Vítimas da própria estupidez
Terça-feira,
21 de setembro
Há
uma passagem do evangelho dos cristãos da qual gosto particularmente. Ela se
encontra em Lucas, 21, 13-35.
Narra
o texto que, dias após a morte de Jesus, dois discípulos caminhavam para uma
aldeia chamada Emaús. Iam tristes, conversando sobre o que tinha se passado com
Jesus Cristo. Na verdade, os discípulos ainda não tinha entendido qual era a de
Jesus Cristo. Muitos de seus seguidores entendiam que ele era aquele que iria
acabar com dominação que o povo sofria por parte dos romanos. Pensavam que Cristo
seria aquele que tomaria o trono e iniciaria um novo reinado na lei dos homens.
Muitos deles ainda não tinha essa consciência de que o reino de Cristo era todo
espiritual.
Enquanto
falavam, o próprio Jesus se aproximou. Os díscipulos não o reconheceram. Então
Jesus se comportou como se fosse um estranho que acabara de chegar em
Jerusalém. Perguntou a eles o que tinha acontecido.
Os
díscipulos se admiraram de ele ser o único estrangeiro a não saber o que por lá
acontecerá recentemente. Passaram então a contar o que havia acontecido em
Jerusalém. Contaram de Jesus Cristo que era um profeta poderoso em obras e
palavras, diante de Deus e do povo. Contaram como as autoridades judiciais e
religiosas o haviam condenado a morte e o crucificado. Disseram das humilhações
e crueldades a que Jesus havia sido submetido, e de sua morte na cruz. E que
algumas mulheres, e depois alguns discípulos foram ao túmulo onde o corpo dele havia
sido depositado, mas que não encontram corpo algum.
Jesus
diz então aos dois discípulos como eles eram lentos para entender. Na verdade,
um jeito delicado de dizer que eles burros. Então o mestre começa a percorrer
as escrituras sagradas citando todas as passagens que estavam escritas sobre
ele e sobre o que ocorrera.
Quando
chegaram a aldeia, Jesus fez como ia que seguir em frente, mas os discípulos o
convidaram a ficar. Mais tarde naquela noite, durante o jantar, ao partir o
pão, os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus, mas ele
desapareceu da vista deles.
Falemos
agora do caso de duas pessoas que foram bem lentas, mas muito lentas mesmo,
para entender o perigo que, de fato, é a Covid-19 e sua legião de variantes,
cada uma mais perigosa que a outra. Lembrando que esses dois casos são meramente
ilustrativos, pois há milhões de indivíduos que, mesmo sendo letrados, tendo
diploma universitário e todas essas formalidades que mostram que uma pessoa tem
algum conhecimento, são analfabetos quando se trata de fazer uma leitura da
realidade.
Um
desses casos aconteceu nos Estados Unidos, e o outro aqui no Brasil. Dois jovens.
Um tinha 30 anos e o outro 34.
Assim
como nós brasileiros temos o nosso 7 de setembro, o americano tem o seu 04 de
julho. Nesse dia especial, enquanto comemoramos a nossa independência de
Portugal, os americanos comemoram sua liberdade em relação ao Império
Britânico.
Caleb Wallace
Era
vésperas do dia 04 de julho de 2020. Por essa época, os Estados Unidos e o
mundo estavam no centro de um furacão chamado coronavírus. Pelo mundo afora,
milhões de pessoas morria em decorrência da Covid-19. A nação americana
registrava recordes de mortes pela doença. Máscaras, álcool gel, distanciamento
social. Todo o cuidado era pouco.
Foi
nesse cenário tenebroso, que em 04 de julho do ano passado, um texano da cidade
de San Angelo, chamado Caleb Wallace, 30 anos, organizou um comício não para
falar de política, mas para defender a liberdade das pessoas não usarem máscaras.
O ato foi chamado de The Freedom Rally (O Comício da Liberdade).
Nos
panfletos que distribuiu convidado as pessoas para a manifestação, Wallace
dizia que era um protesto pacífico, realizado por pessoas que estavam cansadas do
controle do governo sobre suas vidas. Os cartazes carregados pelos
manifestantes naquele dia criticavam o uso de máscaras, o fechamento do
comércio, a mídia, e a ciência. “Mostre-me que a máscara funciona. Mostre-me
que o fechamento das escolas funciona. Mostre que o lockdown funciona”,
escreveu Wallace no Facebook
Ele
também fundou o The San Angelo Freedom Defenders (Os Defensores da Liberdade
de San Angelo), cujo objetivo era “educar e capacitar os cidadãos a fazerem
escolhas informadas sobre a política local, estadual e nacional e encorajá-los
a participar ativamente de seu dever de garantir direitos dados por Deus e
protegidos constitucionalmente”, conforme relatado pelo The New York Daily
News.
