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Presente de Reis na Terra do Sol

Posted by Cottidianos on 00:27
Quinta-feira, 07 de janeiro


A inspiração para o conto, Presente de Reis na Terra do Sol, nasceu quando ouvi por esses dias, a belíssima canção, Favola, interpretada pelo italiano, Eros Ramazzotti. Já conhecia a canção. Ela foi gravada pela primeira vez no álbum, Tutte storie (1993), e os autores dela são: Eros Ramazzotti, Piero Cassano & Adelio Cogliat. O conto se passa em duas cidades brasileiras: Paraty, Rio de Janeiro, e Natal, Rio Grande do Norte. No conto se mistura uma história de amor, traição, solidão, e de um novo recomeço nas asas da felicidade.

***

“Os devotos do Divino vão abrir sua morada
Pra bandeira do menino ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai
Deus nos salve esse devoto pela esmola em vosso nome
Dando água a quem tem sede, dando pão a quem tem fome, ai, ai
...
Assim como os três reis magos que seguiram a estrela guia
A bandeira segue em frente atrás de melhores dias
No estandarte vai escrito que ele voltará de novo
E o Rei será bendito, ele nascerá do povo,ai, ai”

(Bandeira do Divino - Vitor Martins e Ivan Lins)



Presente de Reis na Terra do Sol

Fernando caminhava pelas históricas ruas da pequena e charmosa Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Uns 258 quilômetros de viagem e se chegaria à capital, onde o Cristo Redentor os recebia de braços abertos. Frequentemente, aproveitando algum feriado prolongado, ele ia para lá, com a mulher, Lindalva, e as três crianças: Matheus, Bernardo, e Clara, a fim de visitar alguns parentes no Rio, e, claro, dar um gostoso passeio pela cidade.

Nos primeiros quilômetros da viagem, as crianças faziam mais barulho do que naqueles dias chuvosos, nos quais os trovões ressoam retumbantes e ameaçadores, de modo que, sem poder travar uma conversa produtiva com a esposa, ele, e ela também, acabavam fazendo um pouco de bagunça junto com as crianças. Seguiam o ditado popular que diz: “Se não pode com eles, junte-e se a eles”... E como era gostoso juntar-se a eles! Todos se divertiam muito. Eram horas alegres que até serviam para encurtar a distância.

Fernando trabalhava como corretor, e morava em Paraty há cerca de quatro anos. Antes, tinha passado uma boa temporada no Rio.  Gostava da tranquilidade do lugar. Paz, tranquilidade, e qualidade de vida, eram tudo o que ele precisava para aproveitar a vida ao lado da mulher e dos filhos. Não se arrependia de ter escolhido Paraty como lugar para morar. Nas suas idas ao Rio, vislumbrava a beleza da cidade, de suas praias, e sua gente hospitaleira. Porém, nos últimos tempos, para sua tristeza, as praias, e, principalmente, no centro do Rio, estavam acontecendo muitos assaltos. Apesar de não ter sofrido nenhum, ele já tivera a infelicidade de presenciar alguns. Paraty, ao contrário, ainda não infectada pelo vírus da violência. Claro que a pequena cidade não estava imune a esses males da modernidade, mas em comparação às grandes cidades, ainda se podia caminhar por aquelas históricas ruas com tranquilidade.

A cidade apenas ficava mais movimentada no período em que era realizada a FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty. Entretanto, essa invasão de pessoas era absolutamente saudável. Nesse período, à cidade, acorriam autores e leitores de todas as partes do Brasil e do exterior. Era gostoso andar pelas praças naqueles dias, e vê-las tomadas de pessoas, sossegadamente, aproveitando a sombra das árvores, entrando no túnel do tempo das páginas de um livro, e viajando pelo fantástico mundo da literatura. Essa era uma invasão que ele considerava do bem.

