0

Jogo de trapaças

Posted by Cottidianos on 01:33
Quinta-feira, 29 de novembro


O presidente eleito Jair Bolsonaro se elegeu graças a um forte discurso antipetista e anticorrupção. Esse discurso colou — e muito bem, por sinal. O candidato do PSL também se apresentou como uma nova cara na política e como candidato antisistema.
Estratégias, estratégias, estratégias. Elas funcionam bem em qualquer situação. Para fazer justiça ou injustiça, para o bem ou para mal. A estratégia não deixa de ser uma arma de guerra. Ganha quem melhor sabe fazer uso dela.
Á título de exemplo, este blog cita o caso do ex-jogador de futebol e ator americano O. J. Simpson. Ele foi acusado, em 1994, de assassinar a facadas a ex-mulher, Nicole Brown, e o amigo dela, Ronald Goldman. Todas as provas materiais colocavam O. J. Na cena do crime. Para a acusação era daqueles casos em que se poderia afirmar: É um caso ganho.Em 1994, após um longo julgamento que dividiu a opinião publica norte-americana, e em um polêmico veredicto, o ex-atleta foi absolvido do crime de duplo assassinato, graças ao trabalho meticuloso e brilhante da defesa.
Essa ilustração, extraídas das páginas policiais da vida real , entra nesse artigo para destacar a estratégia usada pela defesa que conseguiu desviar a atenção dos jurados, e da opinião pública, do caso da acusação de duplo homicídio, para um caso relacionado à questão racial. Como já foi dito acima, estratégia é arma. Quem sabe melhor manejá-la ganha o jogo.
Bolsonaro ganhou, é verdade, graças ao bom uso da estratégia. Mas logo, logo, verá que e preciso muito jogo de cintura para governar. Na verdade, de cara nova na política Bolsonaro não tem nada.  E de antisistêmico menos ainda. É tão velho na política, quanto às velhas raposas. É tão sistema quanto qualquer dos outros mais antigos na cena política. Afinal, foram 27 anos percorrendo os corredores do Congresso, sendo testemunha de acordos espúrios na calada da noite, negociatas, compra de votos, e toda essa lama que rola em Brasília.
Isso pode ser bom e pode ruim para ele. Ele pode usar esses rascunhos e estratégias contra ou a seu favor. Isso somente saberemos quando o jogo começar pra valer.
Por enquanto, digamos assim, ele está apenas escalando o time. Vai encontrar resistência de todos os lados. Já está encontrando, na verdade. A bancada evangélica promete ser dura na queda de braço do jogo do poder.  E ela já começou a fazer isto quando se opôs a indicação de Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, para o ministério da Educação.
Seria uma escolha técnica, devido ao conhecimento de Mozart nessa área, porém a bancada evangélica queria alguém com um perfil mais ideológico. Bolsonaro então, cedendo à pressão, e fugindo um pouco de sua promessa de formar um ministério mais pendente para o lado técnico, resolveu então prescindir do nome de Mozart, para indicar Ricardo Vélez Rodríguez, com perfil mais ideológico que técnico para o cargo de ministro da Educação.
Há também os bandidos que usam o Congresso Nacional e o cargo que lhes foi outorgado pela população, através do voto, para tentarem legislar em causa própria e facilitarem a própria vida, caso as denúncias que pesam contra eles e seus comparsas, sejam levadas às vias de fato, e eles vão parar no lugar que lhes é de direito: atrás das grades.
Alguns desses parlamentares, e que estão sendo investigados na Lava Jato, pretendem colocar em votação um projeto que atenua a pena de vários crimes, inclusive, aquele no qual estão enredados, ou seja, a corrupção.
Aprovado em outubro do ano passado no Senado, o projeto elaborado por uma comissão de juristas teve autoria de Renan Calheiros, também ele envolvido em casos de corrupção. São 14 inquéritos aos quais o senador responde no STF ligados a crimes de corrupção.
Aprovado no Senado, o projeto chegou à Câmara dos Deputados em novembro, e logo, deputados com a cabeça na guilhotina da justiça, propuseram que ele deveria ser votada de imediato. Aliás, é sempre assim: Quando se trata de legislar em causa própria, os deputados e senadores têm a máxima urgência. Já quando se trata de assuntos de interesse do país e da população, aí os projetos, quando tramitam, o fazem no mesmo passo e ritmo que o das tartarugas. Isso quando não vão amarelar suas páginas, esquecidos na gaveta de algum relator.
