Um 7 de se setembro de sobressaltos
Terça-feira, 7 de setembro
Neste
7 de setembro acordei com uma tristeza no peito que não queria ir embora de
jeito nenhum. É um feriado cívico em nossa pátria. Dia para ser celebrado com
alegria. Afinal, ele marca o dia da nossa independência como nação.
Foi
num 7 de setembro de 1822 que começou o processo que nos levaria a deixar de
ser apenas uma colônia portuguesa e nos firmar como um país livre, com sua
cultura e identidade próprias. Liberdade! É que significa este dia para os
brasileiros.
Em
anos anteriores ele costumava ser comemorado com desfiles dos militares pelas
ruas da cidade. Após os militares, vinham as escolas públicas e particulares
mostrando o que tinham de melhor. Ao assistir esses desfiles via-se orgulho no
rosto dos militares e alegria na face das crianças que desfilavam. Não se via
nesses desfiles nenhum militar pedindo o fechamento do STF. Outros tempos. Ano
passado a pandemia nos obrigou a abrir mão dessa e de outras festas. Esse ano,
além da pandemia, ainda houve as tensões provocadas pelo presidente a nos privar
desses momentos.
Eram
esses os pensamentos enquanto tomava meu café da manhã, e ouvia, no rádio, as
notícias do que estava acontecendo em todo o país. Acho que não era só eu que
estava com esse pesar no peito. Milhões de brasileiros também se sentiam da
mesma forma. Havia motivos para isso. Afinal, as sementes da tensão e angústia
já vinha sendo plantadas pelo semeador de más sementes que governa o nosso país
havia alguns dias. Ele vinha insuflando suas hordas para que se voltassem
contra a lei e a justiça neste dia tão especial para os brasileiros.
Insuflados
pelo seu líder, as hordas bolsonaristas estão subvertendo todos os conceitos
que conhecíamos como bem e mal, verdade e mentira, democracia e ditadura,
liberdade de expressão e ofensa pessoal, violência e paz.
Foi,
justamente pelas ondas do rádio que fiquei sabendo que Bolsonaro havia assinado
uma medida provisória (MP) que alterava o Marco Civil da Internet. Permitam-me
aqui caros leitores e leitoras, abrir um parêntese para falar do meu amor pelo
rádio, e em particular, pela rádio CBN, como diz o slogan da rádio: a rádio que
toca notícia. A CBN é uma seleção de primeira quando se trata de informação. Excelente
apresentadores e comentaristas dão sempre uma visão crítica do quanto acontece
no país, e fora dele. Fechado os parênteses, continuemos.
O
Marco Civil da Internet é um dos nossos orgulhos. Não surgiu de uma hora para
outra. Foram anos e anos de discussão. A necessidade de uma lei que
regulamentasse a Internet no Brasil surgiu em 2007, porém, somente em 23 de
março de 2014, essa lei foi aprovada na Câmara dos Deputados, e, em 25 de
abril, no Senado Federal. Em seguida a lei foi sancionada pela então presidente,
Dilma Rousseff.
A
MP que o presidente assinou abre caminho para os crimes digitais e o
espalhamento das fake new. Ela amarra as mãos e os pés dos provedores de
Internet. Ela proíbe, entre outras coisas, que os provedores apaguem posts ou
excluam contas, total ou parcialmente, a não ser que haja uma “justa causa”. É
vedado a estes provedores a adoção de critérios de moderação, ou limitação do
alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política,
ideológica, científica, artística ou religiosa.
Com
a MP assinada por Bolsonaro, provedores como Facebook, Twitter e Instagram,
terão muito mais trabalho e formalidades a seguir antes de remover contas, perfis,
e conteúdos. Eles terão que notificar o usuário, identificar a medida adotada,
apresentar o motivo da moderação, e informar sobre prazos, canais de
comunicação, e procedimentos para a contestação.
A
MP já foi publicada no Diário Oficial da União, e é válida por 60 dias,
prorrogável por igual período, e perde efeito se não for aprovada pelo
Congresso. O ato de Bolsonaro é um golpe na lei que regula a Internet em nosso
país. Claro que ele sabe que essa MP não tem a menor chance de ser aprovada pelo
Congresso. O ideal seria que ela nem fosse recebida por Rodrigo Pacheco, presidente
do Senado. Assim, o mal seria cortado na raiz.
Levando
em consideração o que já foi exposto acima e tendo em conta que as MPs apenas devem
ser editadas por um presidente da República em momentos de urgência e emergência,
e se não havia nenhuma emergência ou urgência, nem perigo estava rondando ou
ameaçando o Marco Civil da Internet, então por que o presidente resolveu assiná-la?
Jair
Bolsonaro assinou a MP, às vésperas do 7 de setembro, data em que ele convocou
seus seguidores a, mais uma vez, proferirem impropérios contra o STF e contra o
sistema democrático, apenas para proteger seus milicianos digitais. Dessa forma,
eles podem espalhar fake news à vontade sem que sejam incomodados.
