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Vítimas da própria estupidez

Posted by Cottidianos on 00:12

Terça-feira, 21 de setembro


Há uma passagem do evangelho dos cristãos da qual gosto particularmente. Ela se encontra em Lucas, 21, 13-35.

Narra o texto que, dias após a morte de Jesus, dois discípulos caminhavam para uma aldeia chamada Emaús. Iam tristes, conversando sobre o que tinha se passado com Jesus Cristo. Na verdade, os discípulos ainda não tinha entendido qual era a de Jesus Cristo. Muitos de seus seguidores entendiam que ele era aquele que iria acabar com dominação que o povo sofria por parte dos romanos. Pensavam que Cristo seria aquele que tomaria o trono e iniciaria um novo reinado na lei dos homens. Muitos deles ainda não tinha essa consciência de que o reino de Cristo era todo espiritual.

Enquanto falavam, o próprio Jesus se aproximou. Os díscipulos não o reconheceram. Então Jesus se comportou como se fosse um estranho que acabara de chegar em Jerusalém. Perguntou a eles o que tinha acontecido.

Os díscipulos se admiraram de ele ser o único estrangeiro a não saber o que por lá acontecerá recentemente. Passaram então a contar o que havia acontecido em Jerusalém. Contaram de Jesus Cristo que era um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e do povo. Contaram como as autoridades judiciais e religiosas o haviam condenado a morte e o crucificado. Disseram das humilhações e crueldades a que Jesus havia sido submetido, e de sua morte na cruz. E que algumas mulheres, e depois alguns discípulos foram ao túmulo onde o corpo dele havia sido depositado, mas que não encontram corpo algum.

Jesus diz então aos dois discípulos como eles eram lentos para entender. Na verdade, um jeito delicado de dizer que eles burros. Então o mestre começa a percorrer as escrituras sagradas citando todas as passagens que estavam escritas sobre ele e sobre o que ocorrera.

Quando chegaram a aldeia, Jesus fez como ia que seguir em frente, mas os discípulos o convidaram a ficar. Mais tarde naquela noite, durante o jantar, ao partir o pão, os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus, mas ele desapareceu da vista deles.

Falemos agora do caso de duas pessoas que foram bem lentas, mas muito lentas mesmo, para entender o perigo que, de fato, é a Covid-19 e sua legião de variantes, cada uma mais perigosa que a outra. Lembrando que esses dois casos são meramente ilustrativos, pois há milhões de indivíduos que, mesmo sendo letrados, tendo diploma universitário e todas essas formalidades que mostram que uma pessoa tem algum conhecimento, são analfabetos quando se trata de fazer uma leitura da realidade.

Um desses casos aconteceu nos Estados Unidos, e o outro aqui no Brasil. Dois jovens. Um tinha 30 anos e o outro 34.

Assim como nós brasileiros temos o nosso 7 de setembro, o americano tem o seu 04 de julho. Nesse dia especial, enquanto comemoramos a nossa independência de Portugal, os americanos comemoram sua liberdade em relação ao Império Britânico.

                                                                        Caleb Wallace

Era vésperas do dia 04 de julho de 2020. Por essa época, os Estados Unidos e o mundo estavam no centro de um furacão chamado coronavírus. Pelo mundo afora, milhões de pessoas morria em decorrência da Covid-19. A nação americana registrava recordes de mortes pela doença. Máscaras, álcool gel, distanciamento social. Todo o cuidado era pouco.

Foi nesse cenário tenebroso, que em 04 de julho do ano passado, um texano da cidade de San Angelo, chamado Caleb Wallace, 30 anos, organizou um comício não para falar de política, mas para defender a liberdade das pessoas não usarem máscaras. O ato foi chamado de The Freedom Rally (O Comício da Liberdade).

Nos panfletos que distribuiu convidado as pessoas para a manifestação, Wallace dizia que era um protesto pacífico, realizado por pessoas que estavam cansadas do controle do governo sobre suas vidas. Os cartazes carregados pelos manifestantes naquele dia criticavam o uso de máscaras, o fechamento do comércio, a mídia, e a ciência. “Mostre-me que a máscara funciona. Mostre-me que o fechamento das escolas funciona. Mostre que o lockdown funciona”, escreveu Wallace no Facebook

Ele também fundou o The San Angelo Freedom Defenders (Os Defensores da Liberdade de San Angelo), cujo objetivo era “educar e capacitar os cidadãos a fazerem escolhas informadas sobre a política local, estadual e nacional e encorajá-los a participar ativamente de seu dever de garantir direitos dados por Deus e protegidos constitucionalmente”, conforme relatado pelo The New York Daily News.