Agora, ao apagar das luzes, conforme denúncia da Folha de São Paulo, em reportagem publicada nesta segunda-feira (26), esse grupo de parlamentares, dentre eles, Arthur Lira (PP, Avante), Jovair Arantes (PTB, PROS, PSL, PRP), Marcos Montes (PSD), Carlos Zarattni (PT), Baleia Rossi (PMDB) e José Rocha (PR), voltaram a pressionar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Dentre as alterações que os deputados pretendem fazer estão; a progressão de antecipada de regime quando o presídio em que o réu estiver confinado se encontrar superlotado e a conversão da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, em restritiva de direitos, dentre outras.
O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, vê com preocupação essa alterações e defende que essas flexibilizações não podem ser aplicadas aos crimes de corrupção, e pediu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia que não coloque o projeto em pauta da votação, como queriam alguns deputados, e que a análise do caso fique apenas para o ano que vem. “Eu não penso que resolve-se o problema da criminalidade simplesmente soltando os criminosos. Claro que a superlotação é um problema, isso tem que ser trabalhado, mas simplesmente abrir as portas das cadeias não é a melhor solução, na minha opinião, isso tem que ser enfrentado de uma outra maneira”, disse Sérgio Moro.
Em mais uma prova de que os políticos usam o Congresso para legislar em causa própria, ao invés de proteger os interesses da nação, é que, por falta de votação na Câmara, seguiu direto para o Senado, um projeto que volta a permitir que quem ocupou cargo político ou atuou em campanha eleitoral nos últimos três anos, seja indicado para a direção de estatais, e que também caia a proibição de que parentes de até terceiro grau de dirigentes de partidos, senadores, vereadores, ministros, e outras autoridades, ocupem cargo em empresas públicas.
O projeto que os deputados têm tanta pressa em ver aprovado ainda no mandato vigente, fere a lei de responsabilidade das estatais, e, de certo modo, enfraquece a luta contra a corrupção.
Tanto alvoroço em torno da questão é o fato de que tramita na Câmara um recurso que obriga o debate do projeto no plenário.
O projeto havia sido aprovado, simbolicamente, por uma comissão de 35 deputados, mas a idéia era envolver todos os 513 deputados na discussão, porém, se isso acontecesse não daria tempo do projeto ser votado ainda durante esse mandato. Porém, alguns partidos orientaram os deputados a votar contra o recurso, o que permitiu o envio do texto ao Senado.
Ainda na questão de legislar em causa própria, o deputado, Giovani Querini (PR), pediu para os deputados pensarem neles mesmos e derrubar o recurso. “É muito importante votar não porque parece, aqui nesta casa, que deputado dá tiro no pé. Porque imagina se uma pessoa que ocupou um cargo político não pode ocupar outro cargo, porque automaticamente passou a ser suspeita. Isso é confissão, isso é um erro que esta casa comete permanentemente”, disse o deputado.
Em meio a tudo isso, mais um problema se apresenta ao futuro governo, Jair Bolsonaro, as contas públicas, e ao bolso de cada cidadão: o presidente Michel Temer sancionou o reajuste de 16% para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Os Salários subiram de R$ 33.763 para R$ 39.293. Esse aumento foi proposto pelos próprios ministros do STF.
A questão é que os soldos dos ministros do STF servem também de base para os soldos dos funcionários públicos em todas as esferas: federal, estadual, e municipal. É um verdadeiro efeito em cascata. O impacto nas contas públicas com esse reajuste é de R$ 4 bilhões. E de onde vai sair o dinheiro para pagar a conta, em uma nação com as contas públicas pra lá de vermelhas?
O ministro Luiz Fux usou o aumento como moeda de troca. Se o aumento fosse concedido aos magistrados ele revogaria o auxilio moradia concedido aos juízes. Ora, esse é um benefício a que os magistrados tem direito, mas se formos botar na balança, com os salários estratosféricos que eles recebem, nem precisariam. Assim como também de outros penduricalhos que ajudam a engordar os salários de magistrados e também da classe política.
É assim caros leitores: no Brasil discute-se a violência urbana, diz-se que é preciso armar os cidadãos, mas não se discute, nem muito menos se fala, em acabar com essa violenta desigualdade social que é, na verdade, a matriz geradora de todas as demais formas de violência e atraso na educação, na cultura, na economia, na segurança, na saúde, e em todas as demais áreas do estrato da sociedade brasileira.
E assim, ignorando fatores que poderiam impulsionar o Brasil pra frente, vai-se transformando a democracia num jogo de trapaças, e num jogo de faz de conta, no qual a sociedade brasileira como um todo acaba saindo perdendo feio.