Naquele momento, ele cruzava a praça da matriz, no centro histórico da cidade. Àquela hora da manhã, poucas pessoas estavam tomando um pouco de sol. Um homem de meia idade sentava-se tranquilamente, em dos bancos da praça e entregava seu corpo a um dolce far niente. O melhor amigo dele, como se costuma dizer dos cães em relação ao homem, cavoucava a grama, logo atrás do banco onde seu dono estava sentado. Uma mulher com um casal de crianças passeava pela praça. As crianças corriam serelepes, enquanto a mãe se desvelava em cuidados para com elas.

Fernando ia com certa pressa. Precisava encontrar um cliente para realizar a venda de uma propriedade na região. Distraiu-se ao olhar para o relógio de pulso, quando uma das duas crianças que estavam brincando na praça, veio correndo, e esbarrou em suas pernas, quase o derrubando. Ele ficou de pé, porém, a criança levou um pequeno tombo. Nada grave. Apenas um susto para Fernando, para a criança, e para a mãe dela. Fernando desculpou-se com a mulher, e com a criança e afastou-se. Após alguns metros, esqueceu-se da pressa, e voltou os olhos sobre os ombros. A mãe e seus dois filhos voltavam, novamente, a sorrir um sorriso com gosto de felicidade. Ele pensou nas suas três adoráveis crianças. Ele vivia feliz junto com a família. Mas nem sempre fora assim. Uma vez ele havia pensado que era árvore, bela, produtiva, mas que achava que bastava a si mesma e não precisava de ninguém para ser feliz.

***

 Foi numa Festa de Reis, do dia 06 de janeiro de 2008.

Ele morava na bela e ensolarada Natal, capital do Rio Grande do Norte. Havia assistido a uma celebração religiosa no centro da cidade, celebrada na Catedral Metropolitana, pelo cardeal arcebispo da cidade. Todos os anos, no dia 06 de janeiro, a cidade de Natal fervilhava de comemorações religiosas, festivas e culturais. Afinal, os homenageados são co-padroeiros da cidade e toda festa lhes é merecida.

Após a celebração religiosa, Fernando decidira ir assistir à Folia de Reis, tradicional comemoração folclórica que acontecia pelas ruas da Praia do Meio, e terminava na beira da praia, com muito batuque, e um grande banquete ao final, recheado de comidas típicas da região.

O grupo de foliões seguia pelas ruas do bairro, tocando instrumentos, em sua maioria, feitos de forma artesanal, tais como; reco-reco, flauta, tambores, pandeiros, e sanfonas, e cantavam animadas canções de temática religiosa, como pedia a festa. Misturado ao grupo, dançarinos com roupas cheias de coloridas fitas, e outras pessoas fantasiadas de palhaço, traziam ainda mais alegria para a alegre marcha.

Fernando estava ali para a festa, mas não estava para a alegria. Fechara seu coração, e  — como costumava dizer aos poucos amigos que ainda insistiam em ficar ao seu lado — jogara a chave fora. Isso havia sido no inverno de 2004. Aquele inverno ficou marcado em sua mente e, principalmente, em seu coração, como um inverno frio, triste, e muito cinzento.

***
Mais algumas semanas e seria primavera. Seu casamento com uma bela jovem, moradora da praia de Pirangy do Norte, praia onde fica o maior cajueiro do mundo, no município de Parnamirim, estava marcado para acontecer sob o  doce perfume das flores e o cheiro de amor, trazidos pela doce brisa primaveril. Para ele, a moça era o exemplo de esposa perfeita, e as juras de amor eterno entre os dois eram constantes.

Certo dia, seu coração inquietou-se, como se lhe pedisse, insistentemente, para que as doces ondas do mar viessem chorar sob seus pés. Resolveu ir à casa da noiva, sem avisar. Bateu à porta, e a irmã de sua futura esposa disse-lhe que ela não estava em casa, que havia ido visitar uma amiga em uma praia vizinha, e que pernoitaria por lá. Fernando desculpou-se por ter aparecido sem avisar, e apesar dos insistentes convites para que passasse à noite com eles, resolveu voltar à Natal. Porém, seu coração continuava a lhe pedir que fosse à beira da praia. No caminho para a rodoviária, resolveu sair da rua principal e descer até a praia. Afinal, a noite estava bastante agradável, e respirar um pouco de mar iria lhe fazer bem aos pulmões, havia pensado.