Uma coisa para a qual o texano não atentou é que: com a Covid-19 não se brinca.

O tempo foi passando, as folhas do calendário virando. A luta contra a Covid foi tendo resultados positivos. Vieram as vacinas. A Covid-19, apesar de não podermos dizer que estamos livres dela, apesar de não podermos dizer ainda que a pandemia passou, foi arrefecendo. Porém, os cuidados não podem e não devem ser desprezados... ainda.

Ora, mas quem desprezava os cuidados recomendados pelas autoridades no turbilhão da pandemia, não vai levá-los em consideração agora, não é verdade? Wallace, obviamente, também continuou com sua cruzada contra as máscaras e a ciência.

Porém, como já disse acima, e repito agora, com a Covid-19 não se brinca.

Em meados de julho deste ano, Wallace começou a se sentir estranho. De repente apareceu tosse, dores na garganta, dores de cabeça, dores musculares e nas articulações. Os dias foram passando e o corpo ficava cada vez mais fraco. Veio a dificuldade de respirar.

— Isso é Covid-19. Melhor você procurar um médico, amor, disse a esposa.

 — De jeito nenhum. Não vou procurar médico nenhum. Não quero fazer parte de nenhuma estatística de exame de Covid-19, respondeu o texano.

Ele resolveu se tratar em casa mesmo. Comprou o kit covid, conjunto formado por ivermectina — remédio sem nenhuma comprovação científica contra a Covid-19 — combinado com altas doses de vitamina C e zinco. Comprou também um inalador, pois a dificuldade de respirar era enorme.

O tratamento, como era de se prever, não funcionou. E Wallace foi levado para onde não queria e a quem sempre desprezou: ao encontro da ciência. No hospital, em 08 de agosto, perdeu a consciência e teve que ser entubado.

No sábado, 28 de agosto, Wallace perdeu a luta para a doença que achava que era uma fantasia inventada pelos médicos. Com a piora em seu estado de saúde os médicos do hospital onde ele estava decidiram transferi-lo para Shannon Medical Center, em San Angelo. Mas, o texano não resistiu ao avanço do vírus em seu corpo, e morreu antes da transferência.

Caleb Wallace, o antimáscara, anticiência, e, certamente, antivacina, deixa para trás três filhos e esposa gravida de mais um filho que não terá oportunidade de conhecer, de ver crescer, por causa de sua estupidez.

Aqui no Brasil tivemos um caso semelhante. Aconteceu em Uberlândia, Minas Gerais.

                                                                          Thiarles Santos

Thiarles Santos, 34 anos, era jovem e cheio de vida. Estava todo empolgado com o mandato de vereador para o qual fora eleito nas eleições de 2020. Advogado, casado, e bolsonarista radical. Seguia o líder Bolsonaro: não tomou vacina, e era contra o uso de máscara.

Em agosto, o vereador chegou a protocolar um PL (Projeto de Lei). No texto que apresentou, Thiarles dá justificativas não comprovadas pela ciência para o projeto, e diz que a medida irá beneficiar pessoas com problemas respiratórios. “O ar quente dentro da máscara pode dificultar a respiração e desencadear crises respiratórias, como crises de asma. Se a máscara for muito apertada, pode desencadear ansiedade, alterando padrões respiratórios e causando muito desconforto”. Ele diz ainda que o objetivo do projeto é desobrigar, e não impedir que as pessoas usem máscaras na cidade.

Com a Covid-19, não se brinca. Já disse isso, mas nunca é demais dizer novamente.

Corajoso. Sem tomar a vacina. Vacina? Para que tomar, não é mesmo?  Peito aberto diante de um inimigo pequeno, mas poderoso e devastador, desprezando a ciência, e seguindo os conselhos do Dr. Jair Bolsonaro, seu líder amado, no dia 16 de agosto o vereador, testou positivo para a Covid-19.

Coisa boba. Sintomas leves. Foi o que pensou. E era o que devia estar sentindo naquele momento. Tanto é que, naquele mesmo dia 16, mesmo sabendo que o coronavírus já estava se reproduzindo em seu corpo, ele foi às redes sociais para defender suas ideias. “Fim do uso das máscaras. Jamais irei fazer qualquer distinção entre vacinados e não vacinados. Vamos lutar pelo não uso de máscara quando tivermos com 70% de vacinados, ou já tiverem contraído a doença”.