0

A lição dos baobás

Posted by Cottidianos on 20:19
Terça-feira, 20 de novembro
Vou deixar a vida me levar
Pra onde ela quiser
Seguir a direção
De uma estrela qualquer
É, não quero hora pra voltar, não
Conheço bem a solidão, me solta
E deixa a sorte me buscar
(Vou deixar – Skank)


No coração da África, havia uma extensa planície. E no centro dessa planície, erguia-se uma alta e frondosa árvore. Era o baobá. Um dia, embaixo do sol escaldante do meio-dia africano, corria pela planície um coelhinho, que, cansado, quando viu o baobá, correu a abrigar-se à sua sombra. E ali, protegido pela árvore, ele se sentiu tão bem, tão reconfortado, que olhando para cima não pôde deixar de dizer:
— Que sombra acolhedora e amiga você tem, baobá! Muito obrigado!
O baobá, que não costumava receber palavras de agradecimento – como muitos de nós também não recebemos - ficou tão reconhecido, que fez balançar os seus galhos e tremular suas folhinhas, como numa dança de alegria.
O coelho, percebendo a reação da árvore, quis aproveitar-se um pouquinho da situação e disse assim:
— É, realmente sua sombra é muito boa.... Mas e esses seus frutos que eu estou vendo lá em cima? Não me parece assim grande coisa...
O baobá, picado no seu amor próprio, caiu na armadilha. E soltou, lá de cima de seus galhos, um belo e redondo fruto, que rolou pelo capim, perto do coelhinho. Este, mais do que depressa, farejou o fruto e o devorou, pois ele era delicioso. Saciado, voltou para a sombra da árvore, agradecendo:
— Bem, sua sombra é muito boa, seu fruto também é da melhor qualidade. Mas... e o seu coração, baobá? Será ele doce como seu fruto ou duro e seco como sua casca?
O baobá, ouvindo aquilo, deixou-se invadir por uma emoção que há muito tempo não sentia. Mostrar o seu coração? Ah... Como ele queria... Mas era tão difícil... Por outro lado, o coelhinho havia se mostrado tão terno, tão amigo... E assim, hesitante, o baobá foi lentamente abrindo o seu tronco. Foi abrindo, abrindo, até formar uma fenda, por onde o coelho pôde ver, extasiado, um tesouro de moedas, pedras e jóias preciosas, um tesouro magnífico, que o baobá ofereceu a seu amigo.
Maravilhado, o coelho pegou algumas joias e saiu agradecendo:
— Muito obrigado, bela árvore! Jamais vou te esquecer! E chegando à sua casa, encontrou sua esposa, a coelha, a quem presenteou com as joias. A coelha, mais do que depressa, enfeitou-se toda com anéis, colares e braceletes e saiu para se exibir para suas amigas.
A primeira que ela encontrou foi a hiena, que, assaltada pela inveja, quis logo saber onde ela havia conseguido joias tão faiscantes. A coelha lhe disse que nada sabia, mas que fosse falar com seu marido. A hiena não perdeu tempo: foi ter com o coelho, que lhe contou o que havia acontecido.
No dia seguinte, exatamente ao meio-dia, corria a hiena pela planície e repetia passo a passo tudo o que o coelho lhe havia contado. Foi deitar-se à sombra do baobá, elogiou-lhe a sombra, pediu-lhe um fruto, elogiou-lhe o fruto e finalmente pediu para ver-lhe o coração.
O baobá, a quem o coelhinho na véspera havia tornado mais confiante e mais generoso, dessa vez nem hesitou. Foi abrindo o seu tronco, foi abrindo, bem devagarinho, saboreando cada minutinho de entrega. Mas a hiena, impaciente, pulou com suas garras no tronco do baobá, gritando:
— Abra logo esse coração, eu não aguento esperar! Ande! Eu quero todo esse tesouro para mim, eu quero tudo, entendeu? O baobá, apavorado, fechou imediatamente o seu tronco, deixando a hiena de fora a uivar desesperada, sem conseguir pegar nenhuma joia. E por mais que ela arranhasse a árvore, ela nada conseguiu.
A partir desse dia é que a hiena ganhou o costume de vasculhar as entranhas dos animais mortos, pensando encontrar ali algum tesouro. Mal sabe ela que esse tesouro só existe enquanto o coração é vivo e bate forte.
Quanto ao baobá, nunca mais ele se abriu.
O delicado e tocante relato é uma lenda africana, chamada, O Coração do Baobá, árvore que, especialmente para o povo africano, é revestida de grande significado.
Existem várias lendas que tentam explicar a árvore. Diz outra que:
No início dos tempos,quando o Deus criou o mundo, primeiro fez as águas e as terras. Depois admirando a paisagem, criou diversas espécies para viver o resto dos tempos.
A primeira árvore que fez era bem grande e forte : foi um baobá.
O baobá nasceu ao lado de um rio de águas tranquilas, onde se refletia e acompanhava seu próprio crescimento.
Atento, observava a natureza ao redor, os outros tipos de plantas e flores.
A enorme árvore tinha tudo para ser feliz, mas parecia insatisfeita e descontente.
— Por que não tenho flores o ano inteiro? - Indagava o baobá.
— E por que não tenho flores de várias cores? - Assim prosseguia por horas.
O baobá sentia inveja das outras espécies.
Inconformado, chamou o criador e fez exigências sem fim.
— Não reclame, você é perfeito: dá frutos deliciosos, sementes, flores, sombra e até água! - Disse o Deus.
No entanto o baobá não desistia. Seguiu o criador por toda a África, fazendo suas queixas. Dizem que é por isso que há baobás por todo o continente!
— Não posso acreditar que é infeliz! Justo você, que caprichei tanto! - Insistia o Deus.
A árvore continuava reclamando.
Chegou o dia em que o criador não aguentou mais ouvir lamentações:
— Chega de blábláblá!- Disse aborrecido.
Então arrancou o tronco da terra e plantou o baobá de novo, com as raízes viradas para cima!

