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Ecos do passado nas ruas de Ferguson, Missouri

Posted by Cottidianos on 00:29
Quarta-feira, 26 de novembro


Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele,
por sua origem ou ainda por sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender,
e se podem aprender a odiar,
podem ser ensinadas a amar”.

(Nelson Mandela)





As cenas de revolta de uma imensa maioria negra contra uma polícia majoritariamente branca, que tem por cenário o subúrbio de Saint Louis, no Missouri devido ao assassinato do jovem negro, Michael Brown, pelo policial branco Darren Wilson, 28, têm feito os americanos empreenderem uma desagradável volta a um passado que eles gostariam de ver esquecido. 

Era sábado, 09 de agosto deste ano. Dois jovens negros e amigos, Dorian Johnson, 22, e Michael Brown, 18 andavam a pé pelas ruas de Ferguson. Os dois iam até a casa da avó de Michael, quando os tristes fatos se sucederam.

Michael, que estava desarmado, e com as mãos erguidas em posição de rendição, foi morto a tiros por Darren. Brown não possuía antecedentes criminais. O assassinato acabou por desencadear por todo o país as mais diferentes formas de reações: manifestações pacíficas, protestos violentos, manifestos sociais e exigência para que o caso fosse investigado e os responsáveis investigados e punidos. Era o que se esperava.

Os protestos, em agosto, contra o assassinato do jovem e, agora, pela decisão da justiça de não processar o policial, reabrem chagas abertas na década de 60, quando da luta pelos direitos civis, que tiveram como palco, várias cidades americanas. De lá para cá a discriminação foi superada, e a chegada de Obama à Casa Branca, veio coroar de êxito essa luta. Porém, após esses episódios a que temos assistido pelos noticiários, fica a pergunta? Será mesmo que essa questão racial na terra do Tio Sam, está mesmo consolidada? Ou será que ainda existem pontos a serem revistos ou feridas a serem curadas?

No caso da cidade do Missouri onde os fatos aconteceram, dois terços da população é negra, entretanto, a maioria dos cargos na política e na polícia são ocupados, em sua grande maioria, pelos brancos. Infelizmente, essa não é uma realidade apenas do Missouri. É um caso a se pensar. Quem sabe a intensidade das manifestações que ocorrem em Ferguson, e em todo o país não se torne o detonador de uma nova consciência de que a igualdade é necessária em toda a sua totalidade para que uma nação seja realmente livre e seu povo feliz?

Fatos como o que aconteceram na cidade do Missouri, também ocorrem constantemente aqui no Brasil. Volta e meia, nos deparamos nos noticiários com a notícia de que policiais espancaram e assassinaram indivíduos, na imensa maioria das vezes, negros e pobres. Há protestos, porém eles costumam ficar restritos às áreas na qual o fato aconteceu. Nos Estados Unidos, os protestos, geralmente, costumam ser mais fortes e generalizados quando acontecem essas coisas, pois a nação sabe, muito bem, o que é viver sob a terrível marca da segregação racial. A sociedade brasileira nunca teve leis que institucionalizasse e legalizassem a segregação, consequentemente, não sabe o quão desagradável e sofrido é viver sob um regime segregacionista e, por não ter passado por essa experiência, cala-se diante de injustiças semelhantes cometidas pela polícia brasileira. Claro, houve a epoca do cativeiro, mas vivia-se sob um regime escravista. Via-se, com bastante naturalidade, que os negros fossem submissos aos brancos e como se não pudesse ser de outro modo. Não se faziam leis que legalizassem a escravidão pois ela já era, em si mesma, um processo natural.

Abaixo, compartilho matéria publica no Jornal El País - Brasil

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Decisão sobre caso Michael Brown desencadeia graves distúrbios nos EUA

Justiça decidiu não processar o policial que matou um jovem negro desarmado em agosto

JOAN FAUS

O policial que em agosto matou o jovem afro-americano desarmado Michael Brown, em Ferguson (Missouri), vai continuar em liberdade e não enfrentará processo judicial. A decisão desencadeou uma nova onda de turbulência na cidade, com pelo menos uma dúzia de incêndios, lançamentos de pedras e depredações de janelas e veículos. Vinte e nove pessoas foram presas até esta terça-feira, segundo Jon Belmar, o chefe de polícia do condado de Ferguson, que considerou os novos distúrbios “piores que a pior noite de agosto”, aludindo aos incidentes ocorridos depois da morte de Brown.

Na noite desta segunda-feira, depois de três meses de deliberações, a Promotoria finalmente anunciou a decisão de um grande júri – formado por nove brancos e três negros – sobre a morte de Michael Brown, 18 anos, por disparos feitos pelo policial branco Darren Wilson, de 28, num subúrbio de Saint Louis, no meio-oeste dos Estados Unidos. O grande júri decidiu não indiciar Wilson porque considerou que não existem provas suficientes para processá-lo pelo assassinato. O policial está em liberdade e continua a receber seu salário desde o incidente, que desencadeou uma das maiores ondas de protestos raciais das últimas décadas nos Estados Unidos.

