Nazismo, nunca mais
Segunda-feira, 14 de fevereiro
“Eu vi o sangue que corria da montanha
quando Hitler chamou toda a Alemanha”
(Eu nasci há dez mil anos atrás – Raul
Seixas)
Enquanto,
procuro um norte para iniciar este texto, lembrei-me de um provérbio que diz:
“A saúde é um bem precioso”. Bem precioso que as pessoas muitas vezes não dão o
devido valor. Somente quando a perdem por alguns meses, algumas semanas, ou
mesmo para sempre, é que começam a refletir sobre o assunto, às vezes é tarde
demais, às vezes dá tempo de tomar um novo rumo, um novo caminho, no sentido de
um viver saudável.
O
cuidar bem da saúde ficou bastante evidenciado nesses tempos de covid-19. A
doença é especialmente cruel com aquelas pessoas que tem comorbidades.
Falando
em saúde, caros leitores e leitoras, este foi o motivo pelo qual a última
postagem feita neste blog no dia 23 de janeiro. Estive um pouco adoentado. Tive
que passar por uma pequena cirurgia. Coisa simples, mas que me impedia de me
sentir à vontade para sentar-me em frente ao computador para escrever os textos
da forma como gosto de escrever e a inspiração me permite.
Whoopi Goldberg
Gostaria
de recuperar com vocês um fato acontecido nos Estados Unidos, em 31 de janeiro
deste ano por ele se ligar a outro fato importante que aconteceu no Brasil,
semana passada.
A
famosa atriz Whoopi Goldberg apresentava o programa “The View”, transmitido
pela rede americana de televisão ABC. Era uma segunda-feira, e naquele dia, o
programa discutia o fato de o conselho escolar de um estado americano do
Tennessee, proibir “Maus” — uma história em quadrinhos sobre o holocausto — de
ser utilizado para debates em sala de aula. A HQ é um livro tão bem elaborado
que, em 1992, ganhou o prêmio Pulitzer, tornando-se a única história em
quadrinhos a ganhar o prêmio.
Nela
o autor, Art Spiegelman, entrevista os seus pais, judeus poloneses que
sobreviveram ao holocausto, descrevendo a vida deles enquanto prisioneiros no
campo de concentração de Auschwitz.
Os
membros do conselho escolar argumentaram que o livro tinha palavrões e uma
ilustração de nudez, e que era, portanto, inapropriado para alunos do oitavo
ano, na faixa de idade entre 13 e 14 anos.
Pois
bem, em meio a acolarada discussão sobre o assunto Whoopi Goldberg cometeu a
insensatez de dizer que a questão judaica durante o nazismo não foi sobre raça.
Uma enxurrada de críticas veio logo em seguida. Como resultado desse
escorregão, a apresentadora foi suspensa por duas semanas do programa. Depois
ela foi as redes sociais pedir desculpas, mas o estrago já estava feito.
O
indigesto assunto “nazismo” veio à tona na semana passada também aqui no Brasil
e de uma forma ainda mais grave.
Bruno Aiub, Monark
Na
noite de segunda-feira, 07, um dos mais famosos programas de podcast
brasileiros, o Flow Podcast, transmitido através do Youtube, entrevistava dois
parlamentares brasileiros: o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), e a
deputada Tabata Amaral (PSB-SP). O programa é apresentado por Bruno Monteiro Aiub,
o Monark, e Igor Coelho.
Em
certo momento do debate a deputada Tabata Amaral, diz:
Tabata
Amaral
— Eu acho que agora a gente tem um momento em que tem uma mudança. Tem mais
espaço para a esquerda.
Monark
retruca:
Monark — A esquerda
radical tem muito mais espaço que a direita radical na minha opinião. As duas
tinham que ter espaço na minha opinião.
Tabata
Amaral
— Eu acho que é um pêndulo.
Monark — Eu sou mais
louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter um partido nazista
reconhecido pela lei. Diz Monark.
Tabata Amaral — Eu acho que não. Liberdade de
expressão termina onde a sua expressão coloca a vida do outro em risco,
argumenta Tabata.
Monark — Mas expressar...
As pessoas não têm o direito de ser idiotas?
Tabata
Amaral
— O nazismo é contra a população
judaica, isso coloca uma população inteira em risco, insiste a deputada.
Monark — De que
forma? Quando é uma minoria não põe? Questiona Monark.
Tabata
Amaral
— Vamos falar de Holocausto? De que forma?
Monark — Mas era
quando era uma maioria...
Tabata
Amaral
— Gente, vamos falar de atentado. A comunidade judaica no Brasil, até hoje,
tem que se preocupar com sua segurança, porque recebe ameaça... O antissemitismo
tem que ser combatido todos os dias.
