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Carta ao Povo de Deus
Posted by Cottidianos
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00:47
Agosto
já está bem próximo. Como diz o ditado popular: está batendo à porta. E assim,
já ultrapassamos o meio do ano. Um ano que está sendo roubado por um vírus. Um
vírus que, diga-se de passagem, é produto da natureza. Não foi criado, nem fabricado
em laboratórios como querem alguns no intuito de esconder suas próprias incapacidades
para combatê-lo.
É
sempre esse o modo de agir das pessoas imaturas: Quando elas não tem capacidade
de resolver os próprios problemas, ou os problemas de uma empresa a qual
controlam, ou até mesmo, de uma nação que governam, colocam sempre a culpa nos
outros. E assim agindo, fazem como Pôncio Pilatos: Lavam as mãos tentando se
isentar de responsabilidades.
No
Brasil, julho entregará a agosto uma marca bem próxima dos 100.000 mil mortes
pelo coronavírus. Para muitas pessoas, por incrível que pareça, esse ainda é um
número pequeno de mortes. Essas pessoas fazem cálculos estranhos, justificando
que, diante do contingente populacional brasileiro, 100.000 mil é um número
relativamente pequeno.
Esquecem-se
essas pessoas que por trás desse número existem 100.000 mil histórias de vidas
encerradas, 100.000 mil famílias que choram seus entes queridos, e dezenas de
milhares de amigos que sentem a falta de alguém a quem eles queriam bem.
De
acordo formado pelo consórcio de imprensa já são 2.419.901 o número de
infectados no país, e 87.052 óbitos, segundo dados atualizados na noite deste
domingo, 26.
E
pensar que milhares dessas mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse uma
ação efetiva de combate à doença por parte do governo federal.
Desde
o início da pandemia, a obsessão do governo foi em salvar a economia e não em
salvar vidas. Isso não são invencionices deste blog, mas os fatos falam por si,
e a realidade grita alto para quem quiser ouvir.
O
descaso do governo em relação a uma crise sanitária de proporções descomunais é
apenas parte de uma história que vai de encontro a todos os ensinamentos e
valores cristãos, apesar de esses valores serem constantemente invocados pelo
mandatário da nação.
Há
descaso para com a vida também, quando, por exemplo se amplia e apoia uma
política que desmata e arrasa a nossa fauna e nossa flora, quando se incentiva
as queimadas e o desmatamento para que madeireiros e garimpeiros possam
implantar seus métodos criminosos de enriquecimento à custa do empobrecimento
dos recursos da nossa mãe Terra, e do desrespeito às populações indígenas em
áreas que deveriam ser protegidas pelo estado.
Há
descaso pela vida quando se relega a segundo plano a educação, coisa já vem
sendo feita no Brasil por décadas e continua no governo atual. Até agora, o
governo não nomeou um ministro da Educação que mereça esse nome. Dia 10 deste
mês, Bolsonaro nomeou o pastor da igreja presbiteriana, Milton Ribeiro para a
pasta no lugar de Abraham Weintraub. Ainda não deu tempo de avaliar o trabalho
do novo ministro à frente da pasta.
Enfim,
são tantas as formas de desrespeito à vida nesse governo... Porém, todas essas
ações podem ser resumida em uma carta.
O
jornal Folha de São Paulo, na edição deste domingo, 26, em matéria assinada
pela jornalista Mônica Bergamo, trouxe ao conhecimento dos leitores daquele
veículo de comunicação, uma carta assinada por 152 bispos brasileiros. Segundo dados
da mesma reportagem, no país são 310 bispos na ativa e 169 eméritos.
A
Carta ao Povo de Deus, assinada pelos eclesiásticos faz duras críticas ao
governo do presidente Jair Bolsonaro, e deveria ter sido publicada dia 22 deste
mês, porém o conselho permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
CNBB, pediu para analisar o documento antes que ele fosse publicado.
Enfim,
a carta faz um resumo perfeito do que temos vistos desde que o governo assumiu
o poder. Atos que se baseiam em uma “economia que mata” e que privilegia o
lucro acima da vida. E nisso também andamos na contramão em relação dos países
desenvolvidos na questão de trabalhar com uma economia sustentável que agrida
cada vez menos o meio ambiente.
Abaixo,
este blog também reproduz a carta assinada pelos bispos e divulgada pela Folha
de São Paulo.
***
Carta ao Povo de Deus
"Somos
bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão
com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora,
sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta
Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos,
sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos
os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento
do povo.
Evangelizar
é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que
“evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho,
176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa
relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida
como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos
necessitados [...], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a
própria consciência. A proposta é o Reino de Deus [...] (Lc 4,43 e Mt 6,33)”
(Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é
dom, compromisso e meta.
É
neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não
temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer
outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa
história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade
estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.
O
Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma
“tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa
dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um
avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os
fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da
República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise
política e de governança.
Este
cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas
instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos
ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos
objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida,
principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade
estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta
indiferença.
É
dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação
a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa
que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não
justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o
povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada
constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros,
mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que
despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser
saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra
sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por
ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).
Todos,
pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento
tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos
anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de
mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o
caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são
projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à
manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos
princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a
Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham
vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Analisando
o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e
inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas
trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais
pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do
povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não
como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres,
desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos,
afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum
e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que
privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande
maioria da população.
O
sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos,
mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria
do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos,
assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar
suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra
estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do
totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo
a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de
armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de
suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma
massa de seguidores radicais.
O
desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece.
Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no
apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos
e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do
secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos
pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela
consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na
desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença
pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e
mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da
Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação
do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares
dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo
nos esforços para salvar vidas.
No
plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários,
responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes
grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada
produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados
ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da
destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação,
educação, moradia e geração de renda.
Fechando
os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal
demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da
sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as
populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos
milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo
coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a
ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas
de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial
para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento
de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água
potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia
intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios
indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB,
Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Até
a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões,
difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o
quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico,
especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a
manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do
nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas
preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar
práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?
O
momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo
diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia,
movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja
restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de
Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos
públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental,
com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e
saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente
“Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil
brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para
pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e
Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam
novas e urgentes alternativas para o Brasil.
Neste
tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo
normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja
doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo
nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que
este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o
esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).
Despertemo-nos,
portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade
de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo,
alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras
das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).
O Senhor vos abençoe e
vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós.
O Senhor volte para vós
o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26).
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