A verdade é que mesmo, segundo a lenda, tendo sido plantada de cabeça para baixo, o baobá continuou crescendo como crescem os filhos e filhas de reis e rainhas: belos, deslumbrantes, exuberantes, e majestosos.
Hoje é 20 de novembro, em muitos municípios brasileiros, feriado do Dia da Consciência Negra. Um dia de luta de afirmação da negritude,  e de políticas de afirmação para este segmento da população.
O Dia da Consciência Negra, que na verdade, nasceu como uma homenagem ao líder negro, quilombola, Zumbi dos Palmares, nascido em 1655, e assassinado pelas tropas do governo, no dia, em 20 de novembro 1695.
 A data foi oficializada em 2011, por meio da Lei 12.519, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela então presidente, Dilma Rousseff. Não é feriado nacional. Cabe a cada município decretar ou não feriado nesse dia. Entretanto, tramita no Congresso um projeto de lei, o PLS 482/2017, d e autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que estabelece o 20 de novembro como feriado em todo o território nacional.
Em entrevista à Rádio Senado, o senador defendeu a proposta usando o seguinte argumento: “A escravidão é a maior ignomínia, o maior crime que pode ser perpetrado contra um ser humano, e nós somos uma sociedade, um Estado, estruturado nesse crime. Temos que fazer nossa catarse, a superação disso, que só ocorrerá nas gerações futuras se isso for debatido nas escolas e no dia a dia”.
Em resumo: um dia de reafirmar a luta pelos direitos iguais. É verdade que a Constituição garante esse direito a todos, mas, na prática, sabemos que as coisas não são bem assim. O povo negro continua a sofrer, ainda nos dias de hoje, preconceito e discriminação. Ainda quando atinge o topo da fama e do sucesso, ainda assim são alvos de pedradas, na forma de ofensas e injúrias raciais, como é o caso de muitos atores, atrizes, e atletas.
É também por isso, que essa população luta para que políticas de afirmação, como por exemplo, as cotas raciais nas universidades, sejam mantidas. Questão controversa é essa. Muitos brancos, e mesmo alguns negros, são contra a instituição de cotas para negros na universidade.
Ora, pensemos da seguinte forma. Nos tempos de colônia e república, alguém via algum negro nos bancos de universidades? Isso era impensável. Mesmo depois da abolição, os negros continuaram enfrentando enormes dificuldades para o ingresso em instituições superiores. Então, o que se tem é um déficit do estado para com a população negra. As cotas são uma tentativa de sanar esse déficit. Há quem concorde, e há quem discorde, mas precisa ser negro para entender na alma essa necessidade, ou branco que tenha uma percepção da história de luta desse segmento da população.
Mas, voltemos aos baobás, que se posicionam na vida sempre com porte altivo e majestoso. Eles são assim. É da natureza deles ser dessa forma. São árvores raras de se encontrar, mas se, por acaso, o caro leitor, ou leitora, tiver a ventura de encontrar com algum deles na estrada da vida, jamais o verá curvado, submisso, “chorando pitangas”, como diz o ditado popular. Se encontrar uma árvore assim, se dizendo baobá, seja educado (a), diga-lhe “passe bem”… E siga seu caminho, pois, certamente, acabou de encontrar um falso baobá.
E essa lição aprendida com essas milenares árvores majestosas, não servem apenas para a vida do povo negro, mas também como de todas as outras minorias, ou seja, a de não se sentirem diminuídas, nem menores que ninguém. De olhar sempre em direção ao alto, pois é de lá que vem a força que renova em nós, todos os dias, o compromisso de por o pé, firmemente na estrada... E prosseguir.
Se a vida é feita de avanços e retrocessos, saiba, que dos retrocessos pode resultar saltos que avançam mil metros. Se soubermos aproveitar os recuos da vida para rever nossas estratégias, retraçar nossos planos e objetivos, e recuperarmos nossa energia, então voltaremos à batalha com novos impulsos, forças renovadas, e mais fortes.
A árvore rainha de que trata esse texto, é da família Bombacaceae, e é o mais conhecido membro do gênero Adansonia – um pequeno grupo de árvores tropicais do velho mundo. Existem oito espécies do gênero, uma na África, seis em Madagascar, e uma na Austrália.
O tronco da árvore é imenso e as folhas e galhos parecem bastante desproporcionais em relação a ele. No inverno, ela fica desfolhada, como se recuasse para reavaliar suas estratégias, e voltar ainda mais exuberante na primavera e no verão, momento em que, além das folhas de um verde exuberante, com as galhadas renovadas, aparecem também flores exóticas brancas e ricas em néctar que nascem de cabeça para baixo e apenas se abrem à noite. Flores noturnas só poderiam ter por parceiros seres noturnos, e é justamente aí que os morcegos entram na história. São eles que polinizam as flores do baobá.
Desse processo de polinização nascem grandes frutos ovais que são cobertos por uma espécie de veludo que variam em tamanho e formato, e podem conter de 30 a mais de 200 sementes. Estas, ficam dentro de uma polpa ácida branca, que, por sua vez, é envolvida por uma camada de fibras. Do verão ao início do outono é o tempo do fruto amadurecer, e depois caírem.
Estas árvores de grande porte e milenares com certeza foram testemunhas silenciosas do rapto de muitos de seus concidadãos africanos que eram enviados a outros continentes. Imponentes, devem ter vertido rios de lágrimas de seus olhos bondosos ao ouvir o grito de dor dos negros que acorrentados, feridos, machucados, eram, como árvores de raízes profundamente fincadas no solo, arrancados de seu lugar de origem. Devem ter sentido-se incapazes de aliviar todo aquele sofrimento.
 Eram plantas do coração cheio de riquezas. Podiam dar flores, frutos, sombra, e acumular muita água em seus enormes e grossos troncos, água que matava a sede dos negros africanos, mas não podiam tirá-los das mãos dos opressores, e isso lhes doía o coração.
Mas, com sua atitude, sua força para sobreviver em solos áridos, secos,e e pedregosos, os baobás podiam, pelo menos, dar um recado aos negros que eram arrastados da terra natal, para futuros distantes, incertos, e cheios de sofrimento: Sejam nobres! Altivos! Não deixem que seja diminuída sua personalidade, sua inteligência, sua cultura. Afinal, você também é filho de nossa terra, nosso irmão. Quando estiverem enfrentando as dificuldades e revezes da vida, pense em nós que sempre miramos o alto, de onde nos vem luz e força para atravessarmos os séculos, firmes, fortes,e majestosos. Lembre-se: no teatro da vida, vocês são atores principais, não se contentem com papeis secundários. Elevem-se ao Deus poderoso, como todos os dias elevamos nossos galhos aos céus e a ele imploramos força e proteção. E não se esquecem de manter suas raízes firmemente arraigadas à terra, para que nenhum vento forte e repentino os derrube e os ponha abaixo, afinal é pelas raízes que sugamos da mãe terra toda água e nutrientes de que necessitamos.
Como os negros africanos, as diversas espécies de baobás também foram habitar em vários cantos do planeta. Quem sabe eles não tem uma lição a lhe ensinar? E se na sua região, em seu país, em sua cidade, não houver baobás, certamente, terá uma árvore irmã que, além de frutos, flores, talvez esteja, silenciosamente, querendo ensinar-lhe algo. Por que não abre o coração para ouvir e aprender?

