Um coração que chora
Segunda-feira,
22 de agosto
É
famoso o quadro, Independência ou Morte,
de Pedro Américo, obra de 1888 que retrata o grito de independência do Brasil,
dado pelo príncipe regente, D. Pedro I. Muita pompa e circunstância podemos
nota na obra. Um D. Pedro Altivo, montado num cavalo, vestindo trajes de gala.
Acompanhando
D. Pedro nesse momento histórico estão uma comitiva formada por dez homens que
erguem seus chapéus e quarenta soldados. Na cena da independência estão ainda
figuras populares representando o povo.
Na
verdade, a obra é uma idealização de um momento histórico. Os fatos,
necessariamente, não aconteceram da forma como retratada na pintura do artista.
Pompa e circunstância, certamente, não houve naquele momento.
D.
Pedro vinha de Santos, subindo a Serra do Mar. Era uma viagem longa e, para
elas, os burros eram mais indicados como meio de transporte por ser mais
resistente do que os cavalos. Eram eles que carregavam as tropas. O riacho do
Ipiranga também não estava, exatamente, ali onde se encontra no quadro.
A
comitiva que vinham com o príncipe também não era tão grande. Apenas poucos
homens com ele; militares e filhos de fazendeiros. E quanto aos bonitos
uniformes de D. Pedro, da comitiva, e dos soldados? Imaginem vocês fazer uma
viagem longa, no lombo de burros, num calor intenso, vestindo uniformes de
gala.
A
pintura foi uma encomenda feita por D. Pedro II ao pintor Pedro Américo “para homenagear o pai, e fazer propaganda da
Monarquia”, diz reportagem sobre o caso exibida no Fantástico deste
domingo, 21.
O
dia 07 de setembro nem mesmo chegou a ser destaque na época. “O 7 de setembro não saiu em jornal, é uma
data que ficou restrita a São Paulo, que era uma cidadezinha muito pequena na
época, e só mais tarde o 7 de setembro se impõe como a data nacional da
independência do Brasil. Nos primeiros anos foi o 12 de outubro”, afirma o
escritor Laurentino Gomes ao Fantástico.
O
grande dia, o dia da grande festa, do momento em que D. Pedro foi aclamado
Imperador do Brasil foi, realmente, o 12 de outubro de 1822. Foi também o dia
em que ele completou 24 anos de idade. O palco da grande festa foi o Campo de
Santana, centro do Rio de Janeiro. A festança durou seis dias.
O
local escolhido por D. Pedro foi emblemático. O Campo de Santana era um lugar
do povo, onde os barões, baronesas, os senhores, as senhoras, e,
principalmente, os escravos iam fazer passeios e festas. “Era uma praça negra, africana”, diz Laurentino. É como se D. Pedro
quisesse, deliberadamente, compartilhar aquele momento com o povo. Ele bem
poderia fazer a festa nos ambientes palacianos, mas preferiu fazer diferente.
Enfim,
o fato é que o ano de 1822 marcou a nossa independência em relação a Portugal.
A partir de então, já poderíamos caminhar com nossas próprias pernas. A
história seguiu seu curso. O império de D. Pedro durou até o ano de 1831 quando
ele abdicou do trono em favor de seu filho Pedro de Alcântara — então com cinco
anos de idade — que mais tarde viria a se tornar D. Pedro II. D. Pedro I voltou
para Portugal em 13 de abril de 1831, juntamente com a família real, aonde veio
a falecer em 24 de setembro de 1834.
Porém,
as lutas pessoais e as lutas pelo poder acabaram por consumir a saúde do
monarca. Com baixa imunidade ele contraiu tuberculose. Morreu em decorrência da
doença em 24 de setembro de 1834.
D.
Pedro I foi um homem que dividiu seu amor com duas pátrias; a brasileira e a
portuguesa. Quis o destino que não fosse diferente após sua morte.
