Última viagem
Quinta-feira, 16
de junho
Saudades
do Amazonas
Desde
que te deixei, ó terra minha,
Jamais
pairou em mim consolação,
Porque,
se eu longe tinha o coração,
Perto
de ti minh’alma se mantinha.
Em
êxtase minh’alma se avizinha
De
ti, todos os dias, com emoção,
Vivendo
apenas dentro da ilusão
De
voltar, tal qual vive quando vinha.
Assim,
minh’alma vive amargurada
Sem
que eu a veja em ti bem restaurada
Das
comoções que teve em outras zonas,
Mas
para torná-las em felicidade,
É
preciso matar toda a saudade,
Fazendo-me
voltar ao Amazonas!
Petrarca Maranhão
Permitam-me os
caros leitores e leitoras começar o texto de hoje com poesia para falar de morte.
Porém, tudo tem seu motivo e nenhuma palavra é jogada por acaso, todas elas têm
uma função no texto, o complementam, quando não passam a ser elas o próprio
texto.
Enfim, a notícia
que já esperávamos, mas não queríamos receber, restou confirmada, oficialmente,
nesta quarta-feira, 15. Ontem, por volta das 8 horas da noite, horário local no
Amazonas — 10 horas da noite horário de Brasília — os agentes da Polícia
Federal chegaram ao porto da cidade de Atalaia do Norte, trazendo os restos
mortais que podem ser do indigenista Bruno Pereira, e do jornalista britânico,
Dom Phillips.
Os restos mortais foram
encaminhados, de helicóptero, para Brasília, Distrito Federal, onde deverão
passar por perícia. Os dois estavam desaparecidos desde o domingo, 5, no Vale
de Javari, no coração da selva amazônica.
Em entrevista
coletiva no início da noite desta quarta-feira, 15, a Polícia Federal revelou
detalhes do crime. O superintendente da PF no Amazonas, o delegado Eduardo
Alexandre Fontes, disse que Amarildo da Costa Oliveira, que estava preso por
suspeita no envolvimento do crime, confessou participação no crime, e se dispôs
a ir com a polícia até o local da ocorrência e onde estavam os corpos.
Pela manhã, a
polícia o havia levado até o local onde os fatos aconteceram e fez uma
reconstituição dos mesmos. Do que se sabe até agora, podemos dizer o seguinte
sobre a dinâmica do crime.
No domingo pela
manhã, Bruno e Dom foram, sozinhos, até a comunidade de São Rafael, onde
conversariam com um líder comunitário. Era a última visita que fariam como parte
do trabalho que desenvolviam na região desde a sexta-feira, 3 de junho.
Os dois chegaram à
comunidade logo cedo da manhã de domingo. Não encontraram o líder comunitário
em casa, mas conversaram com a mulher dele. Depois, seguiram de barco no que
seria o último trecho da viagem de cerca de duas horas até a cidade de Atalaia
do Norte.
Os bandidos, de
alguma forma, souberam que indigenista e jornalista, tendo dispensado a equipe de
indígenas da Unijava que os acompanhava e atuava como segurança dos dois, havia
sido dispensada, e que eles seguiam viagem, sozinhos.
Então passaram a
persegui-los pelo rio Itaqui. Conseguiram alcançá-los ainda nas proximidades da
comunidade de São Rafael. Houve perseguição em alta velocidade nas águas do
rio.
Uma testemunha
contou à polícia que viu quando Bruno e Dom passaram de barco. Diz também que,
poucos minutos depois, viu quando Pelado — como Amarildo é conhecido na região
— passou por eles, acompanhado de mais quatro pessoas que ainda não foram identificadas,
indo na mesma direção por onde seguiam indigenista jornalista.
Outra testemunha afirmou
que, pouco depois que Bruno e Dom deixaram a comunidade de São Rafael, viu Pelado
carregar a arma e preparar um cinto de munição e cartuchos.
Houve tiroteio no
rio. Mas o delegado não soube precisar o que provocou a morte dos dois. Se ela
foi provocada por disparos de armas de fogo, ou não. Isso apenas a perícia vai
definir.
Os assassinos colocaram
sacos de terra dentro do barco onde viajava a dupla para que ele afundasse
propositalmente. Primeiro eles tiraram o motor do barco, depois o afundaram.
Apesar de a PF não
ter especificado como os dois morreram — comportamento compreensível, pois a PF
ainda está na fase de investigação, perícia e todas essas coisas — duas fontes,
uma da PF e um indígena, disseram, de forma não oficial à equipe de reportagem
da Amazônia Real, que Bruno e Dom foram mortos à queima, depois tiveram seus corpos
esquartejados e incendiados.
Essas fontes
ouvidas pela Amazônia Real disseram ainda que os dois foram enterrados em cova
rasa, próximo a uma árvore, em área de mata densa, nas proximidades da Terra
Indígena Vale do Javari. O acesso a essa área se dá por um lago e depois por um
igarapé. Igarapé é um riacho que nasce na mata e desagua no rio. Os corpos
foram encontrados a três quilômetros de onde foram encontrados mochilas,
roupas, notebook, e documentos dos dois.
De fato, o superintendente
da PF no Amazona, disse na coletiva de imprensa de ontem que o local onde os
corpos foram encontrados é de difícil acesso. “Nós não teríamos condições de
chegar a esse local de forma tão rápida nesse local, se não houvesse a
confissão. Uma hora e quarenta de voadeira, de embarcação, saindo de Atalaia do
Norte, e depois no local do evento, e depois mais três quilômetros mata adentro,
com a embarcação entrado em local de difícil acesso. Foram vinte e cinco
minutos ainda de embarcação”, disse o jornalista em seu comentário para o Globo
News em Pauta.
