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A força de um guerreiro - I Parte

Posted by Cottidianos on 01:48
Quarta-feira, 09 de outubro

Entrevista Maestro Oswaldo Antonio Urban

"Não admito que as coisas sejam feitas pela metade"

Imagem: http://www.vipvirtual.com.br/index.php?secao=2&id=322

Maestro Urban é uma dessas pessoas que sabem aproveitar bem a vida. Gente, que na sabedoria de seu coração, sabe que a vida é para ser vivida em toda a sua intensidade, que diante das dificuldades não senta-se em algum lugar e chora. Ao contrário, quanto mais dificuldades apareçam, maior é a vontade de lutar. Pelo que eu conheço do Maestro, penso que o segredo dele seja ocupar sempre a mente com coisas boas. Do alto de seus 93 anos, ele está sempre em atividade: rege dois corais, compões músicas para os corais cantarem, lê bons livros, cultiva o amor familiar. No momento presente, arranjou mais uma atividade: transformar as fitas de vídeo cassete em DVD.

Oswaldo Antonio Urban nasceu na cidade de Leme, no Estado de São Paulo, aos vinte e seis dias do mês de outubro de 1919. Iniciou seus estudos no Seminário Diocesano de Campinas. Cursou Filosofia e Teologia no Seminário Central de São Paulo. Lecionou Psicologia e História da Educação Musical, no Conservatório Canto Orfeônico “Maestro Julião”, onde se formou como professor de Educação Musical. No Instituo de Educação Carlos Gomes, lecionou História da Educação e Psicologia. Também já foi Diretor do Instituto de Artes e Educação Faculdade de Música da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Regendo o Coral Pio XI, está desde 1948.

Quarta-feira, 02 de outubro.  Por volta das seis e meia da tarde liguei para o Maestro Urban.

_ E aí Maestro, posso passar em sua casa, daqui a pouco para conversarmos. - O motivo era o fato dele ter sido incluído no Ranking Brasil como o Maestro regendo o mesmo coral há mais tempo. Já se passaram 65 anos regendo o Coral Pio XI.

_ Pode vir.  Estarei esperando.

_ Aquela noite o céu estava nublado, ameaçando desabar uma chuva, apesar disso o clima estava ameno e agradável. Peguei o ônibus - levei o guarda-chuva comigo, como diz o ditado: “É melhor prevenir do que remediar” – e, em poucos minutos, estava tocando a campainha da casa do Maestro. Ele mesmo abriu o portão de casa com sua solicitude costumeira e já fomos nos encaminhando para a sala em que conversaríamos. Antes de iniciarmos a conversa, ele me mostrou várias fitas de vídeo-cassete. “Estou transformando estas fitas em DVD. Já fiz boa parte delas, mas ainda falta bastante coisa”, falou apontando as fitas e os aparelhos eletrônicos, nos quais ele próprio vinha realizando o trabalho. As fitas contêm material referente a apresentações do Pio XI nos tempos do vídeo tape. A sala era uma sala pequena, porém bastante acolhedora. Sentei numa cadeira ao lado do Maestro:

- Então o quer você quer saber? Perguntou-me ele enfático.

- O Sr. acaba de entrar para o Ranking Brasil, como o Maestro regendo há mais tempo o mesmo coral e eu gostaria de saber quem é esse homem por trás desse recorde. Ele me olhou surpreso. - Acho que não esperava que fossemos começar por uma pergunta tão fundamental. E assim demos inicio a nossa conversa, - que tomei a liberdade de dividir em duas partes, uma vez que o texto ficou um pouco longo. A primeira parte, publico hoje e, amanhã, publicarei a segunda parte.

José Flávio - Quem é o Maestro Oswaldo Antonio Urban?

Maestro Urban - Um indivíduo cheio de idealismo, de vontade de fazer as coisas o mais perfeitamente possível. Não admito que as coisas sejam feitas pela metade. Fazer meio a meio não é comigo: ou faço para valer ou não faço. Quando assumo um compromisso vou até o fim, dou o sangue para cumprir meus objetivos.

José Flávio _ Essa sempre foi uma característica sua?

Maestro Urban - Sim, desde pequeno. Inclusive, me lembro de coisas dos tempos do grupo escolar. Eu fazia de tudo para ser o primeiro da classe. Ganhei prêmios especiais, não apenas por ser o primeiro da turma, mas por trabalhos que fiz no período em que estava no curso primário. Houve uma ocasião em que realizou-se um concurso, um desafio aos alunos: quem encontrasse o maior número de larvas do Aedes Egypti (larvas que dão origem ao mosquito causador da dengue). Eu consegui o maior número de larvas e fui premiado com um livro de um autor alemão que aportou no Brasil e fez amizade com os índios. Foi o primeiro prêmio que ganhei. Até hoje sou assim: em tudo que vou fazer, quero fazer o melhor possível.

José Flávio - O Sr. vem de uma família de músicos...

Maestro Urban- Meu pai era músico. Tocava clarinete, tocava piano, tocava na banda em Leme. Ele ensinou música a todos os meus irmãos. Eram oito homens e a todos ele ensinou a arte da música. Depois eles aperfeiçoaram esse dom nos Conservatórios de Música. Eu também segui esse caminho: estudei música aqui no Brasil e estudei na Itália, na cidade de Nápoles. Todos nós éramos, de alguma forma, envolvidos com a atividade musical. Chegamos a formar uma banda de jazz, chamada Jazz Urban. A banda era formada pelos irmãos Urban, dois tios e dois primos. Nessa ocasião, meu pai já não existia, havia falecido. Ele morreu muito cedo, morreu com 42 anos de idade.