0

Sérgio Moro em entrevista ao fantástico

Posted by Cottidianos on 01:26
Quarta-feira, 14 de novembro


 Neste domingo, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do também futuro governo de Jair Bolsonaro, concedeu uma longa entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, na pessoa da repórter Poliana Abritta. Nela, o o juiz Sérgio Moro fala de diversos assuntos de interesse do governo e da coletividade, bem como de seus anseios e dúvidas em relação ao futuro.
A seguir, esse blog transcreve essa entrevista na íntegra, não se atendo, porém, a outros comentários introdutórios, pois a entrevista, por si só, já diz muito e esclarece muita coisa.
O leitor, ou leitora, pode seguir direto para a leitura deste texto, ou pode ir direto para o site do Fantástico e assistir a entrevista, por lá. Ou pode também fazer as duas coisas. Fica a seu critério à escolha.
***

Em entrevista exclusiva, Sérgio Moro fala sobre a decisão de aceitar o cargo de futuro Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro.

  Moro:"Não assumiria papel de ministro da Justiça com risco de comprometer minha biografia"

A apresentadora do Fantástico, Poliana Abritta, foi a Curitiba para uma entrevista com o juiz Sérgio Moro, que está de mudança pra Brasília a partir de janeiro. Ele assume o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sob elogios e críticas, o juiz Sérgio Moro aceitou o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Poliana Abritta: O que foi decisivo, juiz, pra esse sim?
Sérgio Moro: O grande motivador dessa aceitação do convite foi a oportunidade de ir a Brasília numa posição de poder elevada de ministro da Justiça e poder implementar com essa posição uma agenda anticorrupção e uma agenda anticrime organizado que não se encontram ao alcance de um juiz de Curitiba, mas podem estar no alcance de um ministro em Brasília.
Poliana Abritta: O senhor conversou com familiares ou fez uma reflexão sozinho?
Sérgio Moro: Conversei com amigos, com pessoas experientes, conversei também com a minha família. Na verdade, dos amigos, os conselhos foram diferenciados. Alguns me recomendaram que não, outros me recomendaram que sim.
Poliana Abritta: Teve algum momento que o senhor pensou em dizer não?
Sérgio Moro: Sim, isso foi tudo muito novo. Uma semana antes do segundo turno, dia 23 de outubro, eu fui procurado pelo futuro ministro da Economia, o senhor Paulo Guedes, com uma sondagem. Confesso que eu vi essa sondagem e fiquei tentado. Aguardei o encerramento das eleições. E tudo foi decidido, na verdade, no dia 1º de novembro.
Nesse dia, o juiz foi visitar o presidente eleito Jair Bolsonaro na casa dele, no Rio de Janeiro. Saiu de lá como futuro ministro.
Sérgio Moro: O que eu percebia nas pessoas comuns era um certo entusiasmo, um desejo de que eu aceitasse esse convite. As pessoas me procuram, me cumprimentam. Pra mim, é um sinal de que há uma grande expectativa. E espero corresponder a essa expectativa.
Poliana Abritta: O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto disse que essa mudança rápida do senhor da Justiça pro Executivo, "comprometeria a separação e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário". O que senhor tem a dizer sobre isso?
Sérgio Moro: Tenho grande respeito pelo ex-ministro Ayres Britto. Eu acho que a avaliação dele, nesse caso, está equivocada. Existe essa fantasia de que o ex-presidente Lula, que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, teria sido excluído arbitrariamente das eleições por conta do processo criminal. Mas o fato que ele tá condenado e preso porque ele cometeu um crime.
Poliana Abritta: A defesa do ex-presidente Lula entrou com um novo pedido de habeas corpus pela liberdade dele e pela anulação da ação penal do caso do tríplex. E o principal argumento é de que houve "irremediável perda da imparcialidade". O senhor, em algum momento, temeu colocar em risco todo o trabalho feito até agora ao aceitar o convite pro ministério?
Sérgio Moro: Não. Veja, essa questão pertence hoje às cortes de Justiça, não mais a mim. Mas eu proferi a decisão em relação ao ex-presidente Lula em meados de 2017. Então, assim, eu nem conhecia o presidente eleito Jair Bolsonaro. Eu sopesei essas questões, também levei em conta. Mas, pelo que eu vejo nas pessoas comuns, que eu encontro por aí, ninguém tem essa sombra de desconfiança.
Na sexta-feira, depois desta entrevista, o Conselho Nacional de Justiça solicitou que Sérgio Moro preste informações por "suposta atividade político-partidária" ao aceitar o convite para ser ministro. O juiz terá 15 dias para se manifestar.
Sérgio Moro: Eu estou indo pra consolidar os avanços da Operação Lava-Jato em Brasília.
Poliana Abritta: O senhor acha que o momento que a gente vive hoje, politicamente, é resultado desses quatro anos da Lava-Jato?
Sérgio Moro: Em parte, nas eleições, havia um sentimento muito forte contra um sistema político que, apesar de todas essas revelações de casos de grande corrupção, praticamente nada fez. O atual senhor presidente eleito foi quem, talvez, quem melhor foi identificado pela população como alguém que modificaria esse status quo. Qualquer outro candidato que fosse identificado com essa causa anticorrupção teria boas chances. Sem prejuízo das outras bandeiras do candidato.
Poliana Abritta: O senhor deu uma coletiva esta semana em que enumerou uma série de medidas que pretende encaminhar ao Congresso ao longo do governo.
O juiz defendeu:
