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Enfim, calmaria! Até quando?!

Posted by Cottidianos on 00:37
Terça-feira, 07 de julho


E, de repente, se fez calmaria.
E para se fazer calmaria não precisou muita coisa. Bastou apenas que o presidente fechasse a boca. Calasse. Não