Monark — Se você
banir eles de estarem no público, eles vão para o subsolo. E lá eles vão
proliferar de um jeito muito mais eficiente.
Tabata
Amaral
— Na verdade, não. Por que a gente criminaliza o racismo? Porque a pessoa
vai pensar antes de falar uma merda. O que tem crime então, seu argumento não
serve. O que é crime tem que ser criminalizado. É anarquia, né? Não tem
que ter lei, não tem que ter...
Monark
interrompe o raciocínio de Tabata e diz:
Monark — Eu acho que
dentro da expressão a gente tem que liberar tudo, diz ele.
Tabata
Amaral
— Não. (A liberdade de expressão) termina onde fere a liberdade do outro. A
existência do outro. Diz Tabata.
Monark — O que é
liberdade do outro? Injúria é liberdade do outro?
Tabata
Amaral
— Não. A gente já concordou que isso não. Eu tô falando de existência. A
existência do partido nazista fere a existência da comunidade judaica, por
exemplo. Insiste a deputada no mesmo raciocínio.
Monark
rebate a deputada com mais uma barbaridade.
Monark — A questão é:
Se o cara quiser ser um antijudeu, ele tem o direito de ser.
Tabata
Amaral
— Eu acho que não, diz Tabata.
Monark — Como não?
Você vai matar quem é antijudeu?
Tabata
Amaral
— Anti-vida de outra pessoa, não. Enfatiza Tabata.
Monark — Não, ele não
tá sendo antivida. Ele não gosta dos ideais...
Tabata
Amaral
— Judaísmo não é um sistema de ideais. Judaísmo é uma identidade. É uma
religião. É uma raça.
Monark — Mas ele é
também um sistema de ideais.
Tabata
Amaral
— Sim, mas quem é antijudeu não está dizendo assim: discordo dessa parte porque
Abraão disse. Tá questionando a existência daquela pessoa como um todo.
Monark — Mas essa é a
questão. Questionar é sempre válido.
Tabata
Amaral
— Questionar existência nenhuma é válida.
Monark — Você pode
questionar o que você quiser. Desde que você não fira ninguém. A discussão
segue a respeito de liberdade de expressão.
Deputado Federal Kim Kataguiri
Pouco
mais à frente o deputado Kim Kataguiri diz:
Kim
Kataguiri
— O que eu defendo que acredito que o Monark também defenda, é que por mais
absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que o sujeito defenda, isso
não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia
antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz naquela
ideia, para ela seja rechaçada socialmente e então socialmente rejeitada.
A
discussão segue com a opinião sensata da deputada Tabata Amaral em contraponto
com as ideias toscas de Monark e do deputado Kim Kataguiri.
Em
outro momento da discussão, o deputado diz:
Kim
Kataguiri
— Qual é a melhor maneira de impedir que um discurso mate pessoas, incentive
o assassino a pessoas, incentive que determinado grupo religioso,
étnico-racial, morra, é criminalizar, ou é deixar que a sociedade tenha uma
rejeição social pesada o suficiente nisso.
É
quando Tabata Amaral faz uma pergunta crucial:
Tabata
Amaral
— Kim, você acha que é errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo?
Kim
Kataguiri
— Acho
Tabata
Amaral
— Qual a resposta que você dá para todas as famílias judaicas que perderam
pessoas no holocausto?
Monark — Cultura.
Intervém Monark.
Após
essa pequena e desastrada intervenção do apresentador, o deputado responde à
pergunta da colega.
Kim
Kataguiri
— A rejeição sistemática e fundamental aos negócios, a religião, ao discurso
nazista...
Tabata
Amaral
— Então, se o nazismo não está proibido, tudo isso pode começar novamente.
Deputada Federal Tabata Amaral
Enfim,
caros leitores e leitoras a discussão prossegue nesse nível por cerca de dez
minutos no mesmo teor do que já foi exposto acima.
O
programa Flow daquela noite de 7 de setembro, e as opiniões toscas do
apresentador Monark e do deputado Kim Kataguiri caíram na sociedade como uma
bomba incendiária, como aquelas que os aliados jogaram sobre cidades alemãs já
perto do fim da 2a guerra mundial.
Bastou
apenas vinte e quatro horas para que o Flow fosse do aplauso às vaias,
culminando na maior crise já enfrentanda desde o início do programa.
Patrocinadores de marcas famosas que anunciavam no programa retiraram seus
patrocínios. A comunidade judaica condenou veemente as falas, os pontos de
vistas defendidos no programa. A embaixada alemã também criticou as ideias
defendidas no programa. A empresa afastou o Monark do programa e da sociedade
empresarial. O programa exibido pelo Flow naquele dia foi retirado do ar.