- que condenados por homicídio pelos tribunais do júri cumpram a pena imediatamente, sem esperar o julgamento de recursos.
- que seja proibida a progressão de pena e a saída temporária de presos que tenham vínculos com organizações criminosas.
- que crimes graves demorem mais a prescrever.
- que haja uma regulação mais clara para que policiais possam trabalhar disfarçados.
- que seja ampliado o banco de dados genético para esclarecer crimes com exames de DNA.
- que denunciantes anônimos sejam mais protegidos.
Poliana Abritta: Entre as propostas e bandeiras de campanha do presidente eleito está a flexibilização da posse e do porte de armas. O que seria isso na prática, essa flexibilização?
Sérgio Moro: As regras atuais são muito restritivas pro posse de arma em casa. "Posse" é a pessoa ter uma arma dentro de casa. Não ela sair por aí passeando com a arma. Aí é "porte", é diferente.
Poliana Abritta: Hoje a gente tem uma pessoa com 25 anos, que preencha uma série de requisitos, passe por uma série de testes psicotécnicos, antecedentes criminais, se ela comprovar a necessidade de ter uma arma, ela consegue ter uma arma. O que isso mudaria?
Sérgio Moro: Eu acho que isso não pode ser muito além de uma afirmação de que: "eu quero ter uma arma em casa. Eu tô preparado, eu não tenho antecedentes criminais, eu fiz os testes psicotécnicos, e assim eu quero ter uma arma, vamos assim, porque eu me sinto mais seguro".
Poliana Abritta: Vários estudos mostram que esse armamento não obrigatoriamente reflete numa diminuição da criminalidade.
Sérgio Moro: Eu acho que a questão não é exatamente a diminuição ou não da criminalidade. O senhor presidente foi eleito com base nessa proposição. E me parece que existe um compromisso com os seus eleitores.
Poliana Abritta: O senhor como juiz tem o direito a ter uma arma em casa...
Sérgio Moro: Sim.
Poliana Abritta: O senhor tem uma arma?
Sérgio Moro: Sim.
Poliana Abritta: Mas não anda armado?
Sérgio Moro: Bem, são questões relativas à segurança pessoal, mas prefiro não responder. Mas normalmente, não.
Poliana Abritta: Tem alguma coisa que tire o sono do senhor hoje?
Sérgio Moro: Hoje, olha, eu... exerço a profissão de magistrado na área criminal e não raramente me deparei casos muito difíceis. Isso sempre envolve uma situação de risco. Mas vão ser tomadas as providências necessárias pra assegurar a minha proteção policial durante esse período e das pessoas a mim próximas.
Poliana Abritta: A gente teve, no ano passado, 62 mil homicídios no Brasil. Qual a meta do senhor pra daqui quatro anos em relação a esse número?
Sérgio Moro: Eu não tenho condições de me comprometer com um percentual de redução específico. Porque, veja, isso não é matemática. O que é importante é iniciar um ciclo virtuoso.
Poliana Abritta: Essa semana, a gente teve no Rio de Janeiro uma operação no Complexo da Maré em que cinco pessoas foram mortas. Isso é uma coisa recorrente. Onde o poder público tá errando?
Sérgio Moro: O Estado tem que ter uma política mais rigorosa em relação a essas organizações criminosas. Isso segue três padrões: investigações sólidas, direcionada à organização e seus líderes; prisão dos líderes, isolamento dos líderes; confisco do produto da atividade criminal e do patrimônio da organização. É assim que se desmantela organização criminosa. O criminoso vai pra cadeia, o policial vai pra casa. O confronto tem que ser evitado ao máximo.
Poliana Abritta: Mas hoje, na situação que a gente tem, o confronto é quase que diário.
Sérgio Moro: Essa é uma situação que tem que ser evitada.
Poliana Abritta: Como reverter isso pra que esse confronto seja evitado?
Sérgio Moro: Não é uma coisa simples. Não vou dizer assim: "não vai acontecer isso depois de janeiro". Pode acontecer. Mas são situações indesejadas. Não pode se construir uma política criminal, mesmo de enfrentamento do crime organizado, baseado em confronto e tiroteio. O risco de danos colaterais é muito grande. Não só danos colaterais, mas o risco pro policial.
Poliana Abritta: O governador eleito do Rio, Wilson Witzel, prevê o abate de qualquer pessoa que esteja portando o fuzil. O senhor, como juiz, vê amparo legal nessa proposta?
Sérgio Moro: Não me parece razoável que o policial tenha que esperar o criminoso atirar nele com uma metralhadora ou com um fuzil antes que ele possa tomar qualquer providência. Eu tenho minhas dúvidas se isso já não é acobertado pela legislação. Mas nós vamos estudar se é necessário uma reformulação da lei nesse sentido. Eu não tenho condições de agora efetuar uma crítica apropriada porque eu não sei exatamente o que ele tá defendendo.
Poliana Abritta: Ele tá defendendo inclusive a compra de drones que possam ser usados se tiver um bandido numa comunidade no Rio com um fuzil na mão pra que se possa atirar. Ele disse que vai defender os policiais juridicamente pra que isso seja feito.
Sérgio Moro: Aí teria que sentar com ele, conversar pra entender o nível de concreção dessa proposta. Se tá numa situação de confronto policial, com risco ao policial, de ser alvejado num confronto, eventualmente.
Poliana Abritta: Não, a proposta dele vai além..
Sérgio Moro: Mas eu não sou assessor do governador...
Poliana Abritta: É só pra eu saber até que ponto...
Sérgio Moro: São declarações que ele deu em entrevistas e tal, isso tem que ser conversado com mais cautela e ponderação pra saber em concreto o que se pretende.
Poliana Abritta: Redução da maioridade penal. O senhor vê como única possibilidade a redução ou, por exemplo, um aumento da pena, que hoje é só de três anos?
