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Negacionismo: O obscuro mundo da estupidez

Posted by Cottidianos on 23:37

Domingo, 23 de janeiro

“Acho que é um momento da gente respirar fundo

e esperar um pouquinho.

Já vai passar já”

(Andrea Beltrão, atriz,

em entrevista ao programa Estúdio CBN Entrevista)

 



Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.

A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem seus limites, a estupidez não”. 

Nada há mais caro na vida que a doença - e a estupidez”.

Começo o texto de hoje com essas três frases citadas no texto, O discurso da estupidez, publicado no jornal Folha do ABC, em 23 de abril, de 2021.

A primeira citação é do físico e teórico alemão Albert Einstein. A segunda foi dita pelo produtor, ator, e roteirista francês, Claude Chabrol. A terceira frase é de autoria de Sigmund Freud.

Desde a chegada do bolsonarismo, temos visto aumentar, e muito, aquilo que já vinha tendo uma escalada impressionante em nosso país: a estupidez humana. Acho que nem os animais irracionais têm conseguido superar certos animais racionais.

Nessa pandemia, então, fomos invadidos por um mar de tolices. Cada uma pior que a outra. Esse festival de asneiras não é privilégio do Brasil. Pessoas de todo o mundo tem navegado nesse mar e se sentido muito à vontade nele. Cada um de nós deve ter o cuidado para não nos deixarmos influenciar por essas ideias tortas.

Citarei aqui três casos iniciais, e depois seguiremos por essa mesma vereda em outras áreas. Não tem muito como fugir das babaquices no texto de hoje.

O primeiro exemplo vem de fora do Brasil. Creio que os caros leitores e leitoras tenham tomado conhecimento do caso da cantora que se infectou de covid-19 de proposito, e morreu.

                                                                      Hana Horke, cantora Tcheca


No domingo, 16 de janeiro, a cantora tcheca Hana Horke, 57, morreu devido a complicações causadas pela Covid-19. A cantora era vocalista do grupo Assonance. Não conhecia esse grupo e nem a cantora, mas após a repercussão do caso, fui buscar alguma referência na Internet, e descobri que é um grupo que faz um som bastante agradável, e que Hana tinha uma bela voz.

Hana que tantas vezes navegou pelo sublime mundo da boa música, teve a má sorte de — influenciada por falsos amigos, e falsos conselheiros — a mergulhar no obscuro mundo do negacionismo.

A voz que encantava o público da República Tcheca tornou-se também uma das principais vozes a se levantar contra a ciência. Foi recrutada pelo exército de negacionistas — que, apesar de ser em menor número que o exército das pessoas de bom senso, conseguem fazer um barulho enorme e causar estrago na saúde de muitas pessoas — e para ele passou a trabalhar com afinco.

Adeptas das ideias das tropas negacionistas, cujas bases e métodos de ação já conhecemos, a cantora também se entregou de corpo e alma às campanhas antivacinas. O que aconteceu foi o seguinte. O filho de Hana, Jan Rek, e o pai dele, contraíram o coronavírus, mas não desenvolveram a forma grave da doença, apresentaram apenas sintomas leves.

A cantora viu nesse episódio a oportunidade perfeita para contaminar-se, de propósito, com o vírus para conseguir o passaporte de vacinação, exigido para frequentar locais públicos na República Tcheca.

No dia 14 de janeiro ela, radiante de felicidade, fez a seguinte postagem no Facebook: “Vou divulgar sim! Estou muito feliz. Desta forma poderei ter uma vida livre, como os outros, ir ao teatro, sauna, show. Quero um pouco de mar, urgentemente. A vida está aqui para mim e para ti também”. 

No dia seguinte, a radiante de felicidade Hana, saiu para fazer uma caminhada e voltou reclamando de dores nas costas. Morreu por sufocamento, deitada na própria cama. Talvez em seus últimos momentos, tenha sentido vontade de estar na cama de um hospital, sendo cuidada pela ciência que ela própria desprezou. Mas o coronavírus fez aquilo que era da vontade dela.

Jan Rek, filho da cantora, disse em entrevista: “Ela preferiu viver normalmente e pegar a doença para não ter que se vacinar. É triste que ela preferiu acreditar em estranhos invés da própria família. Minha mãe não foi apenas alvo de desinformação. Ela acreditava em opiniões sobre a imunidade natural e anticorpos que criaria quando pegasse a doença”.

                                                                              Elizangela, atriz brasileira

Aqui no Brasil,  quem quase embarca para o andar de cima esta semana, foi a atriz Elizangela. Também adepta do movimento antivacina, ela foi internada na quinta-feira, 20, em Guapimirim, Baixada Fluminense, em estado grave devido a sequelas respiratórias da Covid-19.

