Liberdade e opressão
Domingo, 19 de setembro
“Ninguém ignora tudo.
Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa.
Por isso aprendemos sempre”
Paulo Freire
“Parabéns pra você
Nesta data querida
Muitas felicidades
Muitos anos de
vida”
Daqui
a pouco explico para quem e porque comecei o texto de hoje com essa canção mais
do que famosa e cantada em todo o mundo, talvez, mais até do que o Hino
Nacional de cada país. A canção de autoria das irmãs americanas Mildred Jane e
Patty Smith Hill. Elas registraram a canção em 1893. A letra da música, tinha o
nome de Good Morning to All (Bom Dia a Todos), e era usada na educação infantil
de crianças. A letra, como a cantamos hoje, veio depois. Mas a melodia é mesma
registra pelas irmãs Hill.
Na
segunda-feira, 6, véspera do feriado do Dia da Independência, resolvi pedalar
um pouco. Me excedi nesse pouco e, ao final, havia pedalado 89 km. No domingo,
12, fiz o mesmo percurso: uma trilha muito bonita, é verdade — em meio à
natureza deslumbrante dos distritos de Souzas e Joaquim Egídio, e as cidade de
Amparo e Morungaba — trilha essa, porém, cheia de subidas, algumas muito íngremes,
outras quilométricas. Então nesse domingo, 19, prometi que pegaria mais leve,
não exigiria tanto de mim mesmo ao pedalar.
Fiz 30 km. Quando estava bem perto de casa, passei na feira hippie do
Centro de Conivência, no Cambuí, bairro da região central aqui de Campinas.
Ali
se vende de tudo um pouco, quadros de pinturas, incensos, produtos exotéricos,
livros, discos, e Dvds usados, roupas, e uma série de outros produtos. Parei na
banca dos livros usados. O procurar um livro também chamou a uma prosa com o
vendedor. Ele me falou que era professor, de como gostava de ler, e de ouvir
música. Eu que pensei chegar em casa um pouco mais cedo, acabei gastando um
tempo de prosa com ele, e isso não foi aborrecido, ao contrário, foi até
prazeroso. Ele acabou falando também de Paulo Freire e de seu famoso livro, Pedagogia
do Oprimido, traduzido para várias línguas, e estudado em grandes
universidades mundo afora.
Comprei
um dos livros que o professor oferecia, e rumei para casa.
No
caminho, fiquei pensando na grandeza e na genialidade de Paulo Freire
(1921-1997): um dos maiores educadores do mundo. Ele é o Patrono da Educação
Brasileira. A proposta foi apresentada pela então deputada Luiza Erundina
(PSB-SP), e sancionada como Lei no 12.612/2012, no ano de 2012.
É
para Paulo Freire o Parabéns pra Você que abre o texto, juntamente com
todas as homenagens e honrarias, afinal, o aniversariante merece.
E
esse homem, gigante da Educação, respeitado no Brasil e no exterior, tem sido
atacado pelos bolsonaristas. Por quê? É a pergunta que fica. O caso é tão sério
e as pedradas atiradas em Paulo Freire são tão violentas que foi preciso que,
na quinta-feira, 16, a Justiça do Rio de Janeiro, proibisse o governo federal
de tomar qualquer iniciativa que atentasse contra a dignidade de Paulo Freire.
A
ação ajuizada pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos, tem caráter
liminar, e prevê que a União pague uma multa de R$ 50 mil por dia, caso a
decisão seja descumprida.
Neste
domingo, 19, data em que é celebrado o centenário de Paulo Freire, o Google fez
uma homenagem ao Educador. Ao acesso a ferramenta de busca o usuário encontra o
rosto do pernambucano no logotipo do buscador. Uma justa homenagem,
reconheçamos.
Porém,
não é o que pensa Jair Bolsonaro, seus filhos, e seguidores fanáticos. Neste
domingo, o deputado federal, Eduardo Bolsonaro, como não encontrou algo melhor
para fazer — e penso que esse povo nunca encontra algo melhor para fazer —
criticou o Google por fazer a homenagem ao educador brasileiro.
Segundo
o deputado, ao fazer a homenagem, o Google se posiciona a favor da Justiça do
Rio que proibiu o governo federal de atentar contra a dignidade de Paulo
Freire. Anteriormente, Eduardo Bolsonaro também havia criticado a decisão da
Justiça do Rio. “Educação do país de péssima qualidade e não se pode nem
criticar o patrono desta bagunça? Isso não é justiça, é militância doentia.
Nunca foi tão difícil fazer o certo e consertar o Brasil. Mas nós somos chatos
e estamos certos, então vamos adiante”. Outros bolsonaristas também foram
às redes sociais criticar Paulo Freire.
