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Lenha na Fogueira

Posted by Cottidianos on 21:05

Quarta-feira, 29 de junho

                                               Pedro Guimarães e Jair Bolsonaro                                                        

Dias atrás, houve uma especulação do nome da ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP-MS), para ser vice na chapa de Bolsonaro à presidência nas próximas eleições. Sites e jornais anunciavam que o nome dela ganhava força nessa empreitada. Aliados defendiam que seria uma forma de atrair o eleitorado feminino diante do qual Bolsonaro tem forte rejeição.

Eu, particularmente, tinha a certeza de que isso não iria acontecer. Bolsonaro ter uma mulher como vice na chapa dele, para mim, era coisa impensável, inimaginável. E pensava isso, não por achar as mulheres menos capazes que os homens. Muito pelo contrário, elas estão por aí, mundo afora, ocupando cargos públicos, e fazendo excelente trabalho.

O problema é que o presidente pensa exatamente isso: Que as mulheres são menos capazes. Digo isso, não por achismos, mas pelas reais atitudes e pensamentos do presidente expressas mais de uma vez, não apenas durante o seu mandato como presidente, mas também durante o tempo que atuava como deputado. E tanto faz se a mulher é apoiadora dele ou não.

O mais recente flagrante desrespeito para com as mulheres foi registrada em um vídeo que viralizou nas redes, e aconteceu durante um evento evangélico realizado em Balneário Camboriú (SC).

Bolsonaro avança em direção ao público de mãos dadas com Luciano Hang, dono da Havan. Junto com Bolsonaro também está a vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reihner (PL), e alguns apoiadores. Daniela faz gesto de querer ficar na linha de frente, junto com Hang e Bolsonaro, quando este, de forma ríspida, olha na direção dela e ordena: “Fica para trás, meu Deus do céu!” Diante disso, Daniela obedece, e dá um passo para trás.

Diante da repercussão do vídeo, ela disse que as coisas não foram bem assim, que o vídeo era tendencioso. Nas imagens fica claro o que aconteceu. Não resta dúvidas: A vice-governadora levou uma esnobada do presidente.

Por falar em presidente e suas ofensas contra as mulheres, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, acaba de ganhar, na Justiça, uma causa que moveu contra o presidente.

Era manhã de terça-feira, 18 de fevereiro de 2020, Bolsonaro dava entrevistas em frente ao Palácio do Planalto. Um repórter o questionou sobre o caso da Yacows, agência que realiza disparo de mensagens em massa pelo WhattsApp.

Na semana anterior, Hans River, funcionário dessa empresa, havia dado prestado depoimento à CPI das Fake News, no Congresso Nacional, no qual disse, sem apresentar provas, que a jornalista teria se insinuado sexualmente para ele em troca de uma reportagem sobre o uso de disparos em massa durante a campanha eleitoral.

A Folha, imediatamente, divulgou mensagens de textos e de áudio que descontruíram a mentira contada por Hans à CPI.

Apesar disso, Bolsonaro aderiu a versão contada pelo mentiroso Hans River a expressou durante a entrevista, e mais grave, também ele, Bolsonaro, ofendeu a jornalista: “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, fazendo também ele, insinuações de cunho sexual contra a jornalista. Antes disso, o presidente, Jair Bolsonaro, e seu filho, os deputados Eduardo Bolsonaro já haviam reproduzido em suas redes sociais, o comentário mentiroso de Hans sobre a jornalista.

Na época, o caso ganhou ampla repercussão, e entidades de imprensa, políticos, e outros setores da sociedade se pronunciaram duramente contra fala do presidente.

Patrícia Campos Mello levou o caso à Justiça de São Paulo. Em abril de 2020, Hans River do Rio Nascimento, foi condenado a indenizar a jornalista em 50 mil reais por danos morais. Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro também foram condenados a indenizá-la.

Bolsonaro recorreu da decisão. O resultado do recurso saiu nesta quarta-feira, 29. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por 4 votos a 1, não apenas manteve a condenação, como também elevou de R$ 20 mil para R$ 35 mil o valor da indenização pelo crime de ofensa à honra.

No Twitter, Patrícia escreveu: “Ganhamos!!!! Por 4x1, o TJ de SP decidiu que não é aceitável um presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista. Uma vitória de todas nós mulheres”.

