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Nazismo, nunca mais

Posted by Cottidianos on 22:52

 Segunda-feira, 14 de fevereiro

 

Eu vi o sangue que corria da montanha

quando Hitler chamou toda a Alemanha

(Eu nasci há dez mil anos atrás – Raul Seixas)

 

Enquanto, procuro um norte para iniciar este texto, lembrei-me de um provérbio que diz: “A saúde é um bem precioso”. Bem precioso que as pessoas muitas vezes não dão o devido valor. Somente quando a perdem por alguns meses, algumas semanas, ou mesmo para sempre, é que começam a refletir sobre o assunto, às vezes é tarde demais, às vezes dá tempo de tomar um novo rumo, um novo caminho, no sentido de um viver saudável.

O cuidar bem da saúde ficou bastante evidenciado nesses tempos de covid-19. A doença é especialmente cruel com aquelas pessoas que tem comorbidades.

Falando em saúde, caros leitores e leitoras, este foi o motivo pelo qual a última postagem feita neste blog no dia 23 de janeiro. Estive um pouco adoentado. Tive que passar por uma pequena cirurgia. Coisa simples, mas que me impedia de me sentir à vontade para sentar-me em frente ao computador para escrever os textos da forma como gosto de escrever e a inspiração me permite. Em se tratando de saúde, às vezes, mesmo a gente se cuidando ainda aparecem alguns probleminhas que precisam ser cuidados. Foi o meu caso. Mas, enfim, agora estou bem. Então pé na estrada, e vamos ao assunto de hoje.

                                                                 Whoopi Goldberg

Gostaria de recuperar com vocês um fato acontecido nos Estados Unidos, em 31 de janeiro deste ano por ele se ligar a outro fato importante que aconteceu no Brasil, semana passada.

A famosa atriz Whoopi Goldberg apresentava o programa “The View”, transmitido pela rede americana de televisão ABC. Era uma segunda-feira, e naquele dia, o programa discutia o fato de o conselho escolar de um estado americano do Tennessee, proibir “Maus” — uma história em quadrinhos sobre o holocausto — de ser utilizado para debates em sala de aula. A HQ é um livro tão bem elaborado que, em 1992, ganhou o prêmio Pulitzer, tornando-se a única história em quadrinhos a ganhar o prêmio.

Nela o autor, Art Spiegelman, entrevista os seus pais, judeus poloneses que sobreviveram ao holocausto, descrevendo a vida deles enquanto prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz.

Os membros do conselho escolar argumentaram que o livro tinha palavrões e uma ilustração de nudez, e que era, portanto, inapropriado para alunos do oitavo ano, na faixa de idade entre 13 e 14 anos.

Pois bem, em meio a acolarada discussão sobre o assunto Whoopi Goldberg cometeu a insensatez de dizer que a questão judaica durante o nazismo não foi sobre raça. Uma enxurrada de críticas veio logo em seguida. Como resultado desse escorregão, a apresentadora foi suspensa por duas semanas do programa. Depois ela foi as redes sociais pedir desculpas, mas o estrago já estava feito.

O indigesto assunto “nazismo” veio à tona na semana passada também aqui no Brasil e de uma forma ainda mais grave.

                                                                            Bruno Aiub, Monark

Na noite de segunda-feira, 07, um dos mais famosos programas de podcast brasileiros, o Flow Podcast, transmitido através do Youtube, entrevistava dois parlamentares brasileiros: o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), e a deputada Tabata Amaral (PSB-SP). O programa é apresentado por Bruno Monteiro Aiub, o Monark, e Igor Coelho.

Em certo momento do debate a deputada Tabata Amaral, diz:

Tabata AmaralEu acho que agora a gente tem um momento em que tem uma mudança. Tem mais espaço para a esquerda.

Monark retruca:

MonarkA esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical na minha opinião. As duas tinham que ter espaço na minha opinião.

Tabata AmaralEu acho que é um pêndulo.

MonarkEu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter um partido nazista reconhecido pela lei. Diz Monark.

Tabata Amaral Eu acho que não. Liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca a vida do outro em risco, argumenta Tabata.

MonarkMas expressar... As pessoas não têm o direito de ser idiotas?

Tabata Amaral  O nazismo é contra a população judaica, isso coloca uma população inteira em risco, insiste a deputada.

MonarkDe que forma? Quando é uma minoria não põe? Questiona Monark.

Tabata AmaralVamos falar de Holocausto? De que forma?

MonarkMas era quando era uma maioria...