Enquanto
eu ainda estava em casa na manhã deste, conforme vos falei acima, pensava se
iria dar uma olhada nas manifestações ou não. Na noite anterior um amigo me
havia dito que era melhor ficar em casa neste dia. Na CBN, Carlos Andreazza, um
dos apresentadores do CBN em Foco chamava a atenção de que haveria muitas pessoas
radicais nas ruas. Considerando que as últimas manifestações que houve na
cidade foram todas tranquilas, resolvi ir até lá.
Na
rua, separados por cinco quadras, estariam dois grupos: os de esquerda e a extrema
direita radical de Bolsonaro. Como queria ir rápida e tranquilamente de um
lugar para outro, resolvi ir de bicicleta.
Saí
para a rua. Não fui de vermelho, nem fui de verde e amarelo. Fui de camisa
preta. E pra dizer que não era uma coincidência apenas o uso da camisa,
aproveitei para enrolar um cachecol, também preto, no pescoço. Preto é a cor do
luto. Pensava nas milhares de vidas ceifadas pela Covid-19, nas agressões que a
democracia tem sofrido, e em tantos os outros problemas que o país atravessa.
E,
assim, fazendo o meu silencioso protesto, passei entre os dois grupos. No grupo
dos Bolsonaristas havia mais gente, que entre o pessoal da esquerda. Esses
faziam o Grito dos Excluídos, como fazem todos os anos. Ali, havia algumas
faixas e cartazes com temas sociais, como por exemplo, o repúdio ao feminicídio,
além de outras com “Fora Bolsonaro”.
No
grupo dos bolsonaristas, nenhuma faixa com pautas sociais. Aliás, elas
inexistem nas manifestações pró-governo. Acho que essa coisa de querer um
Brasil melhor para todos, de lutar pelas desigualdades sociais, de chamar a
atenção para os problemas atravessados pelo país e buscar uma solução para
eles, deve ser mesmo coisa de esquerdistas. Não caberiam num projeto de governo
da extrema direita radical que governa o país.
Isso
era por volta das 10hs da manhã. Enquanto eu percorrida, de bicicleta o trecho
que separava os dois grupos — sempre bom
reforçar que toda essa minha tranquilidade resultava do policiamento reforçado
que via na rua — Bolsonaro, em Brasília, fazia um discurso golpista a seus
apoiadores. Dizia ele: “Não mais aceitaremos que qualquer autoridade, usando
a força do Poder, passe por cima da nossa constituição. Não mais aceitaremos
qualquer ação que venha de fora das quatro linhas da constituição. Não podemos
continuar aceitando que uma pessoa específica, da região dos Três Poderes, continue
barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas. Ou
o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que não
queremos”.
Aqui
o presidente não cita nomes mas está claro que ele falava do seu novo arqui-inimigo,
o ministro do STF, Alexandre de Moraes, e ameaça e presidente do STF, Luiz Fux,
dizendo que ou ele dá um jeito em Alexandre de Moraes o STF “pode sofrer
aquilo que não queremos”. E que fique claro a você que lê esse texto que,
quando o presidente usa a primeira pessoa do plural “nós não queremos”,
ele está se referindo aos seus apoiadores, ao núcleo que o apoia, pois a grande
maioria da população brasileira não compactua com esses discursos golpistas.
À
tarde, o presidente esteve em São Paulo, na avenida Paulista, a aumentou ainda
o tom no seu discurso golpista. Me permitam, caros leitores e leitores, colocar
aqui a íntegra do discurso do presidente na Avenida Paulista, proferido na
tarde de hoje:
Não
podemos admitir que uma pessoa, um homem apenas turve a nossa democracia e
ameace a nossa liberdade. Dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para
se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o
tempo dele. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha. Deixe de oprimir o
povo brasileiro. [..]
Nós
devemos sim, eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos
sejam postos em liberdade. Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor
Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso
povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda [...] de cuidar da tua vida. Ele para
nós não existe mais. Liberdade para os presos políticos. Fim da censura. Fim da
perseguição aqueles conservadores, aqueles que pensam no Brasil.
Dizer
mais a vocês. Nós acreditamos e queremos na democracia. A alma da democracia é
o voto. Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer
segurança por ocasião das eleições. Dizer também que não é uma pessoa no
Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável
porque não é.
Não
podemos admitir um ministro do Tribunal Superior Eleitoral também usando a sua
caneta para desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação. Nós
queremos uma eleição limpas, democráticas, com voto auditável e contagem publica
dos votos. Não podemos ter eleições que pairem dúvidas sobre os eleitores. Nós
queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública dos mesmos. Não
posso participar de uma farsa como essa patrocinada ainda pelo presidente do
Tribunal Superior Eleitoral.