O presidente ainda pode recorrer da decisão.

Ainda falando de mulheres e do desrespeito a elas, o Brasil acordou hoje sobressaltado e indignado com o caso de assédio sexual contra funcionárias da Caixa Econômica Federal, praticado pelo presidente da instituição, Pedro Guimarães.

Na tarde desta terça-feira, 28, o site Metrópoles trouxe relatos de cinco funcionárias da Caixa Econômica Federal que acusam Pedro Guimarães, presidente da Caixa, de as ter assediado sexualmente.

O relato das cinco funcionárias são bem semelhantes. Uma das funcionárias diz que era comum o presidente da Caixa chamar grupos de funcionários para jantar com ele. E, durante esses jantares, ocorriam os constrangimentos. Ela conta que, numa dessas ocasiões, durante uma viagem de trabalho, ele a fez ir ao quarto dele, altas horas da noite, pedindo que ela levasse até ele um carregador de celular. Quando chegou ao quarto encontrou ele apenas de cueca samba canção. Ela diz que se sentiu humilhada, e desrespeitada como mulher.

As funcionárias contam ainda que era comum ele tocar as funcionárias nas partes íntimas, e que esses assédios ocorriam em viagens de trabalho, e até na frente de outras pessoas.

As mulheres falam que até tentaram denunciar o assédio através dos canais de denuncia disponibilizados pela Caixa, mas que essas denúncias eram encobertas. Além disso, elas dizem também que outras mulheres que tentaram denunciar, sofreram retaliações. A outras ainda, eram oferecidas promoções, e até cursos no exterior.

O Ministério Público do Trabalho está investigando o caso. Até agora, foram ouvidas cinco depoimentos e três testemunhas.

Pedro Guimarães é um nome muito próximo do presidente, Jair Bolsonaro. Está com ele desde o início do governo, e aparecia com frequência nas lives que o presidente faz às quintas-feiras.

Hoje, no final da tarde, a situação de Pedro Guimarães se tornou altamente insustentável, e ele pediu demissão do cargo. Através de carta dirigida ao presidente Jair Bolsonaro, ele mais fala do trabalho que fez à frente da Caixa Econômica, mais que das denúncias. Em relação a estas, ele diz que são inverídicas e que a inocência dele será provada no tempo devido. Ele só esquece que não é um relato grave, são cinco denunciantes e, provavelmente, venham a surgir outros casos.

O núcleo político da campanha do presidente recebeu a notícia com grande preocupação. Quando eles ainda estavam tentando assimilar o escândalo do gabinete paralelo que atuava no ministério da Educação, com a participação de pastores de igrejas evangélicas, e do próprio ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, que reacendeu na semana passada, envolvendo, inclusive com suspeita de interferência do presidente da República na Polícia Federal, eis que vem mais uma bomba envolvendo um nome ligado ao presidente.

Quando estourou o escândalo no MEC, Bolsonaro disse que colocaria a cara no fogo por Milton Ribeiro. E agora, será que também colocará a cara no fogo por Pedro Guimarães?

Falando em corrupção, um governo que se elegeu tendo como bandeira o combate a corrupção, e que depois matou a Lava Jato, e que também tinha como lema “corrupção zero”, eis que pipocam escândalos. Aqui e acolá temos visto escândalos no governo. Houve gabinete paralelo no ministério da Saúde. Houve gabinete paralelo no ministério da Educação. Provavelmente há gabinetes paralelos em outros ministérios que ainda não vieram à tona.

Outro fato a não permite que haja corrupção no governo Bolsonaro, é que os delegados da PF que apuram escândalos de corrupção no governo são imediatamente afastados. Foi assim no caso do delegado que investigava o filho do presidente, Jair Renan, do diretor da PF que atuava no caso Flávio Bolsonaro. E em outros casos, em que os delegados ou foram afastados ou exonerados. Assim fica fácil não ter corrupção.

Mas para esquentar ainda mais o caldo, na reta final de campanha, o governo, provavelmente, tenha de enfrentar mais uma CPI: A CPI do MEC. Os senadores de oposição já conseguiram as assinaturas necessárias para sua instalação. Tudo depende agora do presidente do senado, Rodrigo Pacheco.


