O calvário dos Yanomamis
Quarta-feira, 01 de fevereiro de 2023
Era
um dia qualquer do longínquo ano de 1500. Grandes e pequenos navios portugueses
chegavam a terras paradisíacas que, posteriormente, receberiam o nome de
Brasil, por causa da abundância de uma árvore avermelhada que se espalhava por
incontáveis quilômetros do território.
“Dali avistamos homens que andavam pela
praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos por chegarem
primeiro.
...
Eram pardos, todos nus,
sem coisa alguma que lhe cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com
suas setas. ”
Essa
foi a primeira impressão, a primeira visão que os navegantes portugueses
tiveram dos habitantes da terra a qual acabavam de chegar, assim o narra, Pero
Vaz de Caminha, escrivão da esquadra que chegava. A carta de Caminha é
considerada o primeiro documento oficial, o primeiro relato sobre o Brasil
daqueles tempos.
O
primeiro contato já deu sinais de como seria essa relação. Os índios
maravilhavam-se com as bugigangas que os portugueses traziam. Posteriormente,
os portugueses trocaram quinquilharias tais como; espelhos, facões, perfumes, e
outros itens de baixo valor pelo precioso pau-brasil. Em resumo, os índios, por
sua inocência, foram enganados pelos portugueses.
Esse
convívio entre portugueses e indígenas pode até ter sido harmônico no início,
mas, depois tornou-se tumultuado, por um motivo determinante. Para os
portugueses, aquele paraíso representava lucro, dinheiro. Para os indígenas,
aqueles rios e matas representavam sua casa, seu santuário, sua morada terrena
e sua conexão com o divino. Interesses tão conflitantes não poderiam conviver
de forma harmônica.
A
chegada daquelas primeiras naus portuguesas representava o início da saga dos
portugueses e o fim da nação indígena, dizimada pelas doenças que os
estrangeiros trouxeram da corte.
É
incrível que, tendo passado tanto tempo, a lógica tenha permanecido a mesma.
O
Brasil e o mundo têm acompanhado com horror o que acontece com o povo Yanomami
e suas terras. Terras abençoadas que os habitantes dela souberam e sabem cuidar
delas como ninguém. Por cima da terra vista se perde em milhões de hectares de
floresta, verdadeiros tapetes verdes, debaixo de um céu azul anil de fazer
inveja à tela de grandes gênios da pintura. Adentro por elas, rio de água limpa
e pura cortam as matas como as veias se dividem no corpo humano, irrigando-o
com o sangue.
Se
por cima da terra a terra Yanomami se cobre dessa beleza imensa, por debaixo da
terra ela guarda tesouros incalculáveis em ouro, prata, e outros minerais
preciosos. E foi essa beleza escondida no seio da terra que atraiu os inimigos:
os madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaram destruindo as matas e
poluindo os rios, e tudo isso, sob as bênçãos do governo Jair Bolsonaro, do seu
ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, da ministra da Mulher, Família, e
Direitos Humanos.
É
verdade que esses problemas na região não começaram agora, vem de tempos atrás,
mas se agravaram muito de 4 anos para cá, a ponto que digo a vocês: Mais quatro
anos de governo de Jair Bolsonaro e aquele povo desapareceria por completo.
São
estarrecedoras as imagens que tem rodado o mundo de indígenas com aspecto
cadavérico, feito pele e osso, em consequência da fome terrível que enfrentam.
Confesso, que já ouvi muitas vezes a expressão “morrer de fome”, mas para mim
era uma expressão idiomática. Porém, a vejo manifesta agora na pele dos
Yanomamis. E isso é assustador.
Os
repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero produziram uma reportagem especial sobre a
tragédia para o Fantástico que foi ao ar neste domingo, 29. Recomendo a você
que ainda não assistiu, que tire um tempo para assistir, pois nos dá uma
dimensão bem mais ampla da situação que vai além das fotos e reportagens que já
foram divulgadas pela imprensa.
Os
repórteres acompanharam de perto a distribuição de alimentos. A reportagem
também mostra o resgate de indígenas. É como se estivéssemos assistindo a uma
operação de guerra. E, de fato, é uma guerra. Uma guerra conta a fome a
desnutrição. É o salvamento de um povo que, de outro modo, estava fadado a
desaparecer.
A
reportagem começa, de fato, com o depoimento de Junior Hekurari Yanomami,
presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena. “A gente vivia, a gente tinha vida, a gente tinha trabalho, pescava, a
gente não tem (isso) hoje, o povo Yanomami tá doente. É uma situação muito
grave”, diz ele.
A
equipe do Fantástico entrou na TI Yanomami, junto Junior Yanomami e Weibe
Tapeba, novo secretário da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Os
dois foram ajuda a organizar o programa de socorro aos Yanomamis.