Imagem cedida pelo Maestro Urban
(Na foto acima, foto da banda de música comandada por, Humberto Urban, pai do maestro Urban)

José Flávio - Qual a causa da morte de seu pai?

Maestro Urban - Meu pai morreu de uma doença chamada Tifo. Na época houve uma epidemia dessa doença e ele foi vítima dela. Mas ele já tinha deixado meus irmãos afinados para a música...  Só eu não aprendi música com ele, aprendi com meus irmãos. Meus irmãos, meus primos, meus tios todos sabiam tocar mais de um instrumento; um tocava piano e piston, outro tocava clarinete e saxofone, esse era o Jacir, o último que morreu, outro tocava flauta e piano, e assim por diante. O piano foi fundamental. Meu pai também era organista e Mestre do coro da Igreja.

Então eu recebi essa influência da música. Quando vim para Campinas, para o seminário menor tive um professor muito bom, que foi o professor Bove, Salvador Bove, Maestro regente da orquestra. Foi ele que pôs a batuta na minha mão quando eu era ainda estudante no seminário menor. Aos 14 anos de idade, ele pôs a batuta na minha mão para que eu regesse em um evento que iria haver que era a recepção dos alunos de filosofia e teologia que vinham de São Paulo, do Seminário Central em São Paulo. Fazíamos um intercâmbio... Então ele preparou uma música, chamada Brinde aos Paulistanos. Fui eu quem preparou o coral e regeu. Foi a primeira vez.

José Flávio- Com o professor Bove, o Sr. também teve aulas de regência?

Maestro Urban - Sim, tive aulas de regência com ele. Depois fui para São Paulo, para o seminário maior. Lá tive aulas com um maravilhoso professor que foi o Fúrio Franceschini, italiano, compositor, tem livros inteiros sobre música publicados. Era ele quem comandava o coral do seminário. Eu aprendi com ele e formei, no seminário, o Coral dos Filósofos, composto pelos estudantes de filosofia. Deixe-me contar um pormenor... Eu fui chamado pelo Reitor do seminário, após uma apresentação que fizemos, na qual cantamos aquela música sobre a... Serenata de Angelus, que diz assim... “Cantem, cantem a serenata...” Depois que nós cantamos isso, ele me chamou e falou: “Urban, você precisa ter mais cuidado porque quando você está dirigindo o coral você não vê outra coisa, você fica preso naquilo.” Eu achei que isso fosse um elogio. Na verdade ele estava me repreendendo porque eu me dedicava muito à arte da música. Ao mesmo tempo, outro professor, Antonio Alves de Siqueira, meu professor de Psicologia, me chamou e me deu os parabéns pelo que eu fiz com a Escola Cantorum dos filósofos. Um me criticou, outro me elogiou... E eu saí todo orgulhoso da história. (risos). Depois quando eu voltei para campinas aconteceu de eu sair do seminário...

José Flávio - Antes de tratarmos da sua chegada ao Coral Pio XI, gostaria que o Sr. me falasse um pouco da sua mãe.

Maestro Urban- Eu tinha quatro anos quando minha mãe morreu. Ela morreu por ocasião do nono filho.  O menino morreu. Ela morreu um mês depois. Quando meu pai morreu, eu tinha seis anos de idade. Minha mãe era da música, mas não tanto quanto meu pai. Os dois vieram da Itália. Meu Pai veio de Pádua e minha mãe de Veneza, entretanto os ancestrais de meu pai eram austríacos. Meu pai tinha uma alfaiataria e meus irmãos trabalhavam junto com ele. Todos, menos eu, aprenderam o ofício de alfaiate. Tenho poucas lembranças de minha mãe. Lembro que uma vez ela estava costurando à máquina e eu estava sentado na soleira da porta, mas já falava em ser padre. Falei na linguagem de moleque; “Quando eu ser padre, todo mundo aqui já morreu?” Ela começou a chorar.


Imagem cedida pelo Maestro Urban
(Na foto acima, Brasão da Família Urban, elaborado pelos ancestrais da família por volta do ano 1.300)

José Flávio - Quando seu pai morreu os seus irmãos é que assumiram a responsabilidade de cuidar da família?

Maestro Urban - Depois da morte de meus pais cada um de meus irmãos assumiu uma função a cumprir. Eu, por exemplo, tinha a obrigação de escolher o feijão todas as noites. Eu tinha uma irmã que assumiu a gerência da casa. Então eu tinha que apresentar para ela o feijão limpo. Naquela época não era como hoje que o feijão já vem empacotado e limpo. O feijão vinha com umas pedrinhas no meio. Quando acontecia de eu ir para cama sem ter catado feijão, meus irmãos me tiravam da cama e me obrigavam a fazer a tarefa. Por isso que aprendi a fazer as coisas certas, cumprir a palavra.


Imagem cedida pelo Maestro Urban

(Na foto acima, Maestro Urban em companhia dos irmãos e da única irmã)

José Flávio - O Sr. não teve seus pais para ajudarem em sua formação, mas seus irmãos fizeram isso muito bem.

Maestro Urban - Eles tiveram uma formação muito boa. Eram muito unidos. Nunca ouvi dizer que eles tivessem ido dormir um brigado com o outro. Claro, durante o dia saia alguma briga, pois um bando de rapazes todos juntos... Nem sempre havia concordância em tudo... Mas não acontecia de irem dormir brigados. Meus irmãos foram um grande exemplo para mim. Além disso, também me ensinaram música.




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