Uma
coisa para a qual o texano não atentou é que: com a Covid-19 não se brinca.
O
tempo foi passando, as folhas do calendário virando. A luta contra a Covid foi tendo
resultados positivos. Vieram as vacinas. A Covid-19, apesar de não podermos
dizer que estamos livres dela, apesar de não podermos dizer ainda que a
pandemia passou, foi arrefecendo. Porém, os cuidados não podem e não devem ser
desprezados... ainda.
Ora,
mas quem desprezava os cuidados recomendados pelas autoridades no turbilhão da
pandemia, não vai levá-los em consideração agora, não é verdade? Wallace,
obviamente, também continuou com sua cruzada contra as máscaras e a ciência.
Porém,
como já disse acima, e repito agora, com a Covid-19 não se brinca.
Em
meados de julho deste ano, Wallace começou a se sentir estranho. De repente
apareceu tosse, dores na garganta, dores de cabeça, dores musculares e nas articulações.
Os dias foram passando e o corpo ficava cada vez mais fraco. Veio a dificuldade
de respirar.
—
Isso é Covid-19. Melhor você procurar um médico, amor, disse a esposa.
— De jeito nenhum. Não vou procurar médico
nenhum. Não quero fazer parte de nenhuma estatística de exame de Covid-19,
respondeu o texano.
Ele
resolveu se tratar em casa mesmo. Comprou o kit covid, conjunto formado por
ivermectina — remédio sem nenhuma comprovação científica contra a Covid-19 —
combinado com altas doses de vitamina C e zinco. Comprou também um inalador,
pois a dificuldade de respirar era enorme.
O
tratamento, como era de se prever, não funcionou. E Wallace foi levado para
onde não queria e a quem sempre desprezou: ao encontro da ciência. No hospital,
em 08 de agosto, perdeu a consciência e teve que ser entubado.
No
sábado, 28 de agosto, Wallace perdeu a luta para a doença que achava que era
uma fantasia inventada pelos médicos. Com a piora em seu estado de saúde os médicos
do hospital onde ele estava decidiram transferi-lo para Shannon Medical Center,
em San Angelo. Mas, o texano não resistiu ao avanço do vírus em seu corpo, e
morreu antes da transferência.
Caleb
Wallace, o antimáscara, anticiência, e, certamente, antivacina, deixa para trás
três filhos e esposa gravida de mais um filho que não terá oportunidade de
conhecer, de ver crescer, por causa de sua estupidez.
Aqui
no Brasil tivemos um caso semelhante. Aconteceu em Uberlândia, Minas Gerais.
Thiarles Santos
Thiarles
Santos, 34 anos, era jovem e cheio de vida. Estava todo empolgado com o mandato
de vereador para o qual fora eleito nas eleições de 2020. Advogado, casado, e bolsonarista
radical. Seguia o líder Bolsonaro: não tomou vacina, e era contra o uso de máscara.
Em
agosto, o vereador chegou a protocolar um PL (Projeto de Lei). No texto que
apresentou, Thiarles dá justificativas não comprovadas pela ciência para o
projeto, e diz que a medida irá beneficiar pessoas com problemas respiratórios.
“O ar quente dentro da máscara pode dificultar a respiração e desencadear
crises respiratórias, como crises de asma. Se a máscara for muito apertada,
pode desencadear ansiedade, alterando padrões respiratórios e causando muito desconforto”.
Ele diz ainda que o objetivo do projeto é desobrigar, e não impedir que as
pessoas usem máscaras na cidade.
Com
a Covid-19, não se brinca. Já disse isso, mas nunca é demais dizer novamente.
Corajoso.
Sem tomar a vacina. Vacina? Para que tomar, não é mesmo? Peito aberto diante de um inimigo pequeno, mas
poderoso e devastador, desprezando a ciência, e seguindo os conselhos do Dr.
Jair Bolsonaro, seu líder amado, no dia 16 de agosto o vereador, testou
positivo para a Covid-19.
Coisa
boba. Sintomas leves. Foi o que pensou. E era o que devia estar sentindo
naquele momento. Tanto é que, naquele mesmo dia 16, mesmo sabendo que o
coronavírus já estava se reproduzindo em seu corpo, ele foi às redes sociais
para defender suas ideias. “Fim do uso das máscaras. Jamais irei fazer
qualquer distinção entre vacinados e não vacinados. Vamos lutar pelo não
uso de máscara quando tivermos com 70% de vacinados, ou já tiverem contraído a
doença”.