Tabata AmaralGente, vamos falar de atentado. A comunidade judaica no Brasil, até hoje, tem que se preocupar com sua segurança, porque recebe ameaça... O antissemitismo tem que ser combatido todos os dias.

MonarkSe você banir eles de estarem no público, eles vão para o subsolo. E lá eles vão proliferar de um jeito muito mais eficiente.

Tabata AmaralNa verdade, não. Por que a gente criminaliza o racismo? Porque a pessoa vai pensar antes de falar uma merda. O que tem crime então, seu argumento não serve. O que é crime tem que ser criminalizado. É anarquia, né? Não tem que ter lei, não tem que ter...

Monark interrompe o raciocínio de Tabata e diz:

MonarkEu acho que dentro da expressão a gente tem que liberar tudo, diz ele.

Tabata AmaralNão. (A liberdade de expressão) termina onde fere a liberdade do outro. A existência do outro. Diz Tabata.

MonarkO que é liberdade do outro? Injúria é liberdade do outro?

Tabata AmaralNão. A gente já concordou que isso não. Eu tô falando de existência. A existência do partido nazista fere a existência da comunidade judaica, por exemplo. Insiste a deputada no mesmo raciocínio.

Monark rebate a deputada com mais uma barbaridade.

MonarkA questão é: Se o cara quiser ser um antijudeu, ele tem o direito de ser.

Tabata AmaralEu acho que não, diz Tabata.

MonarkComo não? Você vai matar quem é antijudeu?

Tabata AmaralAnti-vida de outra pessoa, não. Enfatiza Tabata.

MonarkNão, ele não tá sendo antivida. Ele não gosta dos ideais...

Tabata AmaralJudaísmo não é um sistema de ideais. Judaísmo é uma identidade. É uma religião. É uma raça.

MonarkMas ele é também um sistema de ideais.

Tabata AmaralSim, mas quem é antijudeu não está dizendo assim: discordo dessa parte porque Abraão disse. Tá questionando a existência daquela pessoa como um todo.

MonarkMas essa é a questão. Questionar é sempre válido.

Tabata AmaralQuestionar existência nenhuma é válida.

MonarkVocê pode questionar o que você quiser. Desde que você não fira ninguém. A discussão segue a respeito de liberdade de expressão.

                                                               Deputado Federal Kim Kataguiri

Pouco mais à frente o deputado Kim Kataguiri diz:

Kim KataguiriO que eu defendo que acredito que o Monark também defenda, é que por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz naquela ideia, para ela seja rechaçada socialmente e então socialmente rejeitada.

A discussão segue com a opinião sensata da deputada Tabata Amaral em contraponto com as ideias toscas de Monark e do deputado Kim Kataguiri.

Em outro momento da discussão, o deputado diz:

Kim KataguiriQual é a melhor maneira de impedir que um discurso mate pessoas, incentive o assassino a pessoas, incentive que determinado grupo religioso, étnico-racial, morra, é criminalizar, ou é deixar que a sociedade tenha uma rejeição social pesada o suficiente nisso.

É quando Tabata Amaral faz uma pergunta crucial:

Tabata AmaralKim, você acha que é errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo?

Kim KataguiriAcho

Tabata AmaralQual a resposta que você dá para todas as famílias judaicas que perderam pessoas no holocausto?

MonarkCultura. Intervém Monark.

Após essa pequena e desastrada intervenção do apresentador, o deputado responde à pergunta da colega.

Kim KataguiriA rejeição sistemática e fundamental aos negócios, a religião, ao discurso nazista...

Tabata AmaralEntão, se o nazismo não está proibido, tudo isso pode começar novamente.


                                                                Deputada Federal Tabata Amaral

Enfim, caros leitores e leitoras a discussão prossegue nesse nível por cerca de dez minutos no mesmo teor do que já foi exposto acima.

O programa Flow daquela noite de 7 de setembro, e as opiniões toscas do apresentador Monark e do deputado Kim Kataguiri caíram na sociedade como uma bomba incendiária, como aquelas que os aliados jogaram sobre cidades alemãs já perto do fim da 2a guerra mundial.

Bastou apenas vinte e quatro horas para que o Flow fosse do aplauso às vaias, culminando na maior crise já enfrentanda desde o início do programa. Patrocinadores de marcas famosas que anunciavam no programa retiraram seus patrocínios. A comunidade judaica condenou veemente as falas, os pontos de vistas defendidos no programa. A embaixada alemã também criticou as ideias defendidas no programa. A empresa afastou o Monark do programa e da sociedade empresarial. O programa exibido pelo Flow naquele dia foi retirado do ar.

