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Entrevista de Marina Silva ao Jornal Nacional

Posted by Cottidianos on 00:44
Quinta-feira, 28 de agosto

A morte do candidato  à  Presidência da República, Eduardo Campos, do PSB,  e de seus principais assessores, causou grande comoção nacional, principalmente, em Recife, sua terra natal.  O fato trágico causou uma reviravolta na corrida à presidência. Depois dos funerais, o partido oficializou a candidatura de Marina Silva, como candidata a presidente. Marina era vice na chapa de Eduardo.  Para a vice-presidência na chapa foi oficializado o nome de Beto Albuquerque, líder da bancada na Câmara dos Deputados. Logo na primeira reunião para discutir os rumos da campanha, houve desavenças entre Marina e Carlos Siqueira. Siqueira é Secretário Geral do Partido e era o coordenador da campanha do PSB. A ideia de Marina era a de que Carlos Siqueira dividisse a coordenação da campanha com o deputado licenciado Walter Feldman (SP). Siqueira não concordou com a ideia e deixou a coordenação da campanha. Para o lugar dele o partido ratificou o nome da deputada Luísa Erundina.

Pesquisa recente do IBOPE, mostra que Marina ultrapassou o candidato Aécio Neves na disputa pelo segundo turno das eleições presidenciais. A pesquisa aponta ainda que em um segundo turno, Marina venceria Dilma Rousseff.

Após o acidente, permaneceram dois mistérios: o que realmente aconteceu com o avião em que viajava o presidenciável e que eram os verdadeiros donos da aeronave. O segundo mistério começar a ser esclarecido e vem confundir mais que explicar a situação. Surgem denuncias de que os donos da aeronave são “fantasmas”.  Um inquérito que está sendo conduzido pela Polícia Federal revela que o avião custou o valor de R$ 1,7 milhões de reais. Para efetuar esse pagamento foram feitas 16 transferências bancárias, por seis CNPJs diferentes.  O problema é que entre os pagantes há empresas fantasmas, cujos endereços declarados são falsos e se desconhece quem sejam os seus proprietários.

Foi em meio a essa avalanche de fatos e situações novas que Marina Silva enfrentou o bombardeio de perguntas de William Bonner e Patrícia Poeta, no Jornal Nacional desta quarta-feira.

Abaixo, compartilho o texto da entrevista com Marina Silva na bancada do Jornal Nacional.


***



Marina Silva é entrevistada no Jornal Nacional

A candidata do PSB à Presidência da República foi entrevistada ao vivo, na bancada do JN, por William Bonner e Patrícia Poeta.

O Jornal Nacional dá sequência à série de entrevistas com os principais candidatos à Presidência da República, em que nós abordamos questões polêmicas das candidaturas e o desempenho deles em cargos públicos. O Bom Dia Brasil e o Jornal da Globo também vão receber os candidatos nas próximas semanas.

O tempo total da nossa entrevista é de 15 minutos, dos quais nós reservamos, mais uma vez, o último minuto e meio para que o candidato fale resumidamente sobre os projetos que ele considera prioritários se for eleito. E hoje nós recebemos Marina Silva, do PSB.
William Bonner: Boa noite, candidata.

Marina Silva: Boa noite, William. Boa noite, Patrícia.

William Bonner: Muito obrigado pela sua presença. O tempo da entrevista começa a ser contado a partir de agora. Candidata, o avião que o PSB vinha utilizando na campanha eleitoral, até aquele acidente trágico de duas semanas atrás, está sendo investigado pelas autoridades competentes. Ele foi objeto de uma transação milionária feita por meio de laranjas. Essa transação não foi informada na prestação de contas prévia, parcial, à Justiça Eleitoral. A senhora tem dito que vai inaugurar uma nova forma de fazer política, que todo político tem que ter certeza absoluta da correção de seus atos. No entanto, a senhora usou aquele avião como teria feito qualquer representante daquilo que a senhora chama de velha política. Eu lhe pergunto: a senhora procurou saber que avião era aquele, quem tinha pago por aquele avião, ou a senhora confiou cegamente nos seus aliados?

Marina Silva: Nós tínhamos, William, uma informação de que era um empréstimo, que seria feito um ressarcimento, num prazo legal, que pode ser feito, segundo a própria Justiça Eleitoral, até o encerramento da campanha. E que esse ressarcimento seria feito pelo comitê financeiro do candidato. Existem duas formas, três formas, aliás, de fazer o provimento da campanha: pelo partido, pelo comitê financeiro do candidato e pelo comitê financeiro da coligação. Nesse caso, pelo comitê financeiro do candidato. Essas informações eram as informações que nós tínhamos.

