Sinais à beira do caminho
Segunda-feira,
10 de janeiro de 2022
Há certos fatos, certos acontecimentos que formam uma imagem tão forte em nosso
imaginário que nem precisamos estar presentes ao local e ao momento em que
ocorreram para que elas se tornem recorrentes em nossa mente. Nos colocamos em
uma atitude de empatia em relação àqueles que foram protagonistas dos eventos,
e ficamos imaginando o que pensaram aquelas pessoas que sabiam que estavam
presenciando seus últimos de vida terrena.
É
o caso do maior desastre natural do milênio, ocorrido no mar do norte da
Indonésia e em parte do Sudeste Asiático. Eram quase 8hs da manhã do dia 26 de
dezembro de 2004. Naquela região ocorreu um terremoto de grande magnitude que
atingiu 9,1 na escala Richter. As pessoas se assustaram um pouco, mas não
chegaram a ficar em pânico, nem entraram em desespero. Passado o susto, a vida
seguiu seu curso.
O
dia corria normal. Pessoas iam e vinha dos seus trabalhos. À beira-mar,
turistas aproveitavam para tomar um gostoso banho de mar. Outros, sentados na
areia da praia perdiam seu olhar na imensidão do horizonte. Muitos haviam
ficado nas pousadas e hotéis nos quais estavam hospedados, descansando um
pouco.
Foi
então que, por volta das 10hs da manhã, o pior aconteceu. O forte terremoto
fora apenas o prenúncio do horror que se seguiria. O mar pareceu recuar quilômetros deixando
atrás de si muitos peixes espalhados pela areia. Alguns vendedores ambulantes
brincaram com a situação dizendo que a pesca seria fácil. Quando a água voltou,
um vendedor ambulante percebeu de imediato a gravidade do momento, e saiu
correndo, dizendo aos que estavam próximos que se afastassem da praia o mais
rápido possível.
As águas do mar, que haviam recuado, formaram um tsunami, e avançaram em direção à terra com fúria, em forma de grandes ondas que pareciam monstros sedentos e vorazes. As grandes ondas seguiam velozes engolindo pessoas, carros, prédios, animais, objetos e tudo o mais que encontravam pela frente.
Bastaram
apenas cerca de duas horas para que ondas gigantescas e com a velocidade de um
trem bala atingissem dez países, matassem cerca de 230 mil pessoas — a maioria
delas na Indonésia — e deixassem atrás de si um rastro de morte e destruição.
Outra
cena que nunca se apagará de nossas memórias é o fatídico 11 de setembro de 2001, quando dois aviões sequestrados por terroristas se jogaram
contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos. O ato
terrorista deixou cerca de 3.000 mortos.
Muitas
pessoas que estavam naquele prédio morreram, sem nem ao menos saber o que
acontecera. Porém, muitas outras viram o avião se aproximando pela janela,
testemunhando com os próprios olhos o desastre iminente, milhares de outras
viram as chamas se aproximarem, devastadoras. E os que estavam dentro dos
aviões? Esses sabiam o tempo todo que estavam sendo guiados para a morte.
O
que pensaram aquelas pessoas? O que sentiram, sabendo que estavam se despedindo
da vida?
E
o que dizer dos funcionários que, no início da tarde de 25 de janeiro de 2019
estavam almoçando em um restaurante da mineradora Vale do Rio Doce, na barragem de Brumadinho, Minas Gerais, quando a barragem se rompeu? Eles estavam em meio
a um vale, com certeza, ouviram o estrondo provocado pelo rompimento da
barragem, e viram o mar de lama avançar ameaçador e veloz. Mas o que fazer se,
mesmo que corressem dali o mais rápido que pudessem, ainda assim seriam
engolidos pelo mar de lama que seguiu veloz, destruindo, simultaneamente, vidas
e meio ambiente? A tragédia deixou 262 mortos e provocou danos ambientais sem
precedentes.
Neste
sábado, 08 de janeiro, o Brasil viveu mais uma tragédia cujas imagens são
impressionantes. O palco foi o lago de Furnas, no município de Capitólio,
centro-oeste de Minas Gerais.
O
lago artificial da represa de Furnas é um dos maiores lagos artificiais do
planeta. Um ousado trabalho no qual o homem mostrou que é possível fazer nascer
um rio onde antes ele não existia.
São
5,4 mil quilômetros de águas claras e cristalinas. O lago corre por
entre paredões de pedra, os famosos cânions. A beleza do lugar atrai
turistas de várias partes do Brasil que para lá vão buscar um pouco de paz e
diversão, fugindo da correria das cidades.
Não
foi diferente nesse fim de semana. Vários turistas acorreram ao lugar para
desfrutar das belezas naturais por ele proporcionadas, apesar de ter
chovido na região em dias anteriores.