Segundo funcionários da prefeitura, Elizangela chegou ao hospital passando muito mal, e quase teve que ser entubada. Ainda segundo a assessoria da prefeitura, ela não havia tomado nenhuma dose de alguma das vacinas que protegem contra o coronavírus.  As últimas informações de que se tem notícias sobre a atriz é de que ela está estabilizada, porém, seu estado de saúde ainda inspira cuidados médicos.

A atriz já participou de mais de trinta novelas, tendo tido sua última participação na novela, A Dona do Pedaço, de 2019.



Outro exemplo de estupidez humana vem das arquibancadas de um estádio de futebol em Pernambuco.

A partida ocorrida entre os clubes de futebol Náutico e Ibis, na cidade do Recife, no  Estádio Eládio de Barros Carvalho, popularmente conhecido  como Estádio dos Aflitos, em jogo disputado pelo campeonato pernambucano, cuja partida foi vencida pelo Náutico por 3 x 0. Nesse jogo teve um episódio bastante inusitado.  

Antes do jogo, o Náutico, em parceira com o governo do Estado havia feitos testes grátis para a Covid, com o objetivo de garantir a segurança da torcida. Um dos torcedores testou positivo para a doença. Porém, não se sabe como, ele conseguiu burlar a fiscalização e entrar no estádio assim mesmo.

Mesmo infectado pela Covid, o torcedor conseguiu assistir todo o primeiro tempo da partida, junto com os outros torcedores. Não contente com isso, ainda durante o jogo, ele fez postagens nas redes sociais se gabando do fato de estar ali, assistindo a partida, mesmo infectado pelo vírus.

O jovem tirou duas fotos que postou em sua rede social. Na primeira ele apresentava o resultado do teste feito no estádio, antes do jogo, que trazia a sinalização marcada “positivo/reagente”. Depois fez uma selfie no meio da torcida, e também postou. Na legenda desta segunda foto, ele escreveu: “Tropa da Covid”.

Denunciado por alguém, algum dos seus contatos provavelmente, ele foi retirado do estádio pela polícia, e levado para a delegacia.

Com certeza, esse torcedor da tropa do mal, conseguiu contaminar outras tantas pessoas, que contaminarão outras, e assim por diante. É um raciocínio perverso o desse rapaz, assim como é o das pessoas que espalham informações falsas sobre a doença e sobre as vacinas.

Se os fatos narrados beiram o absurdo, o que dizer então quando a tropa de choque do mal está no governo?

Entrando nesse território, começo fazendo referência a duas grandes atrizes brasileiras, que de estúpidas não tem nada, ao contrário, são pessoas maravilhosas, e profissionais talentosas.

                                                          Marieta Severo e Andrea Beltrão, atrizes

O programa Estúdio CBN, apresentado por Tatiana Vasconcellos e Guilherme Muniz, entrevistou no dia 18 de janeiro deste ano, as atrizes Marieta Severo e Andrea Beltrão, ambas atuando na novela, Um lugar ao sol, exibida atualmente no horário nobre da Globo. As duas atrizes deram uma entrevista muito agradável à CBN, na qual falaram muito de seus projetos, especialmente do projeto Teatro Poeira, iniciativa mantida pelas duas atrizes. Falaram também sobre as expectativas para o futuro do Brasil.

Quando perguntadas por Guilherme Muniz sobre que futuro elas enxergavam para o futuro da cultura brasileira e para o Brasil no momento atual, assim respondeu Andrea Beltrão:

Assim que esse governo sair, na verdade eu não gosto de chamar isso que temos de governo, porque eu acho que a palavra governo... eu gosto de política, eu acredito na política, então eu acho que só é possível uma convivência para todos através da política. Só que eu acho que algumas profissões elas têm uma natureza que é uma natureza vocacional. Eu acho que quando você é governante, ou representante público, quando você lida com a coisa pública, é preciso que você tenha uma verdadeira vocação para com o outro, para escutar o outro, para se interessar pelo outro, saber o que o outro precisa, o outro que votou em você, e, principalmente, o outro que não votou em você. Então eu acho que isso temos não passa por aí. Eu acho que é uma equipe de pessoas, de aproveitadores. Então eu acho muito difícil pensar “ah, agora como vai ser a cultura”, eu acho que agora é um momento de resistência, da gente se manter em pé, a gente não vai se calar jamais, a cultura tá aí, ela é alimento, ela é necessária, a gente não consegue viver sem. A vida só não basta, é preciso poesia, é preciso cultura, senão é insuportável. Então eu acho que daqui a pouco, a gente vai ter um momento bem melhor, mas eu acho que agora é um momento de sobrevivência, de resistência. Eu acho que acontece um massacre, acontece uma falta de respeito, um deboche, uma esculhambação, não só com a cultura, com a saúde, com a vacinação das crianças, e de todos, enfim, acho que é um momento da gente respirar fundo e esperar um pouquinho. Já vai passar já”.