Sérgio Moro: Bem, não existe uma posição fechada do governo em relação a isso, isso é uma questão a ser discutida. Existe uma necessidade de proteger o adolescente. É uma pessoa em formação. É inegável. Por isso se coloca a maioridade penal em 18 anos. Mas também eu acho que é razoável essa afirmação de que mesmo um adolescente entre 16 e 18 anos, ele já tenha compreensão de que é errado matar. Isso não resolve criminalidade, mas tem que se considerar a justiça individual. Pense numa família que um dos membros foi vítima de um homicídio praticado por um adolescente acima de 16 anos. As pessoas querem uma resposta do Estado institucional. E o sistema atual, que prevê sanções muito reduzidas pra crimes dessa natureza, de gravidade, é insatisfatório.
Poliana Abritta: O senhor disse na coletiva que todos terão os direitos garantidos pela lei. E o presidente eleito disse que ia colocar um ponto final, acabar com qualquer tipo de ativismo. Muita gente se sente ameaçada. Quais garantias o senhor pode dar para comunidade LGBT, negros, mulheres, de que os direitos não serão retirados, de que as pessoas não serão atacadas?
Sérgio Moro: Eu acompanhei todo o processo eleitoral e eu nunca vi, da parte do senhor presidente eleito, uma proposta de cunho discriminatório em relação a essas minorias. Eu não imagino de qualquer forma que essas minorias estejam ameaçadas. O fato de a pessoa ser heterossexual, homossexual, branco, negro, asiático... Isso é absolutamente indiferente. Nada vai mudar. Eu tenho grandes amigos que são homossexuais. Algumas das melhores pessoas que conheço são homossexuais. E não existe nenhuma perspectiva de nada que seja discriminatório a essas minorias. O governo tem que ter uma postura rigorosa quanto a crises em geral, mas também em relação a crimes de ódio. Eu não poderia ingressar em qualquer governo se houvesse alguma sombra de suspeita que haveria alguma política dessa espécie.
Outra questão de honra para o futuro ministro é o combate à corrupção.
Poliana Abritta: Se um ministro vier a se envolver a se envolver em alguma denúncia de corrupção, ele será afastado? O senhor defende o que, nesse caso?
Sérgio Moro: Se a denúncia for consistente, sim.
Poliana Abritta: Qual o critério jurídico pra gente definir uma denúncia como consistente?
Sérgio Moro: Tem que ser avaliado. Eu acho que é uma falácia, muitas vezes, que se ouviu no passado "ah, tem que esperar o trânsito em julgado".
Poliana Abritta: O que o senhor defende? Se virar réu?
Sérgio Moro: Não, eu defendo que, em caso de corrupção, se analise as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de justiça proferirem o julgamento.
Poliana Abritta: Esse juízo de valor seria dado por quem? O senhor como ministro da Justiça iria analisar e fazer esse juízo de valor pra aconselhar o presidente a demitir o ministro em questão?
Sérgio Moro: Provavelmente. Ou algum outro conselheiro. O que me foi assegurado e é uma condição... Não é bem uma condição, não fui lá estabelecer condições. Mas eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico. Isso foi objeto de discussão e afirmação do senhor presidente eleito, que ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do governo.
Esta semana, em entrevista coletiva, o juiz saiu em defesa do futuro chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, o deputado Ônyx Lorenzoni. Ele admitiu, no ano passado, ter recebido R$ 100 mil por caixa dois para campanha eleitoral. Lorenzoni afirma que já doou metade para entidades filantrópicas e que, em breve, doará a outra metade.
Sérgio Moro disse que o deputado já pediu desculpas e que atuou a favor da aprovação de medidas anticorrupção no Congresso.
Poliana Abritta: Em 2017, o senhor disse que políticos não têm interesse em combater a corrupção. Como o senhor pretende fazer essa negociação com políticos, que muitos, por muitas vezes, vão estar sendo investigados ou sendo réus em processos justamente de corrupção?
Sérgio Moro: Eu fiz essa afirmação num contexto muito respeitoso, apesar de todas as revelações desses crimes de corrupção, não via iniciativas significativas, com todo respeito, por parte do nosso Congresso Nacional. Agora existe um outro contexto. Em todo início de governo existe um frescor, uma abertura de diálogo ao Congresso. Vamos tentar negociar dentro daquele espírito republicano de fazer o que é melhor pro país do que fazer o que é melhor pras pessoas.
Poliana Abritta: Negociar. Nasce um político aí dentro?
Sérgio Moro: Alguns me criticaram por assumir esse cargo afirmando que eu havia traído um compromisso que eu afirmei no passado numa entrevista ao Estado de São Paulo, que jamais entraria pra política. Eu posso tá sendo ingênuo, mas eu estou sendo absolutamente sincero quando afirmo que, na minha visão, tô assumindo um cargo pra exercer uma função predominantemente técnica. Eu não me vejo num palanque, eu, candidato a qualquer espécie de cargo em eleições, isso não é a minha natureza.
Poliana Abritta: Há quatro anos, se alguém dissesse "ah, o senhor vai ser ministro da Justiça daqui a quatro anos", o senhor concordaria com isso?
Sérgio Moro: Não, de forma nenhuma. A Operação Lava-Jato começou pequena, ninguém tinha ideia da dimensão que aquilo ia tomar. No fundo, foi meio um efeito bola de neve. Jamais poderia cogitar que haveria essa possibilidade de assumir essa posição.
Poliana Abritta: Então o senhor há de concordar comigo que o senhor não pode dizer que daqui a quatro anos não será, por exemplo, candidato à Presidência da República.