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Última viagem

Posted by Cottidianos on 13:28

Quinta-feira, 16 de junho

                                          

Saudades do Amazonas

 

Desde que te deixei, ó terra minha,

Jamais pairou em mim consolação,

Porque, se eu longe tinha o coração,

Perto de ti minh’alma se mantinha.

 

Em êxtase minh’alma se avizinha

De ti, todos os dias, com emoção,

Vivendo apenas dentro da ilusão

De voltar, tal qual vive quando vinha.

 

Assim, minh’alma vive amargurada

Sem que eu a veja em ti bem restaurada

Das comoções que teve em outras zonas,

 

Mas para torná-las em felicidade,

É preciso matar toda a saudade,

Fazendo-me voltar ao Amazonas!


                                             Petrarca Maranhão

 Começo a postagem de hoje com trecho do poema, Saudades do Amazonas, do escritor Petrarca Maranhão (1913-1985). Nascido em Manaus, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na sua Juventude. Porém, os anjos arrancados do paraíso nunca o esquecem. E sempre mantém viva em sua mente, em seu coração, o lugar de onde vieram, e para onde um dia, voltarão. A saudade da terra natal e o desejo de regressar sempre estiveram presente na obra do autor, como testemunha o poema citado.

Permitam-me os caros leitores e leitoras começar o texto de hoje com poesia para falar de morte. Porém, tudo tem seu motivo e nenhuma palavra é jogada por acaso, todas elas têm uma função no texto, o complementam, quando não passam a ser elas o próprio texto.

Enfim, a notícia que já esperávamos, mas não queríamos receber, restou confirmada, oficialmente, nesta quarta-feira, 15. Ontem, por volta das 8 horas da noite, horário local no Amazonas — 10 horas da noite horário de Brasília — os agentes da Polícia Federal chegaram ao porto da cidade de Atalaia do Norte, trazendo os restos mortais que podem ser do indigenista Bruno Pereira, e do jornalista britânico, Dom Phillips.

Os restos mortais foram encaminhados, de helicóptero, para Brasília, Distrito Federal, onde deverão passar por perícia. Os dois estavam desaparecidos desde o domingo, 5, no Vale de Javari, no coração da selva amazônica.

Em entrevista coletiva no início da noite desta quarta-feira, 15, a Polícia Federal revelou detalhes do crime. O superintendente da PF no Amazonas, o delegado Eduardo Alexandre Fontes, disse que Amarildo da Costa Oliveira, que estava preso por suspeita no envolvimento do crime, confessou participação no crime, e se dispôs a ir com a polícia até o local da ocorrência e onde estavam os corpos.

Pela manhã, a polícia o havia levado até o local onde os fatos aconteceram e fez uma reconstituição dos mesmos. Do que se sabe até agora, podemos dizer o seguinte sobre a dinâmica do crime.

No domingo pela manhã, Bruno e Dom foram, sozinhos, até a comunidade de São Rafael, onde conversariam com um líder comunitário. Era a última visita que fariam como parte do trabalho que desenvolviam na região desde a sexta-feira, 3 de junho.

Os dois chegaram à comunidade logo cedo da manhã de domingo. Não encontraram o líder comunitário em casa, mas conversaram com a mulher dele. Depois, seguiram de barco no que seria o último trecho da viagem de cerca de duas horas até a cidade de Atalaia do Norte.

Os bandidos, de alguma forma, souberam que indigenista e jornalista, tendo dispensado a equipe de indígenas da Unijava que os acompanhava e atuava como segurança dos dois, havia sido dispensada, e que eles seguiam viagem, sozinhos.

Então passaram a persegui-los pelo rio Itaqui. Conseguiram alcançá-los ainda nas proximidades da comunidade de São Rafael. Houve perseguição em alta velocidade nas águas do rio.

Uma testemunha contou à polícia que viu quando Bruno e Dom passaram de barco. Diz também que, poucos minutos depois, viu quando Pelado — como Amarildo é conhecido na região — passou por eles, acompanhado de mais quatro pessoas que ainda não foram identificadas, indo na mesma direção por onde seguiam indigenista jornalista.

Outra testemunha afirmou que, pouco depois que Bruno e Dom deixaram a comunidade de São Rafael, viu Pelado carregar a arma e preparar um cinto de munição e cartuchos.

Houve tiroteio no rio. Mas o delegado não soube precisar o que provocou a morte dos dois. Se ela foi provocada por disparos de armas de fogo, ou não. Isso apenas a perícia vai definir.

Os assassinos colocaram sacos de terra dentro do barco onde viajava a dupla para que ele afundasse propositalmente. Primeiro eles tiraram o motor do barco, depois o afundaram.

Apesar de a PF não ter especificado como os dois morreram — comportamento compreensível, pois a PF ainda está na fase de investigação, perícia e todas essas coisas — duas fontes, uma da PF e um indígena, disseram, de forma não oficial à equipe de reportagem da Amazônia Real, que Bruno e Dom foram mortos à queima, depois tiveram seus corpos esquartejados e incendiados.

Essas fontes ouvidas pela Amazônia Real disseram ainda que os dois foram enterrados em cova rasa, próximo a uma árvore, em área de mata densa, nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari. O acesso a essa área se dá por um lago e depois por um igarapé. Igarapé é um riacho que nasce na mata e desagua no rio. Os corpos foram encontrados a três quilômetros de onde foram encontrados mochilas, roupas, notebook, e documentos dos dois.

De fato, o superintendente da PF no Amazona, disse na coletiva de imprensa de ontem que o local onde os corpos foram encontrados é de difícil acesso. “Nós não teríamos condições de chegar a esse local de forma tão rápida nesse local, se não houvesse a confissão. Uma hora e quarenta de voadeira, de embarcação, saindo de Atalaia do Norte, e depois no local do evento, e depois mais três quilômetros mata adentro, com a embarcação entrado em local de difícil acesso. Foram vinte e cinco minutos ainda de embarcação”, disse o jornalista em seu comentário para o Globo News em Pauta.

A Justiça do Amazonas também determinou a prisão temporária por trinta dias, do irmão de Amarildo, Oseney da Costa de Oliveira, por suspeita de participação no crime.

Um detalhe da entrevista coletiva dada pela Polícia Federal na noite de ontem, não pode passar em branco, e foi lembrada pelo jornalista da Globo News, André Trigueiro. André elogia o trabalho da polícia, mas ressalta: “O desprezo histórico do Brasil oficial pelos indígenas se materializou nessa entrevista coletiva. É impressionante que não houvesse nenhum indígena sentado à mesa. E na primeira rodada de manifestações espontâneas de todas as autoridades presentes, nenhuma menção aos indígenas foi feita. Por que eu digo isso? Porque sem a preciosa, a estratégica colaboração dos indígenas não seria possível acessar o local onde os corpos foram achados, em dez dias. Toda aquela região, vasculhada pelas autoridades representadas nessa entrevista coletiva, foi objeto de uma atuação sistemática dos indígenas, guiando essas autoridades. Esse desprezo histórico pelos indígenas, que o Brasil oficial desde a chegada dos portugueses reproduz, e chegamos ao século XXI, era contra o que Bruno Pereira lutava... Porque isso é tão grave que a primeira pergunta feita na coletiva por uma correspondente estrangeira foi justamente: “Cadê os indígenas?”, disse o jornalista em seu comentário para o GloboNews em Pauta.

A mulher de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, divulgou uma carta à imprensa na noite desta quarta-feira, na qual diz: “Hoje se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível. Só teremos paz quando as medidas necessárias forem tomadas para que tragédias como esta não se repitam jamais”, disse ela.

E assim, achamos de forma trágica, a resposta para a pergunta que nós nos fazíamos desde o dia 05 deste mês: Onde estão Bruno Pereira e Dom Phillips?  Jornalista e indigenista foram mortos e enterrados na mesma floresta que tentavam salvar, e em meio os povos que buscavam defender. Ironia do destino, Dom Phillips estava ali justamente como parte do trabalho para o livro que estava escrevendo e cujo título provisório era “Como Salvar a Amazônia”.

E ainda vem o nosso presidente, Jair Bolsonaro, que nenhuma empatia tem para com a dor e o sofrimento humanos — já havia mostrado isso durante a pandemia, e mostra agora — dizer que os dois estavam ali para uma aventura, e que os dois eram malvistos na região pelo trabalho que faziam. Sim, eles eram muito malvistos mesmo, mas não pelos povos da região, mas sim, por bandidos interessados apenas em lucros fáceis, que devastam a floresta, e oprimem e ameaçam o povo indígena, e eram malvistos também pelo próprio governo que apoia essa gente.

Que o diga o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que disse, claramente, em reunião ministerial realizada em 22 de maio de 2020, que era preciso aproveitar o momento em que os veículos de comunicação estavam envolvidos com a Covid, para o governo “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

As palavras do ex-ministro se confirmaram em atos em sua gestão ao colocar o ministério do Meio Ambiente ao lado de madeireiros, pescadores, e garimpeiros ilegais, e perseguir funcionários da Polícia Federal, da Funai, e do Ibama que tentavam fazer aquilo que é justo e correto: defender a floresta e seus povos. O mais grave é que coisa de “passar a boiada” não é apenas uma fala de Ricardo Salles, mas, sim, uma política de governo.


Naquela manhã de domingo, dia 05, quando Bruno e Pereira e Dom Phillips deixaram a comunidade de São Rafael em direção a cidade de Atalaia do Norte, pensavam estar fazendo o último trecho daquele percurso que faziam pela região desde a sexta-feira, 3, quando por lá chegaram.

Na verdade, estavam percorrendo o último trecho de suas vidas terrestres. Agora, não estão mais entre nós. Encontram-se em algum lugar no plano espiritual. E nesse plano superior serão cuidados, como os doentes são curados de suas feridas nos hospitais terrenos.

Afinal, foram vítimas de crime brutal. Muita dor e sofrimento experimentaram em seus últimos momentos terrenos, e a alma leva essas impressões com ela. Depois de curadas suas feridas, voltarão para ajudar o povo e a terra que tanto amaram em vida.

É como diz o poema, Saudades do Amazonas, que abre esse texto “Porque, se eu longe tinha o coração, perto de ti minh’alma se mantinha”. E como a alma também sente saudades “É preciso matar toda a saudade, fazendo-me voltar ao Amazonas!

Sigam em paz, bravos guerreiros. Morreram lutando por causas nobres. Verdadeiros discípulos modernos de Cristo e do deus Tupã, morreram doando suas vidas para que outros tivessem vidas.

Muita luz e paz em vosso caminho espiritual.

Nós por aqui ficamos ansiando por justiça, não apenas por vocês, mas por todos que deram suas vidas por um ideal nobre e transformador, por todos que morreram tentando fazer deste mundo um lugar melhor.


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Indigenista brasileiro e jornalista britânico desaparecem na floresta amazônica

Posted by Cottidianos on 00:23

Quarta-feira, 08 de junho

 

Falemos na postagem de hoje de um assunto pesado, preocupante, mas antes vamos ver ao final da viagem dos sonhos que se tornou real do brasileiro Victor Hespanha, do qual esse blog falou na postagem do dia 16 de maio. A viagem havia sido adiada por causa de problemas de segurança, mas finalmente aconteceu no sábado, dia 04 deste mês.

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Finalmente, o engenheiro de produção brasileiro Victor Hespanha pode viajar ao espaço em voo da Blue Origin. A viagem dos sonhos aconteceu no sábado, 4, e fez de Victor o primeiro turista espacial brasileiro, e o segundo brasileiro a sair da órbita terrestre. O primeiro foi o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. A diferença é que Marcos é astronauta, e Hespanha, apenas um turista espacial. Pontes foi ao espaço como integrante da missão do projeto de construção da Estação Espacial Internacional (ISS), e Hespanha ganhou a viagem num sorteio ao comprar um token da Crypto Space Agence. Junto com Victor Hespanha havia mais outras cinco pessoas na nave.

Após o feito, o engenheiro de produção conversou, com a exclusividade com a repórter Renata Capucci, em entrevista para o Fantástico. Na entrevista ele conta de sua felicidade em viver essa experiência: “É um marco na minha vida. É um marco para minha cidade, para o Brasil, né? Eu queria muito compartilhar. Eu queria que as pessoas vissem com os meus olhos. Ver a escuridão do espaço, ver a curvatura da Terra”.

Na entrevista para o Fantástico, Victor também revela uma grande novidade para os céticos terraplanistas: “Gente, a terra é redonda, verdade, não é mentira”, disse ele.

Este blog Cottidianos tratou desse assunto na postagem de 16 de maio, por isso, retomei o assunto novamente.

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                        Dom Phillips, jornalista, e Bruno Pereira, indigenista


Saindo dessa atmosfera de sonhos transformados em realidade, mergulhemos agora numa história que inspira preocupação aos brasileiros, aos britânicos, e a todos aqueles que se preocupam com a questão indígena. Trata-se de um misterioso desaparecimento no coração selvagem da floresta amazônica. 

Os personagens dessa história são o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor de carreira licenciado da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), atuante ativista da causa indígena, e Dom Phillips, jornalista britânico, colaborador do The Guardian, e também envolvido em causas ambientais. Os dois viajavam pelas terras indígenas do Vale do Javari, no munícipio de Atalaia do Norte quando desapareceram. 

Reportagem do G1 Amazonas, diz que “Ao longo da última década, Bruno Pereira foi coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte, que compreende justamente a área onde ele foi visto pela última vez”.

Em 2016, Bruno deixou o cargo durante intenso conflito entre povos isolados da região. Bruno não é de cruzar os braços e ficar vendo a vida passar, principalmente, quando se trata da vida dos povos originários da floresta. Em 2018, ele já estava de volta como coordenador-geral dos índios isolados e de Recém Contratados da Fundação Nacional do Índio. Nesse cargo, ele realizou a maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos. Em 2019, ele foi exonerado do cargo. Setores ruralistas ligados ao governo de Jair Bolsonaro pressionaram pela sua saída.

O outro personagem desta história é o jornalista Dom Phillips, natural do condado de Merseyside, vizinho à cidade de Liverpool, Noroeste da Inglaterra.  Em 2007, ele resolveu mudar-se para o Brasil. Dom é um apaixonado pelo país para o qual se mudou, e pela Floresta Amazônica. Ele é casado com a brasileira Alessandra Sampaio, e mora na cidade de Salvador, Bahia. O jornalista tem uma vasta experiência em coberturas internacionais, e presta serviços para o The Guardian. Ele também já colaborou para os jornais Washington Post, Financial Times, e The New York Times.

Não eram dois iniciantes em viagens pela região. Bruno conhecia o lugar como a palma de sua mão devido ao seu intenso trabalho com os povos da região, e Phillips já havia feito inúmeras viagens por lá, fazendo reportagens sobre a crise ambiental brasileira e os problemas enfrentados pelas populações indígenas. Ultimamente, ele estava escrevendo um livro sobre a Floresta Amazônica, e essa era uma das suas razões para estar na região em companhia de Bruno.

O projeto do livro é apoiado pela Fundação Alicia Patterson. Na viagem, o jornalista esperava colher depoimentos de moradores da região ameaçados constantemente por madeireiros, garimpeiros, e pescadores ilegais. Por seu ativismo na causa em questão, há cerca de um ano Bruno recebia ameaças de morte por parte de garimpeiros e madeiros ilegais.


Indigenista e jornalista viajavam de barco pela região. Eles faziam uma expedição para visitar a Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas (Unijava), estabelecida às margens do Lago do Jaburu, distante cerca de 15 quilômetros da comunidade de São Rafael. O lago também fica próximo da Base da Funai no rio Ituí. No Vale do Javari há quatro dessas bases de vigilância.

Desde a sexta-feira,3, eles viajavam junto com uma equipe de vigilantes indígenas por essa região. Chegaram ao local na sexta-feira à noite. Ali, o jornalista fez mais algumas entrevistas, enquanto Bruno conversava com a pequena equipe da Vigilância.

A Equipe de Vigilância foi criada com a finalidade de denunciar invasores das Terras Indígenas Vale do Javari (TI Javari), principalmente na região na qual vivem os indígenas isolados. A ideia motivadora dessa equipe era muito boa: Atuar em parceria com a Funai fazendo um trabalho voluntário, uma doação. Mas a “nova Funai”, como costuma dizer o presidente Jair Bolsonaro, não aceitaria esse tipo de ajuda. Como de fato, não aceitou.

Só que a Funai se recusou a receber essa doação. O que nós pensamos: já que a Funai não quer receber, vamos montar nossa equipe de vigilância, não para fazer apreensão, mas fazer marcação dos invasores dentro da TI”, disse Paulo Marubo, coordenador da Unijava ao site Amazônia Real, que acompanha bem de perto as investigações sobre o desaparecimento da dupla.

                                                                               Vale do Javari

A Equipe de Vigilância, Bruno Pereira, e Dom Phillips faziam um trabalho em conjunto: registravam imagens, e com marcações pelo GPS, registravam também a localização de áreas invadidas. Cabia ao Bruno levar o material coletado para apresentar denúncia ao Ministério Público Federal, e à Polícia Federal, localizados na cidade de Tabatinga, região do Alto Solimões, cidade próxima a Atalaia do Norte.

De acordo com uma testemunha — um indígena ouvido na reportagem do Amazônia Real — que fazia parte da equipe que acompanhava Bruno e Phillips, e que não quis se identificar por razões óbvias, nem todos dormiam durante a madrugada, geralmente, eram dois indígenas armados ficavam de sentinela.

O jornalista também aproveitava o tempo na TI Vale do Javari para entrevistar os habitantes do local. Ele queria saber deles como eles viviam, o que sentiam, porque protegiam o território, o que temiam, e coisas assim.

Então veio o amanhecer do domingo, dia 05. Dia em que, Bruno e Phillips, chegariam a Atalaia do Norte. Por volta das quatro horas da manhã, quando todos já estavam despertos, Bruno anunciou ele e o jornalista iriam sozinhos até a comunidade de São Rafael, distante cerca de quinze minutos dali, uma vez que ele, Bruno, conhecia bem o caminho.

A equipe insistiu para que continuassem acompanhando-os, mas Bruno insistiu em ir sozinho, junto com o amigo. A equipe propôs então que eles fossem em grupos separados, pois um ataque em tais circunstância seria improvável. Bruno, rejeitou também rejeitou essa ideia. “Acho que eles não vão nos atacar”, disse ele. O leitor, a leitora que leu nas entrelinhas já percebeu, em especial nesse parágrafo, um cheiro de perigo no ar.

A equipe tinha razão de estar preocupada. Além de terem consciência de que vivem numa terra perigosa, certamente também sabiam das ameaças que Bruno vinha recebendo. Além disso, alguns dessa equipe, dias antes, haviam cruzado com um grupo em uma embarcação, incomum para navegar naquelas águas de rios estreitos. A embarcação era mais larga que o habitual, mas também com mais potência no motor. Ao cruzar com os indígenas, o grupo mostrou as armas que carregava, e fez ameaças.

Sem conseguir demover Bruno da ideia de seguir com a comitiva, esta viu os dois partirem sozinhos para a comunidade de São Rafael, onde conversariam com um homem por apelido “Churrasco”, que é líder comunitário.

Chegando a São Rafael, Bruno e Phillips não encontraram “Churrasco”. Foram recebidos pela mulher dele que ofereceu aos dois o que tinha para comer naquele café da manhã: café com pão. Após conversarem com ela, na mesma manhã de domingo, os dois seguiram viagem pelo rio em um barco da Funai, em direção a Atalaia. O percurso levaria cerca de duas horas. Porém, os dois não chegaram ao destino.

Segundo o indígena ouvido pela Amazônia Real, há ribeirinhos que trabalham para os criminosos que atuam na área, que trabalham para os narcotraficantes. Eles pescam para alimentar os criminosos. Certamente, alguém na comunidade sabia da passagem do indigenista e do jornalista por lá, e avisou aos criminosos.  Ainda segundo a fonte, narcotraficantes colombianos e peruanos também atuam na região.

Os amigos que esperavam Bruno em Atalaia foram os primeiros a notar que havia algo de estranho, uma vez que a previsão de chegada deles à cidade era às oito horas da manhã, e já passava das dez, e os dois nem chegavam ao destino, nem davam notícias. Eles descartaram a ideia deles estarem perdidos, pois conheciam bem a região. Acidente? Também descartaram essa possibilidade, pois o barco era novo e tinha combustível mais do que suficiente para chegar ao destino. Restou trabalhar com a hipótese de emboscada.

Imediatamente, comunicaram o fato a Polícia Militar do Amazonas, apesar de este ser um crime de natureza federal, e junto com a PM, iniciaram as buscas. O governo federal demorou em iniciar as buscas pelos desaparecidos. Apenas colocou o efetivo do estado em ação após pressão da Embaixada da Inglaterra, dos veículos de comunicação nacional e estrangeiros, e de familiares dos desparecidos.

Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Unijava), um dos primeiros a se envolver, pessoalmente nas buscas por Bruno Perereira, e Dom Phillips, contou em entrevista ao Jornal da CBN — apresentado por Milton Jung e Cássia Godoi — que a área onde os dois desapareceram é uma área de mata fechada, rios, e igarapés que fica quase na fronteira com o Peru.

O rio estava cheio então a dificuldades de acesso a determinados lugares dificultou as buscas. Outro fator que tornou mais difícil o trabalho foi o fato  da equipe da Unijava ser bastante reduzida. Eles foram nos lugares mais óbvios onde os dois poderiam estar, mas devido as condições expostas acimas, eles não conseguiram sucesso nas buscas.

Durante a entrevista, e pela fala de Eliesio, percebe-se que há todo um cuidado nas operações que o grupo desenvolve. Por exemplo, apenas algumas pessoas sabiam que Bruno Pereira e Dom Phillips estavam indo para a região, e o que eles iam fazer por lá. Ou seja, eles se sentem ameaçados a ponto de não divulgarem publicamente seus compromissos.

Quando perguntado por Milton Jung, sobre quem são os grupos que fazem essas ameaças, o procurador da Unijava disse: “A região é uma região mista de muitos interesses. São grupos de garimpeiros, grupo de pescadores, e caçadores ilegais que, de alguma maneira, servem ao crime organizado”, disse Eliesio. “Tem o próprio narcotráfico que utiliza o indígena para atravessar do Peru e Colômbia por meio da terra indígena e levar droga para a região do Acre, que é onde já tem rodovia, e já dá para escoar a droga”, acrescenta ele. Ainda segundo Eliesio, essa é “uma região altamente perigosa e sem a presença do Estado”.

A região conta com base do Exército, posto da Polícia Federal, Marinha, mas esses órgãos permanecem na cidade de Tabatinga. Eliesio diz que “pouco se vê atividades deles em campo ou na fronteira”. 

O órgão que poderia realizar algum de trabalho de relevância para a comunidade indígena é a Funai, mas segundo o procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari, a Funai “é um órgão que não tem qualquer estrutura para realizar qualquer tipo de atividade”.

Isso é um retrato do que se tem transformado a Funai que, na verdade, é uma fotografia do descaso do estado brasileiro para com a população indígena, descaso esse agravado com a falta de política do governo Bolsonaro para com os indígenas. Nesse sentido, o governo se coloca não ao lado deles, mas ao lado dos bandidos que os ameaçam, que os oprimem, e que os matam.

                                                                  Forças Armadas buscam desaparecidos
                                                        

Agora as Forças Armadas fazem buscas na região na tentativa de encontrar algum sinal dos dois desaparecidos. A Polícia Civil do Amazonas ouve testemunhas para tentar descobrir o que, de fato, aconteceu na manhã de domingo, 5, no Vale do Javari.

Familiares e amigos, e todos os que acompanham o caso, torcem para um final feliz, entretanto, todos os indícios levam a crer que o indigenista Bruno Pereira, e o jornalista Dom Phillips, foram vítimas de uma emboscada e assassinados.

A respeito do trabalho de Dom Phillips, a fonte indígena ouvida pelo Amazônia Real, e que fazia parte da comitiva que acompanhava os dois amigos, disse: “Era uma coisa muito boa o que ele estava fazendo, mas infelizmente caiu numa emboscada. Foi uma fatalidade”. Apenas discordo da fonte nesse ponto. Fatalidades são coisas que acontecem, independentemente de nossa vontade, como por exemplo, um barco que afunda, uma arma que dispara sem querer. Há uma enorme diferença entre fatalidade de crime.

Para finalizar este texto, deixo a fala do sertanista Sydnei Possuelo, também ouvido na reportagem da Amazônia Real. “A circunstância toda, para mim, eles foram mortos. Estou me preparando para a pior notícia, eu não desejo isso, mas as informações, a vivência que eu tive, tudo me leva a deduzir que a notícia, lamentavelmente, é a pior possível. É resultado da política dos Bolsonaros, favorecendo essas coisas, mais violência, mais violências”, disse ele.

É Sydnei, nós também não desejamos o pior desfecho para esse caso. Mas, de qualquer modo, fiquemos preparados psicologicamente e espiritualmente, se isso acontecer.


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