E eles defendem essa posição horrorosa e inconstitucional abertamente. A escalada da defesa dessa ruptura democrática se dá através de grupos de WhatsApp, especialmente, do grupo Empresários & Política, dos quais participam empresários bolsonaristas como Luciano Hang, por exemplo.

Além da ruptura democrática, o tom das conversas destes grupos também se estende a ataques às urnas eletrônicas, ao STF, TSE, a qualquer outra instituição que queira por freios aos ímpetos autoritários de Jair Bolsonaro. Isso é grave e as intuições deveriam pôr um freio no ímpeto autoritário desses empresários. Se eles querem viver em regimes autoritários que vão então para a Rússia, a Coreia do Norte, para a Venezuela, ou qualquer outro lugar onde os ditadores reinem, e deixem o Brasil em paz.

Uma boa notícia é que, no meio desse momento tão conturbado, Alexandre de Moraes assumiu a presidência do TSE em cerimônia realizada na terça-feira, 16, coincidentemente, mesmo dia em que começou para valer a campanha eleitoral. Moraes tem como vice-presidente no comando do TSE, Ricardo Lewandowisk.

Em seu discurso de posse, Alexandre de Moraes fez uma defesa enfática da democracia, do processo eleitoral brasileiro, e das urnas eletrônicas. Presentes à solenidade estavam os ex-presidentes, Michel Temer, Dilma Rousseff e Luís Inácio Lula da Silva. O presidente Jair Bolsonaro também esteve presente, mas ele deve ter se sentido como peixe fora d’água, vendo e ouvindo tanta gente reunida num lugar só, falando de democracia.

Alexandre de Moraes tem sido muito corajoso, e, pelos ataques e críticas que recebe, pode-se dizer que ele tem incomodado muita gente.


0

Dias de esperança. Dias de luta

Posted by Cottidianos on 23:43

Sexta-feira, 12 de agosto


O dia 11 de agosto foi daqueles dias em que o sol parece mais radiante e belo do que em todos os outros dias do ano. Seus raios resplandecentes se derramaram em todo o território brasileiro de Norte a Sul e  de Nordeste a Centro Oeste. O clima era agradável e a esperança estava, mais uma vez, no vento cálido que soprava nas faces dos brasileiros que amam, querem, e desejam a liberdade.

Não. Não estou falando de tempo, nem de clima como fenômenos naturais, pois nessa quinta-feira, 11 de agosto, nem todos os estados brasileiros tiveram, realmente, a ventura de contar com um sol quente e brilhando. Nos estados do Sul e Sudeste o dia estava bastante frio, e em muitos lugares o sol ficou encoberto pelas nuvens.

Quando descrevo clima e tempo no primeiro parágrafo digo de uma forma metafórica para referir-me ao clima de esperança e a um tempo de reação que tomou conta no Brasil.

Neste 11 de gosto  foi lida a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo de São Francisco. Milhares de pessoas acompanharam a leitura da carta naquele espaço.

A carta ecoou pelas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, pois faculdades de Direito de todo o país, fizeram em seus espaços, leituras simultâneas da mesma carta que era lida na USP. O manifesto cujo texto defende o Estado Democrático de Direito e as urnas eletrônicas, ultrapassou, no dia de sua leitura, a barreira de 1 milhão de assinaturas.

Na Internet, dias antes da leitura, um grupo de 42 artistas dentre os quais estão Fernanda Montenegro, Maria Bethânia, Gal Costa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Annita, e Lázaro Ramos, se reuniu para fazer a leitura de trechos da carta em vídeo publicado no Youtube.

Para o ato que foi realizado em Porto Alegre o ministro do Supremo Tribunal Federal, e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, enviou uma mensagem na qual diz: “Defender as eleições é preservar o cerne vital da agenda democrática, que, acima das cisões ideológicas, alinha, harmonicamente, os interesses de uma gente que almeja e merece buscar a prosperidade em uma comunidade pacífica, civilizada e livre”.

A leitura da carta se deu na parte da manhã, porém, no fim dia, manifestantes voltaram às ruas em várias capitais para pedir respeito ao resultado das eleições.

No mesmo Largo de São Francisco onde foi feita a leitura da carta elaborada por estudantes de Direito, também foi lida uma carta, também em defesa da democracia, elaborada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O texto da carta não cita em nenhum momento o presidente Jair Bolsonaro, justamente para tirar dela qualquer caráter partidário. Não é um manifesto de partidos, nem de um grupo específico. Ela expressa a vontade da maioria do povo brasileiro, daqueles que não se deixaram contaminar pelo discurso de ódio que tomou conta do Brasil nos últimos anos.