William Bonner: A senhora sabia dos laranjas? Essa informação foi passada para a senhora como candidata a vice-presidente?

Marina Silva: Não tinha nenhuma informação quanto a qualquer ilegalidade referente à postura dos proprietários do avião.

William Bonner: Eu lhe pergunto isso...

Marina Silva: As informações que tínhamos eram exatamente aquelas referente à forma legal de adquirir o provimento desse serviço. Agora, uma coisa que eu quero dizer para todos aqueles que estão nos acompanhando é que, para além das informações que estão sendo prestadas pelo partido, há uma investigação que está sendo feita pela Polícia Federal. E o nosso interesse e a nossa determinação é de que essas investigações sejam feitas com todo o rigor para que a sociedade possa ter os esclarecimentos e para que não se cometa uma injustiça com a memória de Eduardo.

William Bonner: Candidata, quando os políticos são confrontados ou cobrados por alguma irregularidade, é muito comum que eles digam que não sabiam, que foram enganados, que foram traídos, que tudo tem que ser investigado, que se houver culpados, eles sejam punidos. Este é um discurso muito, muito comum aqui no Brasil. E é o discurso que a senhora está usando neste momento. Eu lhe pergunto: em que esse seu comportamento difere do comportamento que a senhora combate tanto da tal velha política?
Marina Silva: Difere no sentido de que esse é o discurso que eu tenho utilizado, William, para todas as situações. Inclusive quando envolve os meus adversários. E não como retórica, mas como desejo de quem de fato quer que as investigações aconteçam. Porque o meu compromisso e o compromisso de todos aqueles que querem a renovação da política é com a verdade. E a verdade, ela não virá nem apenas pelas mãos do partido e nem, também, apenas pela investigação da imprensa. Que eu respeito o trabalho de vocês. Ela terá que ser aferida pela investigação que está sendo feita pela Polícia Federal. Isso não tem nada a ver com querer tangenciar ou se livrar do problema. Muito pelo contrário, é você enfrentar o problema para que a sociedade possa, com transparência, ter acesso às informações.

William Bonner: Candidata...

Marina Silva: O compromisso é com a verdade.

William Bonner: Agora, é que a senhora tem uma postura bem rigorosa no que diz respeito à ética, no discurso, quando a senhora se dirige aos seus adversários. Esse rigor ético que a senhora exige dos seus adversários nos faz perguntar e insistir se a senhora antes de voar naquele avião não teria então deixado de fazer a pergunta obrigatória se estava tudo em ordem em relação àquele voo. Não lhe faltou o rigor que a senhora exige dos seus adversários?

Marina Silva: O rigor é tomar as informações com aqueles que deveriam prestar as informações em relação à forma como aquele avião estava prestando serviço. E a forma como estava prestando serviço era por um empréstimo que seria ressarcido pelo comitê financeiro. Agora, em relação à postura dos empresários, os problemas que estão sendo identificados agora pela imprensa, e que com certeza serão esclarecidos pela Polícia Federal, esses, eu, como todos os brasileiros, estou aguardando. E com todo rigor. Eu não uso, William, de dois pesos e duas medidas. Não é? A métrica, a régua com que eu meço os meus adversários, é porque eu a uso em primeiro lugar comigo. E, neste momento, o meu maior interesse é de que tenhamos todos os esclarecimentos. Agora, uma coisa eu te digo: a forma como o serviço estava sendo prestado era exatamente esse do empréstimo, para que depois tivéssemos a forma de ressarcimento pelo comitê financeiro.

Patrícia Poeta: Ok. Candidata, vamos falar agora das eleições de 2010. A senhora obteve uma votação expressiva. Foram quase 20 milhões de votos. Mas o seu desempenho no seu estado, o Acre, onde a senhora fez toda a sua carreira política, onde as pessoas conhecem muito bem a sua forma de atuação e onde suas ideias e as suas ações são de conhecimento amplo por parte dos eleitores, a senhora tirou terceiro lugar. Ficou com metade dos votos do primeiro colocado, o então candidato pelo PSDB, José Serra. Ou seja, o eleitor acreano votou pesadamente na oposição ao governo federal. Aos eleitores dos outros estados do país que não a conhecem tão bem, como é que a senhora explicaria essa desaprovação clara no seu berço político?

Marina Silva: Em primeiro lugar é que esse terceiro lugar não estava tão distante do segundo. Eu fiquei muito próxima do segundo lugar, que foi a presidente Dilma.