Alguns
até fizeram críticas mais ácidas contra o educador como, por exemplo, o ex-ministro
da Educação Abraham Weintraub. “Bilionários que controlam empresas gigantes/monopólios
são de esquerda. Drogas, Paulo Freire, aborto, a destruição da SUA da família,
estão na agenda deles. NÃO É COINCIDÊNCIA! Nossa luta é contra isso”, disse
Weintraub, criticando a decisão do Google de homenagear Paulo Freire.
E
porque Paulo Freire, mesmo depois de 24 após sua morte, incomoda tanto
Bolsonaro e os bolsonaristas? Paulo Freire incomoda tanto Bolsonaro e os
bolsonaristas por ser ele o avesso da ideologia que permeia esse governo. A
educação para Paulo Freire é um agente libertador. Este governo propõe uma
educação opressora. Este é ponto fundamental para se entender a questão.
O
professor Thiago José de Biagio, mestre em História Social, em entrevista ao
portal iG, falando sobre o livro Pedagogia do Oprimido, disse: “A obra vai ao encontro
da ideia de emancipação do sujeito, uma consciência da condição social do
oprimido. A proposta do Paulo Freire é de uma educação baseada no diálogo. Há
um incentivo ao questionamento e à ação social. Portanto, o professor não é o
topo da hierarquia, aquele que tudo sabe. Ele prega que não haja o medo da
liberdade. Inclusive, uma frase de Paulo Freire que representa esta proposta é
'Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor nos
ajuda a entender ainda melhor essa questão”.
Para
esse governo, o ideal é ter uma sociedade de pessoas que não pensem. Quanto
menos capacidade de pensar, mais fácil dominar essas mentes fracas. Daí o
ataque a imprensa, e a exaltação às fake news que circulam pelo WhatsApp
profundo, e outras redes sociais também.
Sabemos
que o ódio e não o amor, a racionalidade, o bom senso, é o combustível que move
os bolsonaristas e o próprio presidente. Em relação a esse veneno destilado por
esse grupo de pessoas em direção a Paulo Freire o professor Biagio afirma ao
iG: “Para eles, só existe uma verdade. Só existe uma forma de se comportar e
enxergar o mundo, sendo que a pedagogia do Paulo Freire estimula a autonomia.
Uma perspectiva tradicional de sociedade, como é defendida pelos bolsonaristas,
defende que deva haver uma hierarquia, uma obediência militar, quase cega, em
relação ao professor. Paulo Freire entendia que a educação precisava ser
dialógica e que o professor devia escutar seus alunos também”.
Porém,
o que dizer de um presidente que diz que excesso de professores atrapalha?
Nesta
quinta-feira, 16, o presidente, falando a apoiadores sobre um concurso público
feito pela presidente Dilma Rousseff, que trouxe para a educação 100 mil
professores, Bolsonaro disse: “Não vou entrar em detalhes, mas o Estado foi
muito inchado. Não estou dizendo que não precisa de professor, mas o excesso
atrapalha”.
Em
dezembro de 2019, o presidente havia dito a seus apoiadores que a TV Escola
deseduca, e que Paulo Freire era um energúmeno.
E
também o que dizer de um ministro da Educação que quer separar os alunos com
Síndrome de Down dos alunos sem essa deficiência, e que diz que os alunos com
síndrome de Down “atrapalham” os outros alunos?
No
dia 9 de agosto, em entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, o
ministro da Educação, Milton Ribeiro, falando a respeito de educação inclusiva,
o ministro disse: “O que é inclusivismo? A criança com deficiência é
colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia, ela
‘atrapalhava’ — entre aspas, essa palavra eu falo com muito cuidado – ela
atrapalhava o aprendizado dos outros, porque a professora não tinha equipe, não
tinha conhecimento para dar a ela, atenção especial”.
A
declaração do ministro irritou educadores de todo o país. E não parou por aí.
Na mesma entrevista, o ministro disse também que a universidade deveria ser
para pouco: “Tenho muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não
consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria
emprego, porque tem uma demanda muito grande”.
Todas
os sinais são bem claros e nos levam a conclusão de que estamos diante de um
governo altamente elitista no qual alguns cursarão universidade. E que são
esses “alguns” que cursarão a universidade? Será o filho do porteiro, da
empregada doméstica, do motorista, e de outros tantos profissionais de
categorias semelhantes, ou será o filho de pessoas elitizadas como o Sr.
ministro da Educação?
Enfim,
não é de hoje que a educação no Brasil vem sendo relegada a segundo plano. Mas
quando pensamos que a coisa vai melhorar chega um grupo com ideias retrógadas
também no campo da educação, e que podem jogar a educação do nosso país ainda
mais no obscurantismo.
Queremos
uma educação libertadora, e não de uma educação opressora. Queremos o aluno
como o ser capaz de buscar o conhecimento, e não de um professor ditador em
sala de aula. Precisamos de mais Paulos Freires e menos Olavos de Carvalho.
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