Ele
também postou nas redes sociais que estava bem, que estava fazendo o tratamento
em casa, e que não iria precisar ser hospitalizado. Deve ter tomado o kit covid,
receitado pelo Dr. Jair. Mas, como remédios de charlatões não funcionam, o quadro
de saúde do vereador piorou e ele precisou ser internado.
Dia
31 de agosto foi uma terça-feira. Em vez de o presidente estar trabalhando ele
estava, como um adolescente rebelde e sem causa, passeando de moto, em Uberlândia,
MG. Aliás, trabalho não é muito o forte de Bolsonaro. Basta dar uma olhada na
agenda presidencial dele para ver que os compromissos sérios diários dele são pouquíssimos.
Na ocasião, ele esteve na cidade para participar das comemorações dos 133 anos da
cidade.
Participou
da cerimônia de inauguração do Complexo de Captação e Tratamento de Água
Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG) — o único compromisso
oficial na cidade — depois abriu uma live no Facebook, onde cumprimentou os
apoiadores. Andou sem máscara de proteção pelas ruas. Pura campanha eleitoral
antecipada.
Mesmo
internado em um leito de hospital, o vereador Thiarles Santos pediu que sua
equipe participasse da motociata. Ele também postou um vídeo no qual dizia: “O
vereador, que se encontra recuperando da covid-19, é um grande apoiador do
presidente, com quem compartilha pautas importantes como a defesa da vida, da
família, da propriedade privada e da legítima defesa”.
Ele
também fez questão de manifestar apoio aos protestos do dia 07 de setembro,
convocados pelo presidente.
No
dia 14 de setembro, o vereador apresentou quadro de instabilidade. Os médicos
chegaram a cogitar a hipótese de fazer uma traqueostomia, porém, resolveram
adiar o procedimento. O quadro de saúde piorou significativamente, seus pulmões
foram altamente comprometidos pela Covid-19. Diante da gravidade do quadro, ele
não resistiu, e morreu na manhã do dia 17 de setembro.
Thiarles
Santos deixa mulher e quatro filhos.
Mais
uma vítima, mais da sua própria estupidez.
No
Brasil, temos do início da pandemia até agora, temos 590.547 brasileiros vitimados
pela Covid-19. Apesar da vacinação avançar, até agora são 37, 53% da população
vacinada, e de ver o número de mortos pela doença, e taxa de transmissão cair a
cada dia, ainda estamos longe de dizer que superamos a pandemia. Uso de máscaras,
álcool gel, e demais cuidados ainda não devem ser desprezados.
As
aberturas promovidas por estados e munícipios podem nos dar a falsa impressão
de que vencemos o coronavírus, mas, pensar assim, é uma apenas uma falsa
ilusão, e porque não dizer, uma armadilha. Não esqueçamos que as variantes continuam
por aí.
Bolsonaro come pizza na calçada, em NY
Enquanto
isso, o antivacina, antimáscara, e anticiência, Jair Bolsonaro, está nos
Estados Unidos para participar da Assembleia Geral da ONU. É o único líder do
G20 que não tomou vacina contra a Covid. Está por lá nos fazendo passar
vergonha.
Na
sede da ONU ele pode entrar, mas sua vida fica difícil quando ele sai para dar
uma volta pela cidade. Já teve que comer pizza junto com ministros de sua
comitiva, de pé, em calçada, em uma esquina qualquer da cidade.
Os
ministros disseram que era por causa da simplicidade do presidente. Tudo
mentira. Ele passou por esse vexame, e passará por outros, porque na cidade de
Nova Iorque, ele não poderá frequentar a área fechada de bares, restaurantes,
ou lojas, uma vez que a legislação da cidade exige o comprovante de vacinação
com as duas doses. E o presidente diz que não tomou vacina.
Por
tradição, o Brasil sempre abre os discursos da Assembleia Geral da ONU. E,
nesta terça-feira, 21, o mandatário brasileiro promete dizer umas verdades aos
líderes mundiais em seu discurso.
Nós,
brasileiros, que o conhecemos muito bem, ficamos de cabelos em pé, só de pensar
em que verdades sairão daquela boca. De outras vezes que ele falou verdades,
ficamos até com vontade de enfiar a cabeça em algum buraco, como fazem os avestruzes.
Á
conferir que verdades serão essas vindas de uma boca de uma boca da qual só sai
estupidez.
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