Hoje
temos uma fotografia para mostrar para o Brasil e o mundo. Não de quem está
agora nesse carro de som, mas uma fotografia de vocês. Que as cores da nossa
abandeira são verde e amarela. [...] Nós somos conservadores. Cada vez mais
respeitamos as leis e nossa Constituição. E não vamos mais admitir que
ministros como Alexandre de Moras continue a açoitar a nossa democracia e
desrespeitar a nossa constituição. Ele teve todas as oportunidades para agir
com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira como continua não agindo.
Como agora a pouco interceptou um cidadão americano para ser inquerido sobre
atos antidemocráticos. Uma vergonha para o nosso país, patrocinada por
Alexandre de Moraes.
Esse
é o primeiro problema que nós temos e tenho certeza que ao lado de vocês
superaremos todos os obstáculos. Vocês nunca viram um chefe de estado se
dirigir ao seu povo no limiar do seu mandato. Não quero o conforto dos palácios
ou de benesses que existem em Brasília. Quero aquilo que seja justo, ao lado de
vocês.
Lá
trás, quando sentei praça no exército Brasileiro, jurei dar minha vida pela
pátria. E tenho certeza que vocês todos, também de forma consciente, juraram
dar sua vida pela sua liberdade.
A
pouco encontrei uma menina que que me perguntou se era difícil ser presidente,
eu falei que sim, era difícil, mas era por ela. Faço isso por nossos filhos e
nossos netos e faço porque tenho o apoio de vocês. Enquanto vocês estiverem ao
meu lado eu estarei sendo porta-voz de vocês. Essa missão é digna. Essa missão
é espinhosa, mas também é muito gratificante. Não existe satisfação maior do
que estar no meio de vocês. Pode ter certeza, onde vocês estiverem, eu estarei.
Cumprimento
patriotas que estão em todos os lugares desse nosso imenso Brasil hoje se
manifestando por liberdade. O povo acordou ao longo dos últimos anos, cada vez
mais, a onda verde e amarela [...] Isso não tem preço, o acordar de uma nação,
é a certeza que seremos grandes lá na frente.
Agora,
o que incomoda alguns lá de Brasília é que nós conseguimos realmente mudar o
Brasil. [...] Acreditem, com vocês nós colocaremos o Brasil no lugar de
destaque que ele bem merece. Temos uma pátria que ninguém tem e vocês sabem do
que nós estamos fazendo. Hoje nós prestamos conta a vocês e não a partidos políticos.
Cada vez mais há certeza do nosso futuro.
O
apoio de vocês é primordial, é indispensável, para seguiremos adiante. Nesse
momento quero mais uma vez agradecer a todos vocês, agradecer a Deus pela minha
vida e pela missão. E dizer aqueles que querem me tornar inelegível em
Brasília: só Deus me tira de lá. E aqueles que pensam que com uma caneta podem
me tirar da presidência, digo uma coisa pra todos: nós temos 3 alternativas:
preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que nunca serei preso. A minha
vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós. Muito obrigado a todos.
Brasil
acima de tudo, Deus acima de todos.
Reparem
que nos discursos de Bolsonaro, tanto em Brasília, quanto em São Paulo, em uma
data tão especial como o 7 de setembro, não há nenhuma citação aos problemas gravíssimos
que o país atravessa como por exemplo, a Covid-19, retomada econômica,
inflação, crise hídrica, e tantos outros.
Para
o egocêntrico-mor que governa a nação o grande problema é o Alexandre de Moraes
e Luís Roberto Barroso. O primeiro por comandar o inquérito das fake news, no
qual o presidente, seus filhos, e aliados estão envolvidos até o pescoço, e o
outro por defender, ferrenhamente, a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Notem
que o presidente também chama de “presos políticos” os seus milicianos digitais
que foram presos, justamente, por ameaças a ministros do STF, e por espalharem
fake news com total apoio do presidente.
Com
as manifestações golpistas convocadas pelo presidente no dia de hoje, pode até se ter a impressão de que o presidente
saiu fortalecido. Na verdade, ele próprio quis mostrar fraqueza, mas, na
realidade, Jair Bolsonaro está cada vez mais isolado, sendo apoiado apenas pelo
rebanho bovino radical que ainda o apoia. E com os eventos de hoje, politicamente,
ele se isola e se enfraquece ainda mais.
Não
houve episódios de grave violência como anunciado pelos bolsonaristas, como invasão
do Congresso e do STF, conforme prometido por ele em redes sociais, em parte
devido a ação do Sr. Alexandre de Moraes que prendeu Roberto Jefferson, e
outros radicais, e inibiu a ação de outros como o cantor Sérgio Reis.
Agora,
partidos e instituições que se cuidem, e cuidem de enquadrar esse louco que nos
governa, pois com a manifestações de hoje, ele apenas disse que, se as coisas
estão ruins, podem ficar ainda pior.
E
assim, vamos nós, brasileiros, vivendo de sobressaltos a cada dia, seja 7, 8, 9
de setembro, e assim por diante. Pois o vocábulo paz será impossível de ser
vivido enquanto o louco, egocêntrico, ditador, Jair Bolsonaro, estiver sentado
na cadeira presidencial.
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