A
repórter Sonia Bridi é uma profissional bastante conceituada no meio jornalístico,
já cobriu diversas tragédias naturais e humanas, entretanto, vejam o que ela
declara em programa da Globo News: “Foi
sistemática a ação do governo Bolsonaro de punir todas as pessoas que estavam
tentando fazer cumprir a lei. Eu já vi refugiados, eu já vi gente em conflito
em vários países, e a gente sabe que essas imagens de fome extrema, de
fragilidade extrema, de abandono extremo, elas são muito fortes, são muito
tristes, são muito pesadas. Eu nunca imaginei que eu fosse ver isso dentro do
meu país, em período de paz. É impossível não estar doente quando você não tem
água limpa para beber, você tem contaminação, não tem acesso a principal fonte
de proteína que é peixe né? Peixe, camarãozinho que eles pegam nos rios,
pegavam nos rios. E os garimpeiros chegam inclusive a comer comida da roça dos
indígenas. Não é só uma tragédia, é uma vergonha nacional. É difícil de
mensurar. Os rios, quando passam pelo garimpo, eles viram rios zumbis, morto e
andando, e correndo por dezenas de quilômetros. Centenas de quilômetros, às
vezes. Então a recuperação ambiental é um desafio imenso. O presidente
Bolsonaro falava em regulamentar o garimpo, uma atividade artesanal. Como é que
pode ser uma atividade artesanal o que exige milhões de reais em investimentos?
Que destrói de maneira industrial, destrói centenas de rios? Eles estão
cercados, eles estão sufocados. Quando você tá lá e você vê de perto parece um
projeto de extinção mesmo. Um projeto para varrer os Yanomamis do território”.
E
Sonia Bridi esteve lá, viu de pertinho a tragédia. No final da fala ela diz: “Parece
um projeto de extinção”. Porém, se formos colocar na balança, e ver as ações,
os gestos, as falas do ex-presidente Bolsonaro, e de membros de eu governo, a
gente não diz “parece”, a gente diz “é”.
Por
tudo isso o Supremo Tribunal Federal terminou que autoridades do governo
Bolsonaro sejam investigadas por diversos crimes, dentre eles, o de genocídio. Diante
disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público Militar
(MPM), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e a Superintendência
Regional da Polícia Federal de Roraima, vão apurar se houve o cometimento dos seguintes
crimes;
-
Crimes ambientais relacionados à vida, à saúde, e à segurança de comunidades
indígenas, Lei nº 9.605/1998
-
Desobediência, art. 330 do Código Penal
-
Quebra de segredo de Justiça, art. 10 da lei nº 6.206/1996.
O
conjunto de quatro decisões é do ministro Luís Roberto Barroso que é autor de
processos referentes a terras indígenas no STF. “Documentos sugerem um quadro
de absoluta insegurança dos povos indígenas, bem como a ocorrência de ação ou
omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais do governo
Bolsonaro”, diz Barroso na decisão.
Nas
decisões o ministro determina ainda um crédito extraordinário para que as
decisões sejam cumpridas, que seja dado um prazo de 30 dias para que a União
apresente um diagnóstico da situação das comunidades indígenas e planejamento
de ações pendentes na região.
Bolsonaro em visita a garimpo ilegal em Roraima
Uma
dessa intervenções que a PF faria, sigilosamente, em terra indígena, foi
publicada no Diário Oficial, a pedido do ex-ministro da Justiça, Anderson
Torres. Torres pediu que fossem publicados inclusive, data e local da operação que
se pretendia sigilosa. Condutas semelhantes foram seguidas pelo Cofis
(Coordenação de Operações de Fiscalização), e pelo Ibama (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente). Estes órgãos também repassaram dados sigilosos, por e-mail,
aos servidores que neles atuavam.
Na
decisão, Barroso também menciona uma possível alteração da Operação
Jacareacanga, cujo objetivo era interromper o garimpo nas TIs, possibilitando que
os garimpeiros fossem alertados da operação.
Outros
pontos citados na decisão de Barroso são:
-
retirada irregular (e aparentemente não explicada) de 29 (vinte e nove)
aeronaves ligadas ao garimpo ilegal e apreendidas pela Policia Federal de seu
local de depósito, posteriormente avistadas em operação, a despeito da existência
de ordem judicial de destruição dos bens apreendidos;
-
aparente não controle do tráfego aéreo de Roraima ou de interceptação de
aeronave irregular, colocando em risco aeronave comercial de passageiros, com a
qual quase se chocou;
-
aparente não execução ou simulação de execução do Plano Sete Terras
Indígenas, homologado pelo Juízo e destinado à desintrusão dos invasores,
com a prestação de informações ‘inverossímeis’, conforme análise do grupo
de apoio de peritos do Ministério Púbico Federal;
-
outras ações e omissões voltadas a criar óbices burocráticos à adoção
de medidas urgentes e ao cumprimento de decisões judiciais, favorecendo o
descontrole da situação de segurança e do combate a ilícitos nas áreas
afetadas.
Diante
de crise tão grave o ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública
no território Yanomami. Como Sonia Bridi, nós brasileiros, que temos
humanidade, que sabemos ver a realidade tal qual ela é, e que não tivemos as
mentes confiscadas pela indústria das fake news também estamos chocados por ver
um genocídio acontecendo em nosso próprio país.
A
gente ouvia muito falar de garimpo ilegal, mas não tínhamos a dimensão de quão
cruel, quão bandida é a atividade, e quão prejudicial ela é para as populações indígenas.
Precisou que tivéssemos que presenciar a tragédia Yanomami para termos a real
dimensão dela.
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