Sentiu os pés afundarem na areia solta. A iluminação pública não alcançava aquele trecho da praia. O último poste de luz havia ficado alguns metros adiante. ‘Melhor assim’, pensou ele. Na penumbra podia observar melhor a miríade de estrelas acima de sua cabeça. Ficou observando aquele céu deslumbrantemente decorado com centenas de milhões de pequenas luzes brilhantes a iluminar o negro firmamento. Além das estrelas ainda havia uma maravilhosa lua nova a deslizar pelo céu, deixando sonhar os casais apaixonados.

A luz da lua coloria de prata o imenso mar, que àquela hora da noite não se deixava ver, dele apenas se podia ouvir o barulho e quase vislumbrar as espumas das ondas que vinham rebentar na beira-mar. Ah, aquele cheiro de mar... Era delicioso. Por sua vontade, ficaria ali à noite inteira, mas era preciso voltar, afinal, logo cedo pela manhã do dia seguinte teria de estar em Natal para resolver importantes assuntos profissionais.

Já dera meia volta e se preparava para voltar à estrada principal em direção à rodoviária, onde pegaria o ônibus de volta para capital, distante apenas uma hora de viagem dali de onde estava, quando ouviu vozes e sussurros apaixonados. Um casal, a poucos metros dele, beijava-se apaixonadamente. Uma súbita desconfiança fez calar o seu tranquilo coração. Parecia a voz de sua amada murmurando palavras de amor no ouvido de outro homem. Não, não podia ser. Não podia ser verdade. Pegou na mochila que trazia às costas um boné, e o pôs à cabeça. Naquela penumbra, e de boné não seria fácil reconhecê-lo, se passasse por perto do casal em silêncio.

 E foi isso que ele resolveu fazer, passou bem próximo ao casal. Dessa vez não teve dúvida: Era mesmo seu grande amor fazendo juras de amor, sob a luz do luar, a outro homem. Naquele momento, intimamente, seu coração rugiu mais alto que o bramido do mar. Mas, sentiu que era preciso conservar a calma, o sangue frio, e passou em silêncio pelo casal, deixando para trás um grande amor que acabava de ser sepultado nas ondas do mar.

Já em Natal, no dia seguinte, pediu a um amigo de confiança que fosse, pessoalmente, a Pirangy devolver as alianças. A moça o procurou diversas vezes após esse fato, mas ele não mais a recebeu. Não havia mais nada a ser dito entre os dois.

Depois desse episódio, ele que era um indivíduo extrovertido, passou a ser o oposto. Ficou dias e dias trancado dentro de casa, apenas saia para o trabalho. Quase entrou em depressão. Para que isso não acontecesse, decidiu ser como as árvores. Elas são produtivas, dão flores, e oferecem seus frutos e sua sombra a viajantes cansados. Do alto de sua singela beleza as árvores veem nascerem novas flores. Em silêncio servem de refúgio para coelhos e colibris, sem cobrar nada por essa gentileza. Em sua humildade são propensas a aprender com sabedoria do vento que lhes ensina a reconhecer os odores de resina e mel selvagem. E quando a chuva vem é como se uma onda de alegria as inundasse. Assim, vivem esses belos representantes do reino vegetal. Vivem tão bem que até chegam a ser gabar de não precisarem de ninguém. Elas se bastam a si mesmas.

De modo semelhante passou a agir Fernando. Convidado por um amigo passou a fazer de uma organização não governamental que cuidava de encaminhar, nos trilhos da arte, crianças carentes que, por si só e por suas famílias, não tinham condições de desenvolver seus dons artísticos. Tornou-se um dedicado ativista nessa causa. Ajudou centenas de crianças, e suas famílias. Maravilhava-se quando via a satisfação do sonho realizado através do sorriso vitorioso das crianças. Entretanto, quando se tratava de amor, de arranjar uma companhia, esse coisa do homem precisar da mulher, ah isso, não. Ele não precisava de ninguém. Podia muito bem viver sozinho. Assim pensava ele. Era ele como estrela que brilha num céu sem cor.