Apesar da carta não dar nome aos bois, ou seja, de não citar Jair Bolsonaro, foi por causa dele que houve essa necessidade de reafirmação dos anseios democráticos. Têm sido constantes as ameaças do presidente contra as urnas eletrônicas e contra ministros do Tribuna Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Ameaçando, inclusive, a não realização de eleições marcadas para outubro.

E os brasileiros ouvindo tudo isso, quietos. Mas chega uma hora que não dá mais para aguentar tudo calado, e o grito explode na garganta.

Os presidenciáveis Lula, Ciro Gomes, a Simone Tebet, assinaram a Carta pela Democracia. Jair Bolsonaro não assinou. Muito pelo contrário, desde o início do movimento ele tem tentando desqualificar o manifesto, dizendo, ironicamente, que se trata de uma “cartinha”, e de ser um movimento de esquerda. Na verdade, o manifesto envolve uma ampla gama de setores da sociedade, ee diferentes correntes de pensamento.

Em sua live semanal  desta quinta-feira, 11, Bolsonaro, com uma Constituição Federal nas mãos, Bolsonaro disse: “Alguém discorda que essa daqui é a melhor carta à democracia? Alguém tem dúvida? Acha que outro pedaço de papel qualquer substitui isso daqui?”, ironizando mais uma vez um manifesto tão forte em defesa da democracia.

Ele também criticou o ex-presidente Lula por ter assinado a carta: “Já que o símbolo máximo do PT assinou a carta junto com a sua jovem esposa, eu pergunto se o PT assinou a carta em 1988? O PT assinou a Constituição em 1988? E o pessoal faz uma onda agora sobre carta à democracia para tentar atingir a mim. Mas a bancada toda do PT não assinou essa carta à democracia em 1988 e agora quer assinar essa cartinha à democracia”.

E assim é Bolsonaro. Sempre contando mentiras ou meias verdades. É verdade que o PT se posicionou contra a Constituição de 1988, mas a bancada do partido votou a favor dela. É bastante significativo que o presidente de um país democrático não apoie um manifesto em favor dela e que desdenhe do manifesto como faz Bolsonaro.

É urgente que nos livremos de Bolsonaro e do Bolsonarismo. As eleições de outubro estão cada vez mais próximas. Esse blog já afirmou que esta será uma das eleições mais difíceis que já tivemos nos últimos anos. E será. Não duvidem de que Bolsonaro e sua turma tentarão qualquer coisa para ganhar estas eleições, mesmo jogando sujo, muito sujo.

Cabe a sociedade brasileira como um todo ficar de olho, vigiar dia e noite para evitar que o pior aconteça. Também não se pode cantar vitória antes do tempo, e dizer que Bolsonaro é candidato derrotado. A PEC das bondades, Kamikaze, ou qualquer outro nome que lhe queiram dar, atropelando a lei, lhe deu uma sobrevida, pois com o auxilio as taxistas, aos caminhoneiros, e com o aumento do valor de programas sociais que as famílias de baixa renda recebem, tudo isso pode fazer com que ele suba nas pesquisas.

Não poderia também de terminar esse texto sem falar dela, Michelle Bolsonaro. A mulher do presidente entrou na campanha, mas nos seus discursos, como nos do marido, não entram temas que ajudam a melhorar o país e vida dos brasileiros. Economia, educação, cultura, e segurança, meio ambiente, e outros temas importantes para os brasileiros não entram na pauta de seus discursos.

Michelle usa os discursos na campanha para “pregar” o evangelho. Uso o termo pregar entre aspas porque quem prega, verdadeiramente, o evangelho, não espalha ódio e preconceito como faz a primeira dama em suas pregações.

Recentemente, mais precisamente no um domingo, dia 7 desse mês, Michelle falava a evangélicos em um culto na Igreja Batista Lagoinha, em Belo Horizonte. Michelle disse: “Por muitos anos, por muito tempo, aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios. Cozinha consagrada a demônios, Planalto consagrado a demônios. E hoje é consagrado ao senhor Jesus”. A primeira dama referia-se indiretamente aos adeptos das religiões afro-brasileiras como a umbanda e o candomblé.

As criticas vieram pesadas sobre Michelle. Então, ela, ao invés de pedir desculpas, resolveu piorar ainda mais a situação.