Patrícia Poeta: Sim, mas foi metade do primeiro.

William Bonner: Metade do primeiro.

Patrícia Poeta: Metade do primeiro. Eu tenho aqui os números: 23,45%, a senhora; 52,13%, José Serra.

Marina Silva: Tem uma coisa, Patrícia, que até é um provérbio que a gente usa muito: é muito difícil ser profeta em sua própria terra. Sabe por quê? Porque, às vezes, a gente tem que confrontar os interesses. Eu venho de uma trajetória política que, desde os meus 17 anos, eu tive que confrontar muitos interesses no meu estado do Acre ao lado de Chico Mendes, ao lado de pessoas que se posicionaram ao lado da Justiça, da defesa dos índios, dos seringueiros, da ética na política. Isso fez com que eu tivesse que seguir uma trajetória que não era o caminho mais fácil. Aliás, na minha vida, nunca é fácil, não é? E, nesse caso, eu era candidata por um partido pequeno, em que...

Patrícia Poeta: Candidata...

Marina Silva: Não, mas deixa eu esclarecer...

Patrícia Poeta: Então tá, conclua aí para que a gente possa seguir aqui e fazer outras perguntas.

Marina Silva: Exatamente.

Patrícia Poeta: É justo com o telespectador.

Marina Silva: Por um partido pequeno, concorrendo contra duas máquinas muito poderosas, com 1 minuto e 20 segundos de televisão. E, mesmo assim, a candidata do PT, que tinha o governo do estado, senadores, deputados, vereadores, prefeitos... Eu fiquei muito próxima a ela. E isso...

Patrícia Poeta: O que eu estou querendo dizer é o seguinte: o berço político de um candidato é onde ele é mais conhecido pelos eleitores. Isso pode ser uma enorme vantagem para um candidato ou não. No seu caso não foi. Não seria como se os acreanos estivessem dizendo uma variação daquele velho ditado: “Quem não a conhece que vote na senhora”?

Marina Silva: Talvez você não conheça bem a minha trajetória.

Patrícia Poeta: Conheço, conheço, conheço, candidata. Nós estudamos bastante antes de fazer essa entrevista.

Marina Silva: Eu, como senadora... Mas eu faço questão de dizer porque eu acho que você tem um certo desconhecimento do que que significa ser senadora vindo da situação que eu vim. Eu não sou filha de político tradicional, não sou filha de nenhum empresário, porque, no meu estado, até a minha eleição, para ser senador da República, era preciso ser filho de ex-governador, era preciso ser filho de alguém que tivesse, de preferência, um jornal, uma TV e uma rádio para falar bem de si mesmo e falar mal daqueles que ficavam defendendo a Justiça.

Patrícia Poeta: A culpa é dos acreanos então?

Marina Silva: Não, não é culpa dos acreanos. É culpa das circunstâncias. Os acreanos foram muito generosos comigo em muitas vezes. Eu já cheguei a ficar quatro anos sem poder andar na metade do meu estado. Sabe por quê? Porque queriam fazer uma estrada sem estudo de impacto ambiental, sem respeitar terras dos índios e as unidades de conservação. E eu não podia trocar o futuro das futuras gerações pelas próximas eleições.
William Bonner: Candidata...

Marina Silva: Eu preferi pagar o preço de até perder os votos, mas lembra quando eu saí do Ministério do Meio Ambiente, que eu disse que eu perdia o pescoço, mas não perdia o juízo?

William Bonner: Vamos falar da sua chapa, candidata?

Marina Silva: Essa foi a minha trajetória no estado do Acre, essa tem sido a minha trajetória no Brasil e é assim que eu quero governar o Brasil.

William Bonner: Candidata.

Marina Silva: Fazendo aquilo que é necessário para as futuras gerações.

William Bonner: Candidata, me permita interrompê-la...


Marina Silva: E não o que é necessário para ganhar voto para as próximas eleições.

Patrícia Poeta: Daqui a pouquinho a senhora vai poder falar no um minuto e meio.

William Bonner: Me permita interrompê-la só para gente prosseguir com a entrevista. Queria falar sobre a sua chapa.  O vice na sua chapa: Beto Albuquerque. Ele foi um dos principais articuladores no Congresso Nacional da aprovação da medida provisória que aprovou o cultivo da soja transgênica aqui no Brasil. Ele também foi favorável a pesquisas com células-tronco embrionárias, são dois pontos em que eles se opõem a posições suas do passado. Além disso, ele aceitou doações de campanha - quando candidato - de setores da economia que a senhora não admitiria, setor de fabricantes de armas, fabricantes de bebidas. Esses exemplos não mostram que Marina e Beto Albuquerque são a união de opostos, aquela união de opostos tão comum na velha política, apenas para viabilizar uma chapa, para viabilizar uma eleição. O que que há de novo nessa política, candidata?