***

Mas quem há de compreender os mistérios do amor?

Enquanto em meio a Folia de Reis, seus pensamentos voltaram ao passado, — uma vez que ele e a noiva fizeram parte, juntos, muitas vezes, daquelas festividades — uma morena, jovem, sem querer, esbarrou nele. A moça segurava nas mãos um copo de refrigerante que foi derramar-se todo na camiseta branca do rapaz. Aquilo irritou Fernando, e quando ele ia erguer a voz para reclamar, seus olhos encontraram os olhos de sua “agressora”... Mas sua voz não saiu da garganta. Os olhos, ao contrário, saltaram para dentro dos olhos da jovem e mergulharam num mar de emoções que ele jurava ter deixado para trás. Quanta doçura havia nos olhos dela... Quanta paz. Isso durou coisa de segundos, depois a jovem foi engolida pela multidão, e seguiu atrás dos foliões.

Fernando acompanhou o restante de folia, mas seu coração palpitava de uma emoção confusa e agradável após o encontro que tivera momentos atrás. Aqueles olhos estavam por ali, bem perto dele, perdidos na multidão, e o olhar dele havia ficado preso no olhar da jovem. Ele precisava encontrá-la para que pudesse libertar-se a si mesmo.

Um dourado sol da cor do ouro se escondia por trás das ondas de um agitado mar, e a noite já começava a envolver o dia com seu negro manto, quando a folia chegou ao fim, na beira do mar. Fernando, sentado em um banco de areia, observava o maravilhoso entardecer na praia natalense. Olhava fixamente o horizonte e tanta beleza o comovia. Navegava ele num mar de pensamentos que misturavam presente e passado. Diante de tão maravilhosa criação do Deus altíssimo, refletia no que fora sua vida até aquele momento. Quando voltou novamente ao planeta realidade, olhou para o lado e viu, na beira da praia, a sua direita, e alguns metros mais adiante, a jovem que havia sequestrado seu olhar. Seu vestido branco curto esvoaçava ao sabor do vento, enquanto suas encaracoladas e longas madeixas balançavam-se de um lado para outro. Por um momento ele pensou que algumas das deusas do Monte Olimpo descera à terra para brindar-lhe com sua beleza.

Hesitou ainda alguns segundos e correu em direção a jovem. Palavras não foram necessárias. Um longo e profundo silêncio postou-se entre os dois, enquanto seus olhares tão profundos quanto o infinito se encontravam. E seus olhares ao se encontrarem de modo tão sublime, — fazendo com que brotassem em seus corações uma explosão de amor, sentimento e desejo — pediram também que seus corpos se tocassem. Seus corpos, por sua vez, ao se tocarem, pediram que suas bocas se unissem num beijo apaixonado. Naquele ardente 06 de janeiro, Festa de Reis, na Praia do Meio, em Natal, se encontraram lua e sol, rocha e nuvem, dia e noite. Riso e pranto se misturaram as salgadas ondas do mar. Enfim, Fernando era novamente um homem que começava a viver.

Se um grande amor, em alguma triste noite do passado, havia sido sepultado nas ondas do mar, naquela noite abençoada o mar lhe devolvia amor em dobro.

Ainda abraçado à bela jovem de tez morena, tão característica dos que vivem na cidade, cujo apelido é “Noiva do Sol”, — por ser uma cidade na qual faz sol o ano inteiro, — Fernando sorriu para o infinito o melhor de seus sorrisos... E agradeceu aos Reis Magos o grande presente que acabava de receber.

2 Comments


maravilhoso, uma linda historia de amor. provando que o amor nunca pode adormecer um coração!


È isso aí, o amor é cura para muito de nossos males, e do males do mundo.

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