Houve protestos pacíficos em várias outras cidades do país, um deles diante da Casa Branca, em Washington. Alguns manifestantes denunciaram o uso de gás lacrimogêneo por policiais, mas a polícia de Saint Louis, em sua conta do Twitter, assegurou estar usando apenas “fumaça” para dispersar os manifestantes. De acordo com a Reuters, a polícia informou que foram feitos repetidos disparos de arma automática em uma área de Ferguson.

Toda a área de Ferguson estava sob alerta máximo na noite de segunda-feira, com o FBI e a Guarda Nacional preparados para intervir se os protestos se convertessem em tumultos violentos como os que esta cidadezinha viveu após a morte de Michael Brown, em 9 de agosto. Como “medida de precaução”, segundo as autoridades, o aeroporto de Saint Louis foi fechado e não foram autorizados pousos.

Os distúrbios começaram pouco depois de o promotor público do condado de Saint Louis, Robert McCulloch, ter explicado que o júri, composto por 12 cidadãos, é a única entidade que teve acesso a todas as provas relativas à morte de Michael Brown. O júri se reuniu durante 25 dias, ouviu mais de 70 horas de entrevistas e depoimentos de 60 testemunhas e estudou cinco possibilidades para o indiciamento do policial Wilson, desde homicídio em primeiro grau até homicídio involuntário. Concluídas as deliberações, os jurados decidiram que Wilson não poderia ser processado por nenhuma dessas acusações.

Minutos depois do anúncio da decisão do júri, a família de Michael Brown divulgou um comunicado. “Estamos profundamente decepcionados porque o assassino de nosso filho não vai enfrentar as consequências de seus atos”, disse a família, pedindo aos cidadãos de Ferguson que “usem sua frustração para contribuir para uma mudança positiva”. “Responder à violência com mais violência não é apropriado. Não façamos barulho. Demonstremos a diferença.”



A decisão de não indiciar Wilson era esperada por muitos em Ferguson devido ao vazamento de dados da investigação a jornalistas e aos preparativos intensivos feitos pela polícia, escolas e estabelecimentos comerciais diante da previsível onda de indignação que seria desencadeada por um veredito como este. O medo que se tem na região de Saint Louis é que os protestos sejam ainda mais intensos do que os que houve nas duas semanas após a morte de Brown, em 9 de agosto. Desde então vêm tendo lugar pequenas manifestações esporádicas. Em Ferguson, a expectativa da decisão do grande júri era enorme.

McCulloch relatou que a proliferação de rumores e testemunhos não confirmados nas horas e nos dias seguintes à morte de Brown dificultaram seriamente a investigação. Depois de informar a decisão do júri, o promotor público repassou detalhadamente os minutos que antecederam a morte de Brown, desmentindo as declarações de várias testemunhas, e ajustando o relato às provas obtidas na investigação, como a presença de DNA de Brown dentro do veículo do policial e sua pistola.

O clima de expectativa era enorme. Em Ferguson, cidade de 21.000 habitantes, a maioria da população é negra, mas a Prefeitura, a polícia e o órgão que rege as escolas são dominados por brancos. A morte de Brown levou centenas de afro-americanos, reunidos num pequeno trecho de uma avenida comercial, a protestar contra o que consideram ser um longo histórico de discriminação racial da polícia. As mobilizações foram pacíficas, mas um grupo pequeno entrou em choque com policiais antimotim, que dispararam balas de borracha e lançaram gás lacrimogêneo.

Michael Brown morreu no horário de almoço de um sábado, atingido por pelo menos seis disparos de Wilson, quando andava numa rua residencial com um amigo. A polícia afirma que houve uma luta para tentar agarrar a arma do policial, mas o amigo que acompanhava Brown diz que este ergueu os braços em sinal de rendição.

No sistema de justiça norte-americano, o grande júri é o encarregado de decidir se existem provas suficientes para indiciar criminalmente uma pessoa. Neste caso, o júri foi composto por nove pessoas brancas e três negras. Desde o início das deliberações, a família de Michael Brown, grupos de defesa dos direitos civis e manifestantes pediam que o promotor McCulloch fosse afastado da direção do caso. Ele é questionado por ser branco e filho de um policial assassinado por um negro.

Ferguson e seus arredores tinham se preparado para o risco de uma nova explosão de revolta se Wilson não fosse indiciado. Muitas das lojas na avenida em que aconteceram os protestos de agosto protegeram suas fachadas com tábuas de madeira, temendo ser atacadas e saqueadas, como aconteceu três meses atrás. E a sede do complexo judicial onde o grande júri se reuniu está protegida com cercas desde sábado.

A polícia foi treinada para controlar protestos civis e aumentou seu estoque de materiais para conter distúrbios. O FBI enviou cem agentes a título de reforço. E o governador do Missouri declarou estado de emergência para poder mobilizar a Guarda Nacional, a milícia militar do Estado, em caso de incidentes, como foi feito em agosto.

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