A Justiça do
Amazonas também determinou a prisão temporária por trinta dias, do irmão de
Amarildo, Oseney da Costa de Oliveira, por suspeita de participação no crime.
Um detalhe da
entrevista coletiva dada pela Polícia Federal na noite de ontem, não pode passar
em branco, e foi lembrada pelo jornalista da Globo News, André Trigueiro. André
elogia o trabalho da polícia, mas ressalta: “O desprezo histórico do Brasil
oficial pelos indígenas se materializou nessa entrevista coletiva. É
impressionante que não houvesse nenhum indígena sentado à mesa. E na primeira
rodada de manifestações espontâneas de todas as autoridades presentes, nenhuma
menção aos indígenas foi feita. Por que eu digo isso? Porque sem a preciosa, a
estratégica colaboração dos indígenas não seria possível acessar o local onde
os corpos foram achados, em dez dias. Toda aquela região, vasculhada pelas
autoridades representadas nessa entrevista coletiva, foi objeto de uma atuação sistemática
dos indígenas, guiando essas autoridades. Esse desprezo histórico pelos
indígenas, que o Brasil oficial desde a chegada dos portugueses reproduz, e
chegamos ao século XXI, era contra o que Bruno Pereira lutava... Porque isso é
tão grave que a primeira pergunta feita na coletiva por uma correspondente
estrangeira foi justamente: “Cadê os indígenas?”,
A mulher de Dom
Phillips, Alessandra Sampaio, divulgou uma carta à imprensa na noite desta
quarta-feira, na qual diz: “Hoje se inicia também nossa jornada em busca por
justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam
respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais
rapidamente possível. Só teremos paz quando as medidas necessárias forem
tomadas para que tragédias como esta não se repitam jamais”, disse ela.
E assim, achamos
de forma trágica, a resposta para a pergunta que nós nos fazíamos desde o dia
05 deste mês: Onde estão Bruno Pereira e Dom Phillips? Jornalista e indigenista foram mortos e
enterrados na mesma floresta que tentavam salvar, e em meio os povos que buscavam
defender. Ironia do destino, Dom Phillips estava ali justamente como parte do
trabalho para o livro que estava escrevendo e cujo título provisório era “Como
Salvar a Amazônia”.
E ainda vem o
nosso presidente, Jair Bolsonaro, que nenhuma empatia tem para com a dor e o
sofrimento humanos — já havia mostrado isso durante a pandemia, e mostra agora —
dizer que os dois estavam ali para uma aventura, e que os dois eram malvistos na
região pelo trabalho que faziam. Sim, eles eram muito malvistos mesmo, mas não
pelos povos da região, mas sim, por bandidos interessados apenas em lucros
fáceis, que devastam a floresta, e oprimem e ameaçam o povo indígena, e eram
malvistos também pelo próprio governo que apoia essa gente.
Que o diga o ex-ministro
do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que disse, claramente, em reunião ministerial
realizada em 22 de maio de 2020, que era preciso aproveitar o momento em que os
veículos de comunicação estavam envolvidos com a Covid, para o governo “ir
passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
As palavras do ex-ministro se confirmaram em atos em sua gestão ao colocar o ministério do Meio Ambiente ao lado de madeireiros, pescadores, e garimpeiros ilegais, e perseguir funcionários da Polícia Federal, da Funai, e do Ibama que tentavam fazer aquilo que é justo e correto: defender a floresta e seus povos. O mais grave é que coisa de “passar a boiada” não é apenas uma fala de Ricardo Salles, mas, sim, uma política de governo.
Naquela manhã de
domingo, dia 05, quando Bruno e Pereira e Dom Phillips deixaram a comunidade de
São Rafael em direção a cidade de Atalaia do Norte, pensavam estar fazendo o
último trecho daquele percurso que faziam pela região desde a sexta-feira, 3,
quando por lá chegaram.
Na verdade,
estavam percorrendo o último trecho de suas vidas terrestres. Agora, não estão
mais entre nós. Encontram-se em algum lugar no plano espiritual. E nesse plano
superior serão cuidados, como os doentes são curados de suas feridas nos
hospitais terrenos.
Afinal, foram
vítimas de crime brutal. Muita dor e sofrimento experimentaram em seus últimos
momentos terrenos, e a alma leva essas impressões com ela. Depois de curadas
suas feridas, voltarão para ajudar o povo e a terra que tanto amaram em vida.
É como diz o poema,
Saudades do Amazonas, que abre esse texto “Porque, se eu longe tinha o
coração, perto de ti minh’alma se mantinha”. E como a alma também sente
saudades “É preciso matar toda a saudade, fazendo-me voltar ao Amazonas!”
Sigam em paz,
bravos guerreiros. Morreram lutando por causas nobres. Verdadeiros discípulos
modernos de Cristo e do deus Tupã, morreram doando suas vidas para que outros
tivessem vidas.
Muita luz e paz em
vosso caminho espiritual.
Nós por aqui ficamos ansiando por justiça, não apenas por vocês, mas por todos que deram suas vidas por um ideal nobre e transformador, por todos que morreram tentando fazer deste mundo um lugar melhor.
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