Ele também postou nas redes sociais que estava bem, que estava fazendo o tratamento em casa, e que não iria precisar ser hospitalizado. Deve ter tomado o kit covid, receitado pelo Dr. Jair. Mas, como remédios de charlatões não funcionam, o quadro de saúde do vereador piorou e ele precisou ser internado.

Dia 31 de agosto foi uma terça-feira. Em vez de o presidente estar trabalhando ele estava, como um adolescente rebelde e sem causa, passeando de moto, em Uberlândia, MG. Aliás, trabalho não é muito o forte de Bolsonaro. Basta dar uma olhada na agenda presidencial dele para ver que os compromissos sérios diários dele são pouquíssimos. Na ocasião, ele esteve na cidade para participar das comemorações dos 133 anos da cidade.

Participou da cerimônia de inauguração do Complexo de Captação e Tratamento de Água Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG) — o único compromisso oficial na cidade — depois abriu uma live no Facebook, onde cumprimentou os apoiadores. Andou sem máscara de proteção pelas ruas. Pura campanha eleitoral antecipada.

Mesmo internado em um leito de hospital, o vereador Thiarles Santos pediu que sua equipe participasse da motociata. Ele também postou um vídeo no qual dizia: “O vereador, que se encontra recuperando da covid-19, é um grande apoiador do presidente, com quem compartilha pautas importantes como a defesa da vida, da família, da propriedade privada e da legítima defesa”.

Ele também fez questão de manifestar apoio aos protestos do dia 07 de setembro, convocados pelo presidente.

No dia 14 de setembro, o vereador apresentou quadro de instabilidade. Os médicos chegaram a cogitar a hipótese de fazer uma traqueostomia, porém, resolveram adiar o procedimento. O quadro de saúde piorou significativamente, seus pulmões foram altamente comprometidos pela Covid-19. Diante da gravidade do quadro, ele não resistiu, e morreu na manhã do dia 17 de setembro.

Thiarles Santos deixa mulher e quatro filhos.

Mais uma vítima, mais da sua própria estupidez.

No Brasil, temos do início da pandemia até agora, temos 590.547 brasileiros vitimados pela Covid-19. Apesar da vacinação avançar, até agora são 37, 53% da população vacinada, e de ver o número de mortos pela doença, e taxa de transmissão cair a cada dia, ainda estamos longe de dizer que superamos a pandemia. Uso de máscaras, álcool gel, e demais cuidados ainda não devem ser desprezados.

As aberturas promovidas por estados e munícipios podem nos dar a falsa impressão de que vencemos o coronavírus, mas, pensar assim, é uma apenas uma falsa ilusão, e porque não dizer, uma armadilha. Não esqueçamos que as variantes continuam por aí.

                                                    Bolsonaro come pizza na calçada, em NY

Enquanto isso, o antivacina, antimáscara, e anticiência, Jair Bolsonaro, está nos Estados Unidos para participar da Assembleia Geral da ONU. É o único líder do G20 que não tomou vacina contra a Covid. Está por lá nos fazendo passar vergonha.

Na sede da ONU ele pode entrar, mas sua vida fica difícil quando ele sai para dar uma volta pela cidade. Já teve que comer pizza junto com ministros de sua comitiva, de pé, em calçada, em uma esquina qualquer da cidade.

Os ministros disseram que era por causa da simplicidade do presidente. Tudo mentira. Ele passou por esse vexame, e passará por outros, porque na cidade de Nova Iorque, ele não poderá frequentar a área fechada de bares, restaurantes, ou lojas, uma vez que a legislação da cidade exige o comprovante de vacinação com as duas doses. E o presidente diz que não tomou vacina.

Por tradição, o Brasil sempre abre os discursos da Assembleia Geral da ONU. E, nesta terça-feira, 21, o mandatário brasileiro promete dizer umas verdades aos líderes mundiais em seu discurso.

Nós, brasileiros, que o conhecemos muito bem, ficamos de cabelos em pé, só de pensar em que verdades sairão daquela boca. De outras vezes que ele falou verdades, ficamos até com vontade de enfiar a cabeça em algum buraco, como fazem os avestruzes.

Á conferir que verdades serão essas vindas de uma boca de uma boca da qual só sai estupidez.


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