Na
sexta-feira, 07, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), havia
emitido alerta de chuvas intensas, que durariam até a manhã de sábado. No
sábado, foi a vez da Defesa Civil emitir alerta sobre a possibilidade de chuvas
intensas na região, e até mesmo ocorrências do fenômeno conhecido
como “cabeça d’água”, que nada mais é que o aumento repentino no nível de um
rio, provocado por chuvas intensas nas cabeceiras dele, ou em suas partes mais
altas.
Ignorando
esses avisos, as empresas que alugam lanchas para esses momentos de lazer
mantiveram os passeios com os turistas. Em meio a muita alegria, as lanchas se
aproximaram de um ponto na base dos cânions por onde descem cachoeiras. È
o ponto preferido pelos visitantes para as sessões de fotos.
Naquele
dia, as águas da cachoeira estavam particularmente aumentadas. Alguns
visitantes, cujas lanchas estavam um pouco mais afastadas do local começam a
notar que as águas da cachoeira começaram a aumentar rapidamente de volume.
Pedras também começaram a se desprender dos cânions. A fenda entre paredes
começou a aumentar. Eles perceberam que o paredão iria cair e tentaram alertar
aqueles que estavam em perigo. Mas foi em vão. O barulho da água, do vento, e
da música que tocava nas lanchas dificultava que qualquer aviso de perigo
chegasse até eles.
De
repente, como se fosse num filme de terror, uma grande rocha do paredão dos
cânions se desprendeu e atingiu em cheio as lanchas que estavam bem
próximas à base, espalhando grande volume de água, pedras. Uma das embarcações
foi atingida em cheio. As pessoas que estavam em outras embarcações foram
arremessadas com força para longe pela força da água. Os condutores que estavam
nas demais embarcações aceleraram, fazendo com que algumas lanchas se chocassem,
lateralmente, umas contra as outras. O clima era de desespero.
A
tragédia deixou 10 mortos. Todos eram conhecidos entre si. Eram familiares e
amigos uns dos outros, e dividiam a mesma embarcação.
Em
todos esses casos, à exceção do caso das Torres Gêmeas, a natureza
deu sinais. No tsunami, na Indonésia, o mar recuou. Em Brumadinho, os sinais de
que a barragem poderia se romper vinham sendo percebidos pelos técnicos, e nada
foi feito. No lago de Furnas não foi diferente: o volume de água na
cachoeira aumentando rapidamente de uma hora para outra, as pedras caindo, a
fenda aumentando.
Em
Brumadinho os técnicos e donos da Vale foram diretamente responsáveis pela
tragédia. O rompimento da barragem nem mercê o nome de acidente, mas
sim de assassinato, uma vez que eles sabiam dos problemas e fragilidades na
estrutura da barragem, e se omitiram.
Em
Capitólio, Minas Gerais, as autoridades municipais deveriam ter um plano de
verificação e de demarcação de áreas de risco e de prevenção de acidentes, bem
como a proibição de passeios no lago em caso de mau tempo.
Depois
do ocorrido é que técnicos e autoridades se reuniram para entender o que
ocorreu, e traçar planos futuros. A propósito, há um ditado popular que diz que
“brasileiro só fecha a porta depois que é roubado”, e ele se aplica bem a esse
caso.
Em
todas essas ocorrências, à exceção da tragédia do World Trade Center,
fica para nós a reflexão de que é preciso estarmos atentos aos sinais dados
pela natureza, pelo tempo, e pelas circunstâncias. A natureza está falando
conosco todos os dias, todas as horas. Uma casa não vem ao chão de uma hora
para outra. Primeiro ela vai apresentando rachaduras, que depois vão se
tornando mais espaçadas, e, se nada for feito, a casa vem abaixo.
Há
pessoas que conseguem prever coisas que ocorrerão muito tempo depois apenas
observando os sinais dados pela natureza. Por exemplo, em 2012, o médico Flávio
Freitas, fazia um passeio de barco pelos cânions no lago de Furna,
quando uma fenda na rocha chamou sua atenção.
“Em
uma dessas viagens, passei por esse local onde houve o acidente, um dos mais
visitados ali em Capitólio, e aquela fenda me chamou atenção, porque realmente
ela é extensa, larga. Visualmente, ela apresentava um aspecto perigoso. Fiz a
foto na ocasião e escrevi: 'Essa pedra vai cair”. disse o
médico, hoje com 52 anos, em entrevista ao jornal O Globo, depois do acidente
ocorrido no último sábado.
Naquela
ocasião, ele chegou a postar no Facebook uma foto da rocha com os dizeres:
“ESSA ´PEDRA VAI CAIR”. Percebam que nem geólogo ele era, mas
conseguiu, através da observação de um fato, prevê um acontecimento que
ocorreria dez anos depois. Se um médico percebeu esse fato, por que não
os geólogos que cuidam da área não perceberam?
O
mesmo também se aplica as tragédias anunciadas que ocorrem todos os anos
durante o período chuvoso em várias partes do Brasil? Por que o poder público
não age realizando obras que impeçam tais acidentes, sabendo que eles se
repetem a cada ano e, praticamente, nos mesmos lugares?
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