Marina Silva: Em primeiro lugar, mais uma vez eu quero trazer as informações para que a gente possa trabalhar com a realidade dos fatos. Uma questão fundamental: nós somos diferentes e a nova política sabe trabalhar na diversidade e na diferença. Agora, o fato do Beto ter uma posição diferente da minha em relação a transgênico em um aspecto. Há uma lenda de que eu sou contra os transgênicos. Mas isso não é verdade. Sabe o que que eu defendia quando era ministra do Meio Ambiente? O modelo de coexistência, o que significa áreas com transgênico e áreas livres de transgênico. Infelizmente no Congresso Nacional não passou a proposta do modelo de coexistência. E o Beto votou na proposta que acabou fazendo com que...

William Bonner: Mas na questão das células embrionárias há uma oposição forte...

Marina Silva: Nas células...

William Bonner: Mas eu lhe pergunto.  Veja se eu entendi: quando a união de opostos se dá com a senhora e alguém, então isso é uma união em prol do Brasil, é a superação de divergências. Quando essa união de opostos se dá com adversários seus, aí é o modelo da velha política, é uma conveniência eleitoral.

Marina Silva: Mais uma vez, William, eu quero dizer que você está trabalhando apenas com um lado da moeda.

William Bonner: Por quê?

Marina Silva: Você está trabalhando com o lado das diferenças que eu e Beto temos no episódio das células-tronco, que ele defende...

William Bonner: Não, não. Estou confrontando apenas com posições que a senhora tem assumido sobre a nova política em oposição à velha política. E não está clara para mim a diferença quando a gente vê dois candidatos de posições opostas unidos numa chapa. Era só essa a questão.

Marina Silva: Não está claro pra você, mas eu vou deixar claro para o telespectador. Mais uma vez eu insisto: você está apenas com um lado da moeda. Por exemplo, eu e Beto temos uma visão diferente em relação às células-tronco e em relação a transgênico. Mas tivemos um trabalho juntos, no Congresso Nacional, quando ele foi o relator da Lei de Gestão de Florestas Públicas do Ministério do Meio Ambiente, que criou o Serviço Florestal e que me ajudou a aprovar a lei da Mata Atlântica e tantas outras medidas importantes para o Ministério do Meio Ambiente. A vida não tem essa simplificação que muitas vezes a gente acha. Isso não tem nada a ver com velha política. Eu marquei a minha trajetória de vida trabalhando com os diferentes, na diversidade. E aí você está dando a oportunidade de que os telespectadores possam ver que essa história de que a Marina é intransigente.

Patrícia Poeta: Tá faltando um minuto, candidata.

Marina Silva: Que só conversa com aqueles que pensam igual a ela, não é tão verdade assim.

Patrícia Poeta: A senhora agora pode, então, usar esse um minuto e meio e falar com os seus telespectadores: dos projetos que a senhora tem para o país, quais seriam os prioritários?

Marina Silva: Em primeiro lugar, eu gostaria de poder dizer para os nossos telespectadores que um dos projetos mais importantes, neste momento da história do Brasil, é que a gente possa renovar a política. De que a gente não desista de ter na política aquilo que os brasileiros tanto querem, que é vê-la a serviço de resolver os principais problemas do cidadão. Infelizmente, a política tem sido motivo de apartação, de contenda, da luta do poder pelo poder. Para mim, a política deve ser utilizada para unir as pessoas, para que, mesmo com interesses diferentes, a gente seja capaz de mediar os conflitos e fazer aquilo que é melhor para o benefício do povo brasileiro. Como presidente da República, eu quero que você me ajude a ser presidente da República para ser a primeira presidente que vai, que assume o compromisso de que não vai buscar uma nova eleição, porque eu não quero ter um mandato que comprometa o futuro das próximas gerações.

Patrícia Poeta: OK, candidata.

Marina Silva: Eu quero para que a gente possa ter uma agenda para mudar o Brasil.

Patrícia Poeta: OK, 15 minutos já, 15 minutos e 16 segundos. Obrigada pela sua entrevista.

William Bonner: Muito obrigada candidata Marina Silva pela sua participação, pela sua entrevista no Jornal Nacional.




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