O Flow é um dos programas de maiores sucessos no Youtube com mais de 3,5 milhões de seguidores, e a estimativa de ganhos em janeiro com as propagandas veiculadas no programa eram de 35 mil dólares.

A fala da atriz americana e apresentadora do programa, The view, foi altamente equivocada. Ao dizer que o racismo não foi sobre raça, Whoopi Goldberg, de certa forma, minimiza a questão. Ao contrário, o racismo foi totalmente baseado na questão racial.

                                                         Judeus sobreviventes do holocausto

Segundo a mente doentia de Hitler e de seus asseclas sedentos de poder os judeus eram responsáveis por tudo de ruim que acontecia no mundo. Para eles, o povo judeu era o responsável pela Primeira Guerra Mundial, e depois, os responsáveis pela Segunda Guerra Mundial. E também pelo ciclo econômico ruim que a Alemanha atravessou logo após a Primeira Guerra. Além disso, era preciso que a Alemanha, e países europeus a ela anexados por Hitler, tivessem espaço apenas para a raça ariana, a raça pura. E os judeus estavam longe disso. Para Hitler, eles representavam a imundície, e tudo o que há de pior no mundo. Uns vermes.

Era preciso exterminá-los. Todos os judeus deveriam ser exterminados. Desde a década de 20 que as ideias antissemitas vinham sendo disseminadas na Alemanha. A história destaca bastante o sofrimento e o assassinato dos judeus nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, porém, devemos ter em mente que o sofrimento do povo judeu começou bem antes disso.

A tortura para o povo judeu começou quando Hitler chegou ao poder em 1933. Depois disso, os judeus não tiveram mais um minuto de sossego em suas vidas. Começou com boicotes a suas lojas, depois foram confiscados seus bens. O horror era tão grande que os nazistas obrigavam os judeus, a quem consideram vermes, parasitas, a cavar buracos, fuzilando-os em seguida para que caíssem dentro da própria cova que cavaram. Tiro após tiro, corpo de judeu em cima de corpo judeu, e eles iam enchendo as covas. Realmente, um espetáculo deprimente.

Depois, para “facilitar” o trabalho dos alemães no extermínio da raça judia, eles inventaram as fábricas de matar gente, que a gente conhece como campos de concentração. Outros que não passaram pelas fábricas da morte, pereciam em guetos onde eram obrigados a ficar reunidos aos milhares, vigiados por homens da SS, sem as menores condições de higiene, de alimentação, e de saúde. Eles também eram obrigados a trabalhos forçados nos quais trabalhavam até a morte, pois não aguentavam tanto sofrimento e falta de condições de trabalho.

Não dá para falar de nazismo e de Hitler sem falar de seu ministro da Propaganda Paul Joseph Goebbels. Goebbels era o responsável pela divulgação de notícias falsas, que hoje chamamos de fake news e, através de uma máquina de propaganda bem montada ia disseminando na sociedade alemã, as ideias antissemitas do partido.

Por tudo isso, toda fala que exalta e defenda o nazismo deve ser amplamente rechaçada para que nunca mais a humanidade possa reviver aquelas páginas escritas com sangue inocente, não apenas de judeus, mas de ciganos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, e todos aqueles que não fossem considerados perfeitos pelos nazistas.

Nos Estados Unidos, a Whoopi Goldberg, já voltou a apresentar o programa depois de duas semanas de suspensão. Esperamos que tenha aproveitado os dias de “férias” para refletir sobre a questão.

Aqui no Brasil, o Ministério Público Federal abriu uma investigação para verificar se o ex-apresentador do Flow, Monark, e o deputado estadual Kim Kataguiri cometeram crime de apologia ao nazismo.

Monark e Igor apresentadores do Flow muitas vezes foram inconsequentes, se comportando como se estivesse na mesa de uma mesa de botequim, expondo ideias toscas e preconceituosas. Quem sabe agora tenha aprendido a lição de que um comunicador sério não pode sair por aí falando o que quer e bem entende, e que, por trás de um microfone, de um computador, ou de uma máquina de escrever, há alguém com uma grande responsabilidade: A responsabilidade de não ferir nem magoar o outro, e nem fazer apologia ao crime.

Quem sabe agora, o deputado e o apresentador se conscientizem de que a fronteira entre a liberdade de expressão e a defesa de ideologias criminosas é muito tênue.

Para finalizar, deixo o vídeo com o programa do Flow, que encontrei em outro canal. Vale a pena assistir.

https://www.youtube.com/watch?v=x7WTUMNpn5I 


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