Sérgio Moro: Não, eu estou te falando que não vou ser. Eu não sou um político que... minto. Desculpe. Com todo respeito aos políticos. Mas há sim, bons e maus políticos. Mas existem maus políticos que, às vezes, faltam com a verdade. Eu não tô faltando com a verdade.
Poliana Abritta: Mas o senhor então é um político do tipo que não mente?
Sérgio Moro: Não, eu sou uma pessoa que, na minha perspectiva, eu tô indo assumir um cargo predominantemente técnico...
Poliana Abritta: Não, é porque o senhor que falou "eu não sou um político que minto".
Sérgio Moro: Não sou nenhum político e não minto. Eu acho que a profissão da política é uma das mais nobres que existe. Você receber a confiança da população, do voto. Às vezes, essa confiança é traída. Mas é uma das mais belas profissões. Não tem qualquer demérito nisso. É uma questão mesmo de natureza e perfil.
Poliana Abritta: O senhor, mais de uma vez, falou que vai estar subordinado à palavra final, que é do presidente eleito Jair Bolsonaro. E se chegar numa hora em que vocês divergirem em absoluto?
Sérgio Moro: Depende sobre o quê. Quem foi eleito foi o senhor presidente. E, eventualmente, se acontecer uma situação dessas, ele pode desejar me substituir por alguém que possa cumprir uma política que eventualmente eu discorde em absoluto. Eu vou assumir esse cargo em janeiro, não com a perspectiva de ser demitido, mas com a perspectiva de realizar um bom trabalho e ter uma convergência com o presidente eleito. Mas, se tudo der errado, eu deixo o cargo ministerial e certamente vou ter que procurar me reinventar no setor privado, de alguma forma.
Poliana Abritta: E o Supremo?
Sérgio Moro: Às vezes é até um pouco indelicado ficar falando em vaga, em Supremo, quando não existem vagas. É uma perspectiva, uma possibilidade que se coloca no futuro. Quando surgir uma vaga, meu nome pode ser cogitado, como o nome de várias pessoas.
Poliana Abritta: A gente está conversando aqui dentro do seu gabinete de Justiça, mas oficialmente o senhor está de férias. E tem recebido críticas, porque já está trabalhando, atuando como futuro ministro. Há quem veja nisso, nessa situação, que ela fere o princípio da legalidade e da moralidade. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Sérgio Moro: Olha, eu já anunciei publicamente que vou pedir a exoneração. O que a Constituição proíbe é que um juiz assuma uma posição, um cargo Executivo. Eu não tô assumindo nenhum cargo. Eu estou apenas colaborando pra formação de um futuro governo.
Poliana Abritta: Mas, na prática, o senhor já não está trabalhando como futuro ministro?
Sérgio Moro: Não tô praticando nenhum ato oficial. E eu tenho recebido, por conta dessas políticas que nós queremos implementar em Brasília, diversas ameaças. Vamos supor que, daqui a alguns dias, eu peça uma exoneração. Daqui a alguns dias acontece alguma coisa comigo, um atentado. Eu, tudo bem, morro, faz parte da profissão. Não gostaria, evidentemente. Mas minha família fica desamparada. Fica sem qualquer pensão. O que eu espero é passar esse período de férias. Ao meu ver, não tô fazendo nada de errado. E em seguida, eu assumo.
Poliana Abritta: Está de malas prontas pra Brasília?
Sérgio Moro: É um período, literalmente, de transição. Então você fica lá, você fica aqui. Tem que planejar bastante. Já ir definindo as pessoas e políticas a serem adotadas. Então esse vai ser um período de intenso deslocamento.
Poliana Abritta: O senhor tem aqui, nesse gabinete, onde o senhor passou os últimos quatro anos trabalhando na Operação Lava-Jato, livros, presentes. Vai levar tudo isso pra Brasília?
Sérgio Moro: Boa pergunta, ainda estou decidindo. Mas vai ser de fato um problema. E certamente vou sentir muitas saudades desse ambiente aqui.


Copyright © 2009 Cottidianos All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates