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Tragédia em São Sebastião

Posted by Cottidianos on 00:36

 Quinta-feira, 23 de fevereiro


O carnaval passou. Blocos de rua superlotados depois de dois anos sem o povo poder explodir de alegria por causa da pandemia do coronavírus. Porém, graças aos deuses da medicina, veio uma vacina em tempo recorde, e o vírus perdeu força, apesar de não ter ido embora de vez.

Na Marques de Sapucaí, coração do carnaval no Rio de Janeiro, e símbolo do carnaval do mundo inteiro as escolas desfilaram com muito samba no pé, luxo, e elegância nas fantasias e nos carros alegóricos.

Na Bahia, e no Recife, outros points do carnaval brasileiros, também as multidões que gostam de carnaval acorreram as ruas e extravasaram a alegria contida, fazendo, igualmente, belas festas de carnaval.

Porém, nem só de alegria viveu o carnaval no Brasil. O samba deste ano teve uma nota triste que foi a tragédia que aconteceu em São Sebastião, litoral de São Paulo. A bela São Sebastião é um dos destinos mais procurados por turistas no litoral paulista, cheia de praias entrecortadas por enseadas e morros, e onde os turistas também tem a opção de caminhar por trilhas repletas de cachoeiras.

Entretanto, se você chegar hoje àquele ambiente paradisíaco e não souber o que aconteceu, vai pensar que o lugar foi palco de uma guerra. Casas alagadas, ruas cheias de lama, encostas desabadas, escassez de água e comida, os trechos não bloqueados da Rio-Santos cheios carros deixando a cidade.

Uma chuva intensa caiu sobre São Sebastião neste fim de semana. A região registrou um índice pluviométrico recorde na história do país, deixou, mais de 50 mortos, e ainda há muitas pessoas desaparecidas. Muitos turistas estavam a região para aproveitar o feriadão de carnaval.

No sábado ainda curtimos um pouco a praia, o mar estava bem agitado. A chuva começou por volta de umas 20h, só foi parar no outro dia de manhã. Fomos dormir, mas foi só uma horinha. Começou a subir muito rápido. A gente levantou e começou a erguer tudo o que dava para erguer, colocar crianças e cachorro pro alto”, diz ao portal G1, por telefone, Mariete Paula dos Santos Silva, turista da cidade de Hortolândia, que passava o feriado na casa de amigos.

Mariete disse ao G1 que teve sorte pois casa em que ficou hospedada havia caixa d’água, assim, puderam ficar mais tempo com água em casa. O grupo conseguiu deixar a cidade na terça-feira, 21, em comboio. O grupo no qual ela estava chegou ao litoral na sexta-feira, 17. Ainda conseguiram aproveitar a praia no sábado durante o dia. No sábado à noite começou o temporal que devastou a região.

A chuva também provocou grandes estragos na rodovia Rio-Santos. Encostas caíram e a rodovia chegou a ficar completamente interditada após a tragédia. “Alguns pontos a gente não sabe o que sobrou da rodovia, porque é um volume de terra tão grande que se deslocou, numa extensão tão grande, que a gente até levanta hipótese da rodovia ter sido arrastada junto, da rodovia não existir mais”, disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, na segunda-feira, 20, durante entrevista coletiva à imprensa. Na terça-feira, 21, a rodovia começou a ser liberada no trecho entre São Sebastião e Ubatuba.

E assim, de tragédia em tragédia, vamos vivendo a cada início de ano, no período das chuvas, e com a alteração das condições climáticas, não apenas no Brasil, em todo o mundo, a cada ano vemos essas tragédias se intensificarem.

O poder público, e com isso quero dizer, o a prefeitura, o governo do estado, e a presidência da República, tem vindo em socorro das vítimas da tragédia com recursos financeiros, recursos materiais tem chegado através de doações de todas as partes do Brasil.

Mas é preciso prevenir que estas coisas aconteçam, senão no próximo ano, ou daqui a dois, três anos estaremos chorando mais mortes de moradores de áreas de risco, e assistindo outras tragédias iguais ou piores.

Por exemplo, os moradores não foram avisados de que o pior estava por vir. Não havia sirenes para tocar, para avisar. Pois não adianta a Defesa Civil dizer que enviou mensagens por WhatsApp, pois isso é muito pouco. Pois, no caso de tragédias como a de São Sebastião, que chegam à noite ou de madrugada, se uma sirene de alerta toca, essas pessoas tem uma chance de tomar uma decisão.

E não adianta apenas dar aviso por sirene às pessoas. É preciso também dar uma rota de fuga para essas pessoas, dizer exatamente para onde elas têm que ir nessas horas de horror.

O governo de São Paulo, tem agido para minimizar o sofrimento das vítimas da tragédia, mas porque os órgãos estatais não atuaram, se não para impedir, mas no sentido de que ela não tivesse feito tantas vítimas.

Por exemplo, o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e alertas de Desastres Naturais, informou que a prefeitura de São Sebastião, e o governo do estado de São Paulo foram informados dois antes que havia previsão de chuvas intensas na região e que poderia ocorrer desastres.

Nós conseguimos fazer a previsão com 48 horas de antecedência, inclusive, dando a localização do desastre”, disse Oswaldo Moraes, diretor do Cemaden.

O comunicado citava como região mais crítica a Vila do Sahy, localizada no bairro Barra do Sahy, um dos locais mais atingidos pela tragédia, onde morreram mais de 30 pessoas. Entretanto, os moradores da região dizem que não foram avisados pela Defesa Civil do risco que corriam, nem foi pedido a nenhum deles que deixassem suas casas.

O jornal Folha de São Paulo, em reportagem desta terça-feira, 22, ao falar da tragédia recente do litoral norte paulista, relembrou outra tragédia ocorrida em Caraguatatuba, cidade vizinha a São Sebastião. O fato aconteceu em 1967.  Choveu vários dias seguidos o que fez com que o solo ficasse por demais encharcado, por consequência, as encostas desabaram, soterrando casas, e deixando cerca de 500 pessoas mortas. A cidade ficou isolada, sem água e sem energia elétrica.

Naquela época, a cidade tinha 15 mil habitantes e hoje já são 125 mil. Mesmo aquele tendo sido uma tragédia que vitimou centenas de pessoas, o volume de chuvas foi de 580 mm em apenas dois dias. Desta vez foram 640 mm de chuvas em apenas 24 horas.

Em meio a tragédia, é louvável o trabalho das equipes de resgate e de voluntários que se desdobram em esforços para salvar vidas, resgatar corpos, e aliviar o sofrimento de que foi atingido pela tragédia. Mas é triste quando sabemos de exemplos de desumanidade.

Por exemplo, comerciantes da região estavam vendendo água a R$ 93, o litro, numa clara exploração do sofrimento e da dor alheia. Na terça-feira, 21, o repórter do programa Bom Dia SP, Wallace Lara, fazia uma reportagem sobre a tragédia, e ao comentar o assunto, muito emocionado, ele chorou enquanto fazia a reportagem: “Desculpa, gente, vou respirar aqui e vou falar. Tive ontem em uma comunidade aqui em Topolândia, em São Sebastião, onde tem pelo menos cem pessoas tirando lama de dentro das casas. É uma situação muito difícil de se ver e acompanhar. As cidades não têm estrutura. É difícil ouvir o depoimento que a gente ouviu agora e não se emocionar. Cobrar R$ 93 em um litro de água na situação que nós estamos aqui é inacreditável”, disse ele com voz embargada.

Outro fato revoltante foi a agressão sofrida por repórteres do Estadão enquanto gravavam reportagem em um condomínio de luxo durante a cobertura das chuvas que caíram em São Sebastião.

A jornalista Renata Cafardo, e o fotografo Thiago Queiroz, ambos do Estadão, estavam no condomínio de luxo Vila de Anomam, na praia de Maresias, para mostrar como a tragédia havia atingido também pessoas de alto padrão de vida. Eles estavam na Rio-Santos indo para a Vila do Sahy, quando viram o condomínio inundado e resolveram parar e fazer uma matéria sobre o assunto.

Tiveram autorização de um funcionário do condomínio para entrar, porém, mesmo assim, cinco homens e uma mulher, se aproximaram deles desferindo ofensas, e chamando-os de comunistas e esquerdistas. Um dos homens obrigou o fotografo a apagar as imagens que havia feito. Outro homem, quando percebeu que a jornalista estava filmando a cena, tentou tomar o celular dela e a jogou na lama.

Segundo Renata, os ataques só pararam quando outros moradores do condomínio que passavam pela via, afastaram os agressores.

Foi uma agressão bem ao estilo bolsonarista. Os repórteres estavam lá, fazendo o trabalho deles, registrando cenas da tragédia e, de repente, como se se abrisse um túnel do tempo, surgem uns brutamontes dos tempos das cavernas, e, do nada, começam a agredir e xingar quem apenas fazia seu trabalho. Lembremos que os ataques á imprensa eram estimulados em seus seguidores pelo ex-presidente, Jair Bolsonaro, ele mesmo, diversas vezes, xingou profissionais de imprensa.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que o caso será investigado. “Estou enviando à apreciação do Observatório da Violência contra Jornalistas, órgão do Ministério da Justiça, para acompanhamento das providências legais visando à proteção da liberdade de imprensa. O Secretário Nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, coordenará os trabalhos”, disse o ministro em suas redes sociais.

E o fato se deu num condomínio de luxo. São pessoas que tem um bom padrão de vida, mas que não tem um bom padrão de educação. Devem ser desse tipo de gente que, por opção, decidem atacar a imprensa séria e dar às mãos às fake news que circulam pela Internet. Pobres ricos sem educação.


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Milagres em meio a dor

Posted by Cottidianos on 18:19

12 de fevereiro

O que fazer quando a terra treme a seus pés e você fica sem chão. No campo das emoções costumamos usar essa expressão para significar uma coisa diante da qual ficamos sem reação, sem saber o que fazer.

Mas o que fazer quando a terra não apenas treme, mas também se enfurece, no plano da realidade e as pessoas, não apenas ficam sem chão, mas também sem casa, e muitas vezes sem vida.

O mundo tem acompanhado com tristeza o terremoto que sacudiu a Turquia e a Síria. Na segunda-feira, 6, um terremoto de 7,8 de magnitude na Escala Richter, atingiu a Turquia, na fronteira com a Síria. Depois desse primeiro abalo sísmico, aconteceu ainda um segundo, de magnitude 7,6.  Entre um e outro ocorreram vários outros pequenos tremores de terra.

O terremoto provocou uma tragédia de proporções gigantescas.  Os números de mortos nos dois países já passam de 19 mil. Övgün Ahmet Ercan, especialista em terremotos da Universidade Técnica de Istambul, estima que ainda haja 180 mil pessoas soterradas entre os escombros. O cálculo de Ercan foi feito com base em edifícios destruídos pelo tremor. O número de prédios que vieram a baixo com a força dos tremores é de cerca de 6 mil.

Apesar do número alto de mortes, a estimativa é de que esse número aumente ainda mais devido a temperaturas muito baixas, de menos de 5º graus, que afetam a região, dificultando o trabalho das esquipes de resgates e voluntários, e prejudicando a própria resistência do corpo dos que se encontram já debilitados debaixo dos escombros.

A resposta da tragédia por parte das autoridades tem sido muito questionada pela população. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan reconhece que há deficiências em relação a atuação do governo, mas também diz: “É impossível estar preparado para um desastre como este”. Ninguém está preparado para um desastre de tamanha magnitude, mas as autoridades que cada ação rápida ajuda a salvar muitas vidas.

Em muitos lugares as equipes de resgates não chegaram com a rapidez que exigia o momento, e até compreensível que isso acontecesse. Agora, imaginem o desespero daqueles qie tem parentes debaixo dos escombros, implorando por ajuda, e a pessoa sem ter o que fazer diante de tal situação. Os pedidos de ajuda dos que estavam debaixo da terra foram sumindo, sumindo, até que só o silêncio se fez ouvir debaixo dos escombros, e em cima deles apenas o som do choro de quem sabia que havia perdido alguém amado.

Vi numa reportagem na TV, um jornalista dizendo que ele estava recebendo dezenas de pedidos de socorro de quem estava em apuros, mas que se sentia impotente, pois nada podia fazer. São situações bastante tristes, bastante dolorosas.

Vários países já enviaram equipes de resgastes, medicamento, médicos, alimentos, e toda a ajuda que elas possam enviar. O Brasil também enviou ajuda humanitária para a Turquia. A missão é coordenada pelo ministério das Relações Exteriores, através da Agência Brasileira de Cooperação. A missão também envolve os ministérios da Saúde, ministério da Defesa, e ministério do Desenvolvimento Regional, e ministério da Justiça e Segurança Pública.   

Equipes de resgate e salvamento, assim como equipamentos emergenciais, serão transportados pela aeronave KC-30 da Força Aérea Brasileira (FAB). Ao todo, embarcam na operação de assistência humanitária 42 pessoas, inclusive 34 especialistas bombeiros de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, mais pessoal médico e de defesa civil.

Também serão enviadas seis toneladas de equipamentos para ajudar nas buscas e para sustentar as equipes durante os trabalhos e quatro cães farejadores para ajudar na localização das vítimas do abalo sísmico. O Ministério da Saúde doou três “kits calamidade” que contêm, cada um, 250 kg de medicamentos e itens emergenciais. Os kits têm capacidade para atender até 1.500 pessoas pelo período de um mês”, informa o site da Agência Brasileira de Cooperação (ABC).

Em todas as tragédias há os milagres. E as coisas que fazem a gente ficar pensando em que existem muitas coisas que estão além de nossa compreensão. Que nos trazem a sensação de que há algo mais. Há universo, um mundo invisível trabalhando.

Por exemplo, como explicar um bebê nascer sob os escombros, passar diversas horas soterrado e, ainda assim, sobreviver, levando-se em conta ainda as baixíssimas temperaturas que envolveram seu nascimento, dando ainda mais dramaticidade ao acontecimento? O caso foi o seguinte.

Khalil al Shami, 34 anos, revirava os escombros do prédio onde morava a família do irmão, Abdalá Mleihan, em Jindires, noroeste da Síria. Durante essa atividade, ele reconheceu as pernas da cunhada, Aafra. Tirou mais alguns escombros e encontrou a sobrinha recém-nascida, ainda ligada a mãe pelo cordão umbilical.

A previsão era de que Aafra desse a luz no dia seguinte, mas é provável que tenha entrado em estado de choque no momento do terremoto, e o nascimento da menina tenha se dado em consequência disso. Aafra estava morta. Shami pensou que a bebê também estivesse, porém, quando o cordão umbilical foi cortado, um choro forte ecoou pelo ar, e um sorriso de esperança iluminou o rosto de Shami. Imediatamente a menina foi levada para um hospital, onde as enfermeiras a colocaram numa incubadora e lhe deram vitaminas.

Ela chegou com os membros dormentes por causa do frio, sua pressão arterial estava baixa. Prestamos os primeiros socorros e a colocamos sob perfusão, porque ela ficou muito tempo sem ser alimentada”, disse o médico Hani Maaraf. O profissional da saúde disse ainda que a menina apresentava hematomas, mas que o quadro dela é estável, e que ela nascera pesando 3,175 gramas. Ainda segundo Hani Maaraf, a pequena guerreira síria nasceu, provavelmente, sete horas depois do terremoto.

No prédio de quatro andares, sob o qual nasceu numa condição impensável para que uma criança venha ao mundo, e que seria a morada da menina, foram encontrados os corpos do pai Abdlá Mleihan; da mãe, Aafra; das três irmãs; de um irmão, e de uma tia da recém-nascida. A menina foi a única sobrevivente da família que habitava aquele lar.

Outro caso que também chama a atenção é de um menino de dois anos, resgatado de debaixo dos escombros, nesta quinta-feira, 9. O menino morava em um prédio que desabou na cidade de Antakya, no sul da Turquia. O pequeno ficou soterrado por cerca de 79 horas.

Outra imagem comovente desta tragédia é a de uma menina de sete anos, imprensada entre uma pedra o chão, quase esmagada pela rocha enorme. Com um dos braços a menina protege a cabeça do irmão mais novo que ela. As crianças ficaram soterradas por cerca de 17 horas, e depois foram retiradas em segurança pelas equipes de resgate.

É impressionante a capacidade de certas pessoas resistirem a situações extremas. Certamente, nesses momentos se faz presente uma força espiritual poderosa, fornecendo-lhe o necessário para que sobreviva.

Certamente, milagres como esses devem estar acontecendo em vários recantos da Síria e da Turquia, apenas não chegam a grande mídia.

Este blog se alinha com o povo da Síria e da Turquia, neste momento de dor e sofrimento, e pede a Deus que socorra os que sofrem e guie as equipes de socorro até àqueles que ainda estão debaixo dos escombros.


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Glória Maria: O adeus a uma rainha do jornalismo

Posted by Cottidianos on 22:07

Quinta-feira, 02 de fevereiro

Mas se a tristeza tem dia

Tua força me guia meu caminho é o mar

E que lançem as pedras

Yemanjá faz areia pra não machucar

 (Prece de Pescador - Joviniano José Velloso Barretto /

Roque Augusto Ferreira)

Em busca de informação navego na Internet, leio artigos impressos, vejo jornais televisivos, e documentários, mas uma das minhas principais fontes de informação é o rádio. Ouço rádio na Internet, mas ouço no aparelho de rádio raiz, daqueles que você vai rodando o dial, até achar a estação preferida, e minha estação preferida é a CBN.

Foi assim, através das ondas radiofônicas, que fiquei sabendo de acontecimentos recentes como a vitória do presidente Lula em outubro passado, e da morte Gal Costa, e agora, da Glória Maria.

Hoje pela manhã, fazia tarefas cotidianas em casa. Ouvia um quadro dentro do Jornal da CBN chamado Hora de Expediente. O quadro é apresentado por Dan Stulbach, José Godoy e Luiz Gustavo Medina. O quadro havia acabado de começar quando Cassia Godoi, apresentadora do jornal, interrompeu, pois, uma repórter do Rio chamava. Logo pensei que era notícia importante, pois os apresentadores não costumam interromper um quadro do programa para dar notícia, a não ser que elas sejam de relevância.

E de fato a repórter trouxe a triste notícia. Depois chamaram a Maju Coutinho para comentar a notícia. Maju conseguiu falar um pouco, mas depois começou a chorar, pediu desculpas, e interrompeu o comentário.

Faz tempo que vejo a Glória na TV, mas, no momento, não lembro de nenhuma reportagem especial que ela tenha feito. O que me vem a memória mesmo é o jeito dela fazer jornalismo.

Ela fazia da notícia uma experiência e mergulhava profundamente nessa experiência. Fazer notícia para ela não era uma coisa fria, nem morna, também não era quente demais, era na justa medida para dar a reportagem um tempero especial, um sabor diferente. Se o assunto da reportagem pedisse que ele atravessasse desertos, rios, e mares, de manhã, de tarde ou de noite, se pedisse que ela saltasse de paraquedas, ou um salto de asa delta, caminhar por desfiladeiros, lá estava ela, talvez, morrendo, de medo, mas firme e forte, se jogando de cabeça naquela reportagem.

“Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar para pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a racionalidade para ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa”, disse Glória, falando de seu próprio trabalho.

E era por isso que ela cativava o telespectador. Essa espontaneidade que ela esbanjava fartamente em suas matérias fazia que quem estava em casa se identificasse e se reconhecesse dentro daquela matéria, pois Glória reagia aos acontecimentos e as emoções que o momento exigia como o telespectador também agiria diante da mesma situação.

Há pessoas que estão à frente de seu tempo, e Glória era uma dessas pessoas. Nas religiões de matrizes afro-brasileiras existe um orixá chamada Iansã, que ocupa o trono feminino da lei. Quando levanta sua espada não há guerra que Iansã não vença, e quando falo de vencer, não é apenas os inimigos externos, mas as nossas lutas interiores, a injustiças que se nos apresentam e as pedras que aparecem em nosso caminho.

Glória Maria esse arquétipo de mulher guerreira, batalhadora, lutadora, que gostava de inovar, e que não tinha medo do novo, do desconhecido. Uma Iansã que pegou carona num raio e foi embora no dia de Iemanjá.

O sol não nasce no meio do céu, ele vai se levantando devagarinho, devagarinho, um raio, depois o outro, e logo está brilhando com todo o seu esplendor, dominando o céu. Assim foi Glória. Chegou na TV Globo e foi começando bem debaixo, fazendo a apuração da notícia, naquele tempo em que Internet nem sonhava em existir, e muito menos ser tão rápida como a conhecemos hoje.

A jovem profissional foi ali fazendo apuração dos fatos, usando as páginas das listas telefônicas, buscando fontes, enfim, envolvida e apaixonada pela notícia, e como o sol se levanta no céu, foi se levantando também o seu talento, e força da sua personalidade.

Glória Maria estava na TV Globo desde 1970 e quem a levou para lá foi uma amiga. O primeiro trabalho dela na redação foi o de rádio escuta. A função do rádio escuta era ficar ouvindo as frequências do rádio da polícia ou dos bombeiros para se informar do que estava acontecendo pela cidade, e filtrar as ocorrências que poderiam virar notícia.

De repente sala de redação era invadida pelos gritos do rádio escuta dizendo que um prédio estava pegando fogo, que em tal rodovia acabara de acontecer um acidente, ou que em tal bairro havia um tiroteio. Coisa impensável nos dias de hoje.

A primeira reportagem em um telejornal da emissora foi em 1971, e o assunto era a queda do viaduto Paulo Frontim, no Rio de Janeiro. Naquela época os repórteres não apareciam no vídeo, era uma praxe do jornalismo. Os câmeras se posicionavam de forma que aparecia só a mão do jornalista segurando o microfone.

Uma pioneira em vários aspectos, ela foi a primeira repórter a entrar ao vivo e uma transmissão em cores no Jornal Nacional, ícone de audiência da TV brasileira. Na ocasião Glória falou do movimento de saída de automóveis do Rio de Janeiro durante um fim de semana. Em 2007, em outro momento pioneiro, ela fez a primeira transmissão em alta definição em uma reportagem para o Fantástico, falando da festa do pequi, uma fruta amarela dourada, no Alto Xingú.

E assim era Glória; primeira mulher negra a conseguir destaque no telejornalismo brasileiro, primeira mulher a fazer cobertura de uma guerra. Enfim, Glória deixa um legado imenso para o jornalismo brasileiro. Foi e será fonte de inspiração não para as mulheres negra, mas para todas as mulheres, jornalistas ou não, que decidem que nasceram para brilhar e brilham. E não só para as mulheres, mas para todos os homens que amam a notícia e que fazem dela sua paixão.

Na TV Globo, Glória Maria foi ancora do RJ TV, do Bom Dia Rio, e do Jornal Hoje. Durante o período de 1998 e 2007, ela apresentou o Fantástico. Além de diversas reportagens especiais que fez, e das reportagens que fez nos telejornais da emissora.

Michael Jackson, Mick Jagger, Madonna, Elton John, Freddie Mercury, Julio Iglesias, Roberto Carlos, Leonado DiCaprio, Harrison Ford e Nicole Kidman, foram apenas alguns dos seus entrevistados.

Falei logo no início que a Maju Coutinho havia chorado durante uma entrevista ao Jornal da CBN, mas não só ela, o repórter Heraldo Pereira chorou ao falar dela no Bom Brasil, e o apresentador Pedro Bial também chorou ao falar dela durante o programa Encontro.

Choram os amigos que tiveram o privilégio de conviver e trabalhar junto com Glória Maria, e chora também o jornalismo brasileiro que perdeu uma estrela de primeira grandeza.

Em 2019, Glória descobriu que tinha um tumor no cérebro, e desde então vinha fazendo tratamento contra a doença. Hoje, apesar de toda a luta foi vencida pelo tumor. Também os guerreiros e guerreiras são vencidos pelas doenças. Faz parte da jornada da vida.

“É com muita tristeza que anunciamos a morte de nossa colega, a jornalista Glória Maria’, informou a TV Globo em nota. A jornalista morreu esta manhã no Rio de Janeiro. Seu legado para o jornalismo será eterno.

Enfim, vida que segue, de formas diferentes, para Glória Maria e para nós. Penso que Iemanjá viu sofrimento e a levou para um lugar de paz, junto do grande Pai de todos nós.

Descanse em paz, guerreira! Sentiremos usa falta.


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O calvário dos Yanomamis

Posted by Cottidianos on 00:57

Quarta-feira, 01 de fevereiro de 2023



Era um dia qualquer do longínquo ano de 1500. Grandes e pequenos navios portugueses chegavam a terras paradisíacas que, posteriormente, receberiam o nome de Brasil, por causa da abundância de uma árvore avermelhada que se espalhava por incontáveis quilômetros do território.

Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos por chegarem primeiro.

...

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas.

Essa foi a primeira impressão, a primeira visão que os navegantes portugueses tiveram dos habitantes da terra a qual acabavam de chegar, assim o narra, Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra que chegava. A carta de Caminha é considerada o primeiro documento oficial, o primeiro relato sobre o Brasil daqueles tempos.

O primeiro contato já deu sinais de como seria essa relação. Os índios maravilhavam-se com as bugigangas que os portugueses traziam. Posteriormente, os portugueses trocaram quinquilharias tais como; espelhos, facões, perfumes, e outros itens de baixo valor pelo precioso pau-brasil. Em resumo, os índios, por sua inocência, foram enganados pelos portugueses.

Esse convívio entre portugueses e indígenas pode até ter sido harmônico no início, mas, depois tornou-se tumultuado, por um motivo determinante. Para os portugueses, aquele paraíso representava lucro, dinheiro. Para os indígenas, aqueles rios e matas representavam sua casa, seu santuário, sua morada terrena e sua conexão com o divino. Interesses tão conflitantes não poderiam conviver de forma harmônica.

A chegada daquelas primeiras naus portuguesas representava o início da saga dos portugueses e o fim da nação indígena, dizimada pelas doenças que os estrangeiros trouxeram da corte.

É incrível que, tendo passado tanto tempo, a lógica tenha permanecido a mesma.

O Brasil e o mundo têm acompanhado com horror o que acontece com o povo Yanomami e suas terras. Terras abençoadas que os habitantes dela souberam e sabem cuidar delas como ninguém. Por cima da terra vista se perde em milhões de hectares de floresta, verdadeiros tapetes verdes, debaixo de um céu azul anil de fazer inveja à tela de grandes gênios da pintura. Adentro por elas, rio de água limpa e pura cortam as matas como as veias se dividem no corpo humano, irrigando-o com o sangue.

Se por cima da terra a terra Yanomami se cobre dessa beleza imensa, por debaixo da terra ela guarda tesouros incalculáveis em ouro, prata, e outros minerais preciosos. E foi essa beleza escondida no seio da terra que atraiu os inimigos: os madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaram destruindo as matas e poluindo os rios, e tudo isso, sob as bênçãos do governo Jair Bolsonaro, do seu ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, da ministra da Mulher, Família, e Direitos Humanos.

É verdade que esses problemas na região não começaram agora, vem de tempos atrás, mas se agravaram muito de 4 anos para cá, a ponto que digo a vocês: Mais quatro anos de governo de Jair Bolsonaro e aquele povo desapareceria por completo.

São estarrecedoras as imagens que tem rodado o mundo de indígenas com aspecto cadavérico, feito pele e osso, em consequência da fome terrível que enfrentam. Confesso, que já ouvi muitas vezes a expressão “morrer de fome”, mas para mim era uma expressão idiomática. Porém, a vejo manifesta agora na pele dos Yanomamis. E isso é assustador.

Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero produziram uma reportagem especial sobre a tragédia para o Fantástico que foi ao ar neste domingo, 29. Recomendo a você que ainda não assistiu, que tire um tempo para assistir, pois nos dá uma dimensão bem mais ampla da situação que vai além das fotos e reportagens que já foram divulgadas pela imprensa.

Os repórteres acompanharam de perto a distribuição de alimentos. A reportagem também mostra o resgate de indígenas. É como se estivéssemos assistindo a uma operação de guerra. E, de fato, é uma guerra. Uma guerra conta a fome a desnutrição. É o salvamento de um povo que, de outro modo, estava fadado a desaparecer.

A reportagem começa, de fato, com o depoimento de Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena. “A gente vivia, a gente tinha vida, a gente tinha trabalho, pescava, a gente não tem (isso) hoje, o povo Yanomami tá doente. É uma situação muito grave”, diz ele.

A equipe do Fantástico entrou na TI Yanomami, junto Junior Yanomami e Weibe Tapeba, novo secretário da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Os dois foram ajuda a organizar o programa de socorro aos Yanomamis.

A repórter Sonia Bridi é uma profissional bastante conceituada no meio jornalístico, já cobriu diversas tragédias naturais e humanas, entretanto, vejam o que ela declara em programa da Globo News: “Foi sistemática a ação do governo Bolsonaro de punir todas as pessoas que estavam tentando fazer cumprir a lei. Eu já vi refugiados, eu já vi gente em conflito em vários países, e a gente sabe que essas imagens de fome extrema, de fragilidade extrema, de abandono extremo, elas são muito fortes, são muito tristes, são muito pesadas. Eu nunca imaginei que eu fosse ver isso dentro do meu país, em período de paz. É impossível não estar doente quando você não tem água limpa para beber, você tem contaminação, não tem acesso a principal fonte de proteína que é peixe né? Peixe, camarãozinho que eles pegam nos rios, pegavam nos rios. E os garimpeiros chegam inclusive a comer comida da roça dos indígenas. Não é só uma tragédia, é uma vergonha nacional. É difícil de mensurar. Os rios, quando passam pelo garimpo, eles viram rios zumbis, morto e andando, e correndo por dezenas de quilômetros. Centenas de quilômetros, às vezes. Então a recuperação ambiental é um desafio imenso. O presidente Bolsonaro falava em regulamentar o garimpo, uma atividade artesanal. Como é que pode ser uma atividade artesanal o que exige milhões de reais em investimentos? Que destrói de maneira industrial, destrói centenas de rios? Eles estão cercados, eles estão sufocados. Quando você tá lá e você vê de perto parece um projeto de extinção mesmo. Um projeto para varrer os Yanomamis do território”.

E Sonia Bridi esteve lá, viu de pertinho a tragédia. No final da fala ela diz: “Parece um projeto de extinção”. Porém, se formos colocar na balança, e ver as ações, os gestos, as falas do ex-presidente Bolsonaro, e de membros de eu governo, a gente não diz “parece”, a gente diz “é”.

Por tudo isso o Supremo Tribunal Federal terminou que autoridades do governo Bolsonaro sejam investigadas por diversos crimes, dentre eles, o de genocídio. Diante disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público Militar (MPM), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima, vão apurar se houve o cometimento dos seguintes crimes;

- Crimes ambientais relacionados à vida, à saúde, e à segurança de comunidades indígenas, Lei nº 9.605/1998

- Desobediência, art. 330 do Código Penal

- Quebra de segredo de Justiça, art. 10 da lei nº 6.206/1996.

O conjunto de quatro decisões é do ministro Luís Roberto Barroso que é autor de processos referentes a terras indígenas no STF. “Documentos sugerem um quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais do governo Bolsonaro”, diz Barroso na decisão.

Nas decisões o ministro determina ainda um crédito extraordinário para que as decisões sejam cumpridas, que seja dado um prazo de 30 dias para que a União apresente um diagnóstico da situação das comunidades indígenas e planejamento de ações pendentes na região.

                                                        Bolsonaro em visita a garimpo ilegal em Roraima
                                                      

Uma dessa intervenções que a PF faria, sigilosamente, em terra indígena, foi publicada no Diário Oficial, a pedido do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Torres pediu que fossem publicados inclusive, data e local da operação que se pretendia sigilosa. Condutas semelhantes foram seguidas pelo Cofis (Coordenação de Operações de Fiscalização), e pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Estes órgãos também repassaram dados sigilosos, por e-mail, aos servidores que neles atuavam.

Na decisão, Barroso também menciona uma possível alteração da Operação Jacareacanga, cujo objetivo era interromper o garimpo nas TIs, possibilitando que os garimpeiros fossem alertados da operação.

Outros pontos citados na decisão de Barroso são:

- retirada irregular (e aparentemente não explicada) de 29 (vinte e nove) aeronaves ligadas ao garimpo ilegal e apreendidas pela Policia Federal de seu local de depósito, posteriormente avistadas em operação, a despeito da existência de ordem judicial de destruição dos bens apreendidos;

- aparente não controle do tráfego aéreo de Roraima ou de interceptação de aeronave irregular, colocando em risco aeronave comercial de passageiros, com a qual quase se chocou;

- aparente não execução ou simulação de execução do Plano Sete Terras Indígenas, homologado pelo Juízo e destinado à desintrusão dos invasores, com a prestação de informações ‘inverossímeis’, conforme análise do grupo de apoio de peritos do Ministério Púbico Federal;

- outras ações e omissões voltadas a criar óbices burocráticos à adoção de medidas urgentes e ao cumprimento de decisões judiciais, favorecendo o descontrole da situação de segurança e do combate a ilícitos nas áreas afetadas.

Diante de crise tão grave o ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública no território Yanomami. Como Sonia Bridi, nós brasileiros, que temos humanidade, que sabemos ver a realidade tal qual ela é, e que não tivemos as mentes confiscadas pela indústria das fake news também estamos chocados por ver um genocídio acontecendo em nosso próprio país.

A gente ouvia muito falar de garimpo ilegal, mas não tínhamos a dimensão de quão cruel, quão bandida é a atividade, e quão prejudicial ela é para as populações indígenas. Precisou que tivéssemos que presenciar a tragédia Yanomami para termos a real dimensão dela.

 


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