No discurso de Andreia, ela fala basicamente de cultura, mas se você substituir as vezes em que ela fala de cultura por meio ambiente, direitos humanos, saúde, e todas as áreas que envolvem a sociedade, a conclusão é, como ela diz no final, que esse governo realiza um verdadeiro deboche para com o Brasil e para com os brasileiros, exceto, para os cerca de 25% do gado que ainda o apoia ferrenhamente.



Temos acompanhado como o presidente Jair Bolsonaro tem tratado a Covid-19 desde o seu início, com escarnio, com deboche, com falta de compaixão. A campanha que fez contra a vacinação de adultos, e não é diferente da que faz agora com a vacinação das crianças.

Com suas palavras e atitudes ele incentiva seus seguidores a atos que não entram na cabeça de quem não está dominado por esse vírus terrível chamado bolsonarismo.

Nesta quinta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), liberou a vacina contra a Covid, Coronavac, para crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, com exceção dos imunossuprimidos. A decisão foi tomada de forma unanime pelos cinco diretores da agência.

Isso bastou para que os diretores da Anvisa, que já haviam sido ameaçados anteriormente, quando aprovaram, em dezembro, a aplicação a Pfizer para o público na faixa de idade entre 05 e 11 anos, voltassem a ser ameaçados novamente. Em um dos trechos de um desses e-mails ameaçadores, uma pessoa chega a dizer até mesmo que ora “a Deus em desfavor de todos que tem causado dor e sofrimentos ao seu próximo (sic)”. Assim, na sua irracionalidade, os bolsonaristas invertem os valores.

Outro diz que os diretores da Anvisa devem rever suas decisões, “senão o preço que vc vai pagar será altíssimo (sic)”. Os diretos da agência têm recebido, desde dezembro, centenas de e-mails desse tipo.

Na semana que passou, uma criança da cidade de Lençóis Paulista, teve uma parada cardíaca. Ela havia tomado a vacina. Adivinhem quem foi a escolhida como culpada desse incidente? A vacina, óbvio. Dez especialistas do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo se reuniram para analisar o caso, e descobriram que a parada cardíaca da criança não estava relacionada a vacina, mas a uma doença congênita rara, até então, desconhecida da família.

Os lobos vorazes do governo logo salivaram, pensando ter encontrado a cartada final para apresentar o caso como prova da ineficácia da vacina. O ministro da Saúde Marcelo Queiroga, e a ministra da Mulher, da Família, e dos Direitos Humanos, logo viajaram, pessoalmente, até a cidade de Botucatu, onde a criança estava internada, para visitá-la. 

Isso foi uma clara tentativa de explorar politicamente o episódio — pelo que se comenta, tanto Damaris Alves, quanto Marcelo Queiroga, pretendem lançar suas candidaturas para as próximas eleições. Até o presidente, Jair Bolsonaro, ligou, pessoalmente, para família da criança.

Agora pensem, em toda a pandemia, que já vitimou mais de 600 mil brasileiros, em algum momento vocês viram o ministro da Saúde, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, ou qualquer outro ministro do governo, ou até mesmo o próprio presidente da República, soltaram alguma nota de compaixão, ou visitaram hospitais, ou alguma família que estivesse sofrendo as agruras da Covid-19?

Muito pelo contrário, era o coronavírus vitimando mais e mais brasileiros e brasileiras, milhares de famílias chorando o luto, e o presidente e seus ministros viajando em motociatas, em viagem de férias em locais badalados e caros. É uma gente muito “bondosa” e caridosa” essa que está no governo.

Outro caso protagonizado pelo ministério da Saúde, que é de arrepiar os cabelos das pessoas sensatas, foi a nota técnica, divulgada pelo próprio ministério da Saúde, com a finalidade de frear os estudos que contraindicam o uso do tal “kit covid”. O documento do ministério da Saúde classifica a cloroquina como eficaz no tratamento da covid, e ainda tem o disparate de afirmar que as vacinas não possuem a mesma efetividade contra a doença que o kit. Quem assina a nota é Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, e Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde da pasta.

Obviamente, um secretário do ministério da Saúde não pode emitir uma nota técnica sem o consentimento do ministro da Saúde, e sem a anuência do presidente da República — que é quem, sem nenhum conhecimento de medicina, ou de qualquer outra ciência — de fato, manda e desmanda no ministério da Saúde. Essa conjunção de forças suspeitas, baseando-se em estudos infundados e sem nenhuma credibilidade, resultou numa nota técnica que é a própria coroação das fake news sobre o tema, cuja coroa foi colocada pelo próprio governo.

Eduardo Pazuello foi um péssimo ministro da Saúde, é verdade. Entretanto, Marcelo Queiroga é ainda pior, pois, pelo menos Pazuello não era médico. Ao contrário de Queiroga que o fez o juramento solene da medicina. Juramento esse que tem mais e mais a cada dia, jogado no lixo, ao se vender a esse projeto de governo que não prioriza a vida, mas a morte, não valoriza a verdade, mas a mentira, não exalta a compaixão, mas a crueldade.


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