Em
1972 os restos mortais de D. Pedro foram trazidos ao Brasil, onde estão
sepultados na cripta do Monumento à Independência, no Museu do Ipiranga. Na
véspera da morte o monarca expressou o desejo de que o seu coração fosse,
literalmente, doado a cidade do Porto, Portugal, cidade pela qual nutria grande
amor.
O
coração de D. Pedro I foi conservado em formol, num recipiente de vidro, e está
na cidade do Porto desde 1835, de onde nunca saiu.
E
assim, de história em história, chegamos ao bicentenário da independência de
nosso país. Deveria ser para nós um motivo de grande festa, e de muitas
comemorações.
Porém,
demos o azar de, no momento desta grande data, o governo do Brasil está sendo
ocupado por uma gente que não valoriza a cultura, a educação, e muito menos a
arte. Desse modo, a as comemorações do bicentenário foram ofuscadas pelo clima
de tensão institucional pelo qual atravessa o nosso país, pelo ataque às urnas
eletrônicas, a ministros de instâncias superiores e pelo fanatismo religioso. Não
se vê grandes comemorações pelo país. E quando temos notícia de uma ela cheira
a interesses eleitoreiros.
O
governo brasileiro se deu ao trabalho de trazer para o Brasil o coração de D.
Pedro I que há 187 anos não saia da cidade do Porto. O órgão chegou ao Brasil
na manha desta segunda-feira, 22, pouco antes da 10hs da manhã, e foi
transportada por uma aeronave da Força Área Brasileira.
A
relíquia foi recebida pelo governo brasileiro com honras de chefe de estado.
Nesta terça-feira, ela será recebida no Palácio do Planalto pelo presidente
Jair Bolsonaro. O coração do monarca ficará exposto para visitação pública no
Palácio do Itamaraty até 05 de setembro, e ficará no Brasil até o dia 08 de
setembro.
Antes
de seguir para o Brasil, houve, na cidade do Porto, uma exposição inédita do
coração de D. Pedro que atraiu milhares de pessoas. Na volta, a relíquia ainda
ficará exposta ao público na cidade do Porto por mais dois dias.
Na
cidade, a relíquia deverá permanecer conservada no formol, e guardada trancada
numa urna de cinco chaves, dentro de um cofre na Irmandade da Lapa.
O transporte da relíquia gerou uma série de
críticas de especialistas tanto de Portugal, quanto do Brasil. “Vejo um contexto político, porque não há
contexto histórico ou propósito educacional para trazer esse coração por
pouquíssimo tempo, A partir do momento em que há o uso de órgãos humanos para
uma simples exposição, sem o contexto de ensino, a exibição se torna algo
simplesmente bizarro”, diz Valdirene Ambiel, pesquisadora da USP,
O
sociólogo português, João Teixeira Lopes também fez críticas ao evento em
artigo publicado no jornal português Público. “Um coração em formol será transportado para gáudio imenso do governo
Bolsonaro, que aqui encontra a ocasião de um festim necrófago galvanizador da
sua base de apoio, fazendo, em plena campanha eleitoral, como os ditadores
romanos, a política de panem et circenses [pão e circo]”,
Os
críticos tem razão. Se fosse um governo que promovesse a cultural e a educação
poderia até ser compreensível, mas pelo que pudemos testemunhar, o governo de
Jair Bolsonaro opera um verdadeiro desmonte, não apenas nas áreas de educação e
saúde, mas também no da cultura, e nos demais setores que compõem a nação
brasileira.
Então,
os críticos tem toda razão: O governo faz uso político da relíquia ao trazê-la
para o Brasil.
Além do fato de ser meio tétrico que a principal atração dos festejos do bicentenário da independência do Brasil seja um coração tratado e recebido com honras de chefe de estado. Ademais, se D. Pedro I, estiver vendo o que acontece no Brasil nos dias atuais, não está nada satisfeito, ao contrário, o coração dele deve estar chorando.
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