O
Flow é um dos programas de maiores sucessos no Youtube com mais de 3,5 milhões
de seguidores, e a estimativa de ganhos em janeiro com as propagandas
veiculadas no programa eram de 35 mil dólares.
A
fala da atriz americana e apresentadora do programa, The view, foi altamente
equivocada. Ao dizer que o racismo não foi sobre raça, Whoopi
Goldberg, de certa forma, minimiza a questão. Ao contrário, o racismo foi
totalmente baseado na questão racial.
Judeus sobreviventes do holocausto
Segundo
a mente doentia de Hitler e de seus asseclas sedentos de poder os judeus eram responsáveis
por tudo de ruim que acontecia no mundo. Para eles, o povo judeu era o
responsável pela Primeira Guerra Mundial, e depois, os responsáveis pela Segunda
Guerra Mundial. E também pelo ciclo econômico ruim que a Alemanha atravessou
logo após a Primeira Guerra. Além disso, era preciso que a Alemanha, e países europeus
a ela anexados por Hitler, tivessem espaço apenas para a raça ariana, a raça
pura. E os judeus estavam longe disso. Para Hitler, eles representavam a
imundície, e tudo o que há de pior no mundo. Uns vermes.
Era
preciso exterminá-los. Todos os judeus deveriam ser exterminados. Desde a década
de 20 que as ideias antissemitas vinham sendo disseminadas na Alemanha. A história
destaca bastante o sofrimento e o assassinato dos judeus nos campos de
concentração durante a Segunda Guerra Mundial, porém, devemos ter em mente que
o sofrimento do povo judeu começou bem antes disso.
A
tortura para o povo judeu começou quando Hitler chegou ao poder em 1933. Depois
disso, os judeus não tiveram mais um minuto de sossego em suas vidas. Começou
com boicotes a suas lojas, depois foram confiscados seus bens. O horror era tão
grande que os nazistas obrigavam os judeus, a quem consideram vermes, parasitas,
a cavar buracos, fuzilando-os em seguida para que caíssem dentro da própria
cova que cavaram. Tiro após tiro, corpo de judeu em cima de corpo judeu, e eles
iam enchendo as covas. Realmente, um espetáculo deprimente.
Depois,
para “facilitar” o trabalho dos alemães no extermínio da raça judia, eles inventaram
as fábricas de matar gente, que a gente conhece como campos de concentração. Outros
que não passaram pelas fábricas da morte, pereciam em guetos onde eram
obrigados a ficar reunidos aos milhares, vigiados por homens da SS, sem
as menores condições de higiene, de alimentação, e de saúde. Eles também eram obrigados
a trabalhos forçados nos quais trabalhavam até a morte, pois não aguentavam
tanto sofrimento e falta de condições de trabalho.
Não
dá para falar de nazismo e de Hitler sem falar de seu ministro da Propaganda Paul
Joseph Goebbels. Goebbels era o responsável pela divulgação de notícias falsas,
que hoje chamamos de fake news e, através de uma máquina de propaganda bem
montada ia disseminando na sociedade alemã, as ideias antissemitas do partido.
Por
tudo isso, toda fala que exalta e defenda o nazismo deve ser amplamente
rechaçada para que nunca mais a humanidade possa reviver aquelas páginas
escritas com sangue inocente, não apenas de judeus, mas de ciganos, negros, homossexuais,
pessoas com deficiência, e todos aqueles que não fossem considerados perfeitos
pelos nazistas.
Nos
Estados Unidos, a Whoopi Goldberg, já voltou a apresentar o programa depois de
duas semanas de suspensão. Esperamos que tenha aproveitado os dias de “férias”
para refletir sobre a questão.
Aqui
no Brasil, o Ministério Público Federal abriu uma investigação para verificar
se o ex-apresentador do Flow, Monark, e o deputado estadual Kim Kataguiri cometeram
crime de apologia ao nazismo.
Monark
e Igor apresentadores do Flow muitas vezes foram inconsequentes, se comportando
como se estivesse na mesa de uma mesa de botequim, expondo ideias toscas e
preconceituosas. Quem sabe agora tenha aprendido a lição de que um comunicador
sério não pode sair por aí falando o que quer e bem entende, e que, por trás de
um microfone, de um computador, ou de uma máquina de escrever, há alguém com uma
grande responsabilidade: A responsabilidade de não ferir nem magoar o outro, e
nem fazer apologia ao crime.
Quem
sabe agora, o deputado e o apresentador se conscientizem de que a fronteira
entre a liberdade de expressão e a defesa de ideologias criminosas é muito
tênue.
Para
finalizar, deixo o vídeo com o programa do Flow, que encontrei em outro canal.
Vale a pena assistir.
https://www.youtube.com/watch?v=x7WTUMNpn5I
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