Em agosto do ano passado, Lula participou de uma cerimonia de Umbanda, realizado na Assembleia Legislativa, na cidade de Salvador, Bahia. No evento, Lula recebe um banho de Pipoca. Na ocasião, o deputado Paulo Teixeira (PT), compartilhou o vídeo da cerimonia em suas redes sociais e escreveu na legenda: “Lula em Salvador abençoado e protegido pelo banho de pipoca usado nas oferendas para os Orixás Obaluayê na Umbanda”.

Depois das críticas a Michelle Bolsonaro, a vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos-SP), postou em suas redes sociais, o vídeo de Lula recebendo o banho de pipoca, e escreveu: “Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã”.

Michelle compartilhou o vídeo da vereadora Sonaira e escreveu na legenda: “Isso pode, né? Eu falar de Deus, não”. Com isso, Michelle aumentou consideravelmente a dose de preconceito que havia expressado anteriormente.

Em nota, a Frente Inter-Religiosa Dom Paulo Evaristo Arns (Firpea), disse que o comportamento de Michelle é “característico de regimes facistas”. A nota diz ainda a primeira dama foi “beligerante, excludente, e preconceituosa” e pede que ela se retrate.

Enfim, por qualquer ângulo que se olhe para esse grupo que hoje governa o Brasil só conseguimos ver ódio, mentira, falsidade, preconceito, e outros comportamentos que, de cristãos, não tem nada.

Abaixo, compartilho a integra da Carta aos Brasileiros. Penso que vale a pena conhecer o conteúdo desse grito em defesa da democracia.

****



Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos.

Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar.

Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública.

Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios.

Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais.

Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira.

São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!


0

A era das boas e más influências

Posted by Cottidianos on 12:30

Domingo, 07 de agosto


Um inusitado pedido de socorro

                                              Menino Miguel abraçado a um policial

Era noite de terça-feira, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Os policias da delegacia de polícia da cidade estavam muito atarefados com as ocorrências que chegavam: roubos, confusões, maus tratos, violência doméstica. Nada diferente de outras noites.

No meio de toda aquela confusão, chega mais um telefonema, um pedido de socorro. A voz era a de um menino. Ele pedia socorro. A atendente pergunta qual é o problema. O menino responde: “Eu, minha mãe, e meus irmãos estamos passando fome”. O menino fornece o endereço, e lá se vai a viatura da polícia até lá, pensando se tratar de mais um caso de maus tratos contra crianças e adolescentes.

Chegando lá, os policiais verificam a situação e veem que não havia nenhum caso de violência, nem de maus tratos. Encontram, sim, uma família que passava fome. Ficam comovidos.

A residência é de Célia Arquimino de Barros, de 46 anos. Ela mora com seus seis filhos no bairro São Cosme. Célia está desempregada e sobrevive fazendo alguns bicos. Vive do auxílio emergencial. O auxílio emergencial é uma ajuda do governo, e para muitas vem em boa hora. Porém, com a carestia grassando no Brasil todo, uma pessoa sozinha já não consegue se alimentar direito com o dinheiro pago pelo governo, imagina então uma mãe com seis filhos para sustentar. O pai dos meninos envia para ela R$ 250,00 reais por mês. Mas não é todo mês que ele envia.

Célia conta aos policiais que estavam há três semanas sem comprar mantimentos. O pouco que tinha na geladeira foi diminuindo, diminuindo, até que sobraram apenas farinha e fubá. Fazia três dias que farinha, fubá, e água era o que ela tinha para dar de comer e beber aos seis filhos.

Certo dia, ela ficou desesperada. E não tendo mais o que fazer, sentou e chorou. Miguel Felipe Barros, 11 anos, vendo a mãe chorar, ficou com o coração partido. Uma luz se acendeu em sua cabeça. Ele sabia a quem pedir socorro. Pediu o telefone da mãe, procurou na casa um lugar mais tranquilo e ligou para a polícia. E foi assim que os policias chegaram até a casa dele.

Depois de ouvir toda a história, os policiais, comovidos, foram até um supermercado, e fizeram compras para a família, também receberam algumas doações.

Ao ver os policiais chegarem com as compras, Miguel não cabia em si de felicidade. Correu logo a organizar tudo. Por uns dias, teriam o que comer.

Esse pedido de socorro de Miguel, infelizmente, não é só dele. É de milhões de família brasileiras que vivem na mesma situação. A inflação voltou ao nosso país, e voltou com força.

E é nesse clima de problemas na economia, aliado às instabilidades e atritos criados pelo presidente Jair Bolsonaro que vamos caminhando para as eleições em outubro desse ano. Verdade que, com o aval da situação e da oposição, o governo lançou um pacote de benesses — furando o teto de gastos e atropelando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Eleitoral — que pode fazer com que situação amenize um pouco até depois das eleições. Até depois das eleições, ressalta-se. E depois delas, como ficaremos?

Playboy inconsequente

                                             Bruno Krupp

Se de um lado temos um adolescente pobre, da periferia de Belo Horizonte, ligando para a polícia para dizer que ele e a família estavam passando fome, de outro temos um jovem carioca, rico, modelo, influencer digital, irresponsável, que nunca soube o que é ficar sem comida em casa, tirando a vida de outro jovem, na Barra da Tijuca, em um acidente de trânsito. O caso tem sido destaque na mídia desde que ocorreu.

                                                      João Gabriel e a mãe, Mariana

Era noite de sábado, 30 de julho, e o adolescente João Gabriel Cardim Guimarães, 16 anos, e a mãe dele, Mariana Cardim de Lima, estavam numa festa de aniversário na Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio. A festa chegou ao final, e os dois, antes de irem para casa, aproveitando que a noite estava quente e agradável, resolveram ir até à beira da praia.

Atravessavam a avenida Lúcio Costa, e estavam a apenas alguns passos do calçadão, quando, do nada, surge o farol de uma moto em altíssima velocidade. A mãe fica paralisada. João Gabriel corre tentando alcançar o calção distante dele pouquíssimos passos, quando é atingido em cheio pela moto. O impacto foi tão violento que a perna do jovem foi arrancada e arremessada 50 metros adiante, no gramado entre o calçadão e a areia da praia.

A mãe corre para junto do filho. Dor dilacerante se espalha pelo corpo do adolescente. Dor igualmente dilacerante atinge o coração da mãe. Porém, nem mesmo a dor os impede de declararem um ao outro, amor mútuo. “Eu te amo”, diz a mãe. “Eu também te amo”, responde o filho. E ali, na beira do mar da Barra da Tijuca, em uma noite quente e agradável, ocorre a despedida final entre Mariana e João Gabriel, seu único filho.

Pouco depois chegam as equipes de resgate, e o levam para o hospital, mas os ferimentos foram tão intensos que o jovem não resistiu, e morreu pouco após dar entrada no hospital.

E o irresponsável, e porque não dizer, assassino que pilotava a moto?

Esse, obviamente, teve alguns ferimentos, e foi levado ao hospital, de onde saiu com vida. Mas, certamente, a vida dele nunca mais será a mesma. Agora está preso no presídio de Benfica.

Quem é Bruno Krupp?

Bruno, 25 anos, é modelo e influenciador digital. Nas redes sociais ele tem mais de 140 mil seguidores. Antes do acidente, levava vida de playboy, praia, mulheres, esportes, e compartilhava nas redes seus trabalhos como modelo.

Na noite do acidente, transitava em uma velocidade, segundo testemunhas, que ultrapassava os 150km/h, em uma via onde a velocidade permitida é de 60km/h. Segundo funcionários que trabalham em quiosques na orla da praia era comum vê-lo nessa velocidade transitando pela orla.

Três dias antes de atropela e matar João Gabriel, Bruno havia sido parado em uma blitz da Lei Seca. Ele se recusou a soprar o bafômetro. Foi multado pelos agentes por dirigir a moto sem carteira de habilitação e sem placa.

Depois, em suas redes sociais, ainda ironizou o fato: ““Na moral, mano. Eu amo Lei Seca. Eu amo. Amo. Já é?! Vamos ver qual vai ser o desenrolado da melhor forma, demorou?! Tamu junto... Os dois lados da pista. Vem, amor, vem brincar, vem brincar. Vambora!

Bruno já responde processo por estupro e estelionato. A vítima, que prestou queixa na Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá. Ela relatou à polícia que os fatos ocorreram no apartamento do modelo. Ele nega os fatos.

Em 2021 foi registrada uma queixa de estelionato contra ele na 15a Delegacia de Polícia da Gávea. O gerente de um hotel na Zona Sul o acusa de ter vendido diárias no hotel a preços bem menores do que no site oficial. À pessoas que compraram a diária oferecida por Bruno ele pedia que o pagamento fosse feito no nome de outra pessoa. O gerente estima que o prejuízo causado foi de R$ 428,00 mil.

As investigações sobre o acidente de moto continuam. Na noite deste sábado, 6, o modelo e influenciador digital recebeu alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e foi transferido do hospital Marcos Moraes, no Méier, zona Norte, para o presídio de Benfica, zona Central do Rio.

Ali, atrás das grades, na solidão da prisão, Bruno Krupp, terá muito tempo, para refletir sobre as suas irresponsabilidades e consequências. Que ele pague pelos seus crimes é o que espera a sociedade carioca, e a sociedade brasileira.

Fora das celas de uma prisão, ficará uma família que sofre. Uma mãe que chora a morte do filho, e que o carregará para sempre apenas na lembrança dos dias felizes vividos ao lado dele.

Vivemos na era das imagens. A sociedade está em processo constante de transformação. A Internet chegou para ficar mudando hábitos, costumes. Se as redes têm poder de influenciar, o influenciador digital torna-se profissão. E se o influenciador exerce poder sobre a opinião de outras pessoas, é importante a gente se perguntar como ficamos nós no meio de tudo isso.

É interessante fazer-se certas reflexões. Quem você segue? Quem seus filhos seguem. Existe pessoas que nos edificam e pessoas que nos empurram para baixo. Quem são os seguidores do Bruno, um jovem inconsequente, acusado de estupro e estelionato. Você seguiria uma pessoa assim? Você seguiria ou segue influenciadores, irresponsáveis, racistas, homofóbicos, que defendem o nazismo e tantas outras porcarias semelhantes?

A nós é dada a liberdade de escolher entre o bem o mal. Escolhamos, pois, sempre o bem. Da fria Antártida ao calor do nordeste brasileiro haverá sempre uma lei que nos rege. Rico, pobre, negro, índio, branco ninguém escapa dela. Essa lei é a lei do retorno. Toda ação nossa, por menor que seja, provocará sempre uma reação que se reverterá para nós mesmos. Tanto bem fizeres, tanto bem receberás. Igualmente o mal que fizeres retornará para ti em dobro.

Em se tratando de redes socais, em tempos de campos recheados de trigo (boa informação) e joio (má informação) sempre é possível colher o trigo e fazer o pão que alimenta. E com o joio o que fazer? Jogue no fogo para que queime. Não jogue de volta ao trigal, dando a ele, joio dessa forma, condição de voltar a crescer e empestear os campos.

O adeus a um gênio chamado Jô Soares

                                                               Jô Soraes

Não poderia deixar de terminar essa postagem sem falar de um ser humano iluminado que, com certeza, não teve o menor problema na vida em fazer as melhores escolhas; as melhores amizades, os melhores livros, as melhores músicas, os melhores filmes, os melhores pensamentos. Como resultado, teve uma vida plena, esplendorosa.

Falo de José Eugênio Soares, nosso querido e amado Jô Soares.

Esse ícone do humor, da TV e do teatro nos deixou na sexta-feira, 5, aos 84 anos. Seu ponto de partida para a eternidade foi o Hospital Sírio-Libanês, na região Central de São Paulo. Jô estava internado no Sírio desde o dia 28 de julho.

Dentre os programas de humor nos quais Jô Soares atuou sempre com muito sucesso durante toda a sua carreira estão: A Família Trapo, Faça Humor não Faça Guerra, Satiricom, O Planeta dos Homens, A Praça da Alegria, Viva o Gordo, e Chico Anysio Show. Conquistava a todos com seu inegável talento. Sabia misturar como ninguém graça e leveza para fazer pesadas críticas sociais e políticas.

O brilho de Jô Soares também se fez notar no jornalismo. Fazer um programa de entrevistas não é coisa fácil. Arrancar do entrevistado confissões, segredos, revelações não é coisa para qualquer um, e ele conseguia isso e muito mais de uma forma esplendida. Do entrevistado mais sisudo ao mais risonho a entrevista era sempre interessante com o Jô. Quando estavam diante dele os entrevistados deixavam de lado as armas. Nessa modalidade apresentou os programas Jô Soares Onze e Meia (SBT), e Programa do Jô (TV Globo). Pelo programa dele passaram políticos e artistas famosos, e gente dos mais variados setores.

Dizer que Jó era apenas humorista e apresentador de programa de entrevistas é redundância pois ele era um artista multifacetado. Tudo o que fizesse fazia bem. Era escritor, diretor, artista plástico, ator, músico, jornalista.

Jô Soares se vai, e deixa uma grande lacuna nas artes brasileiras. E muitas saudades naqueles que viram seus programas de humor e riram com seus personagens, e nos que refletiram sobre a vida vendo seus programas de entrevistas, que leram seus livros, que leram seus artigos.

Descanse em paz, gênio, Eugênio, Jô Soares. 


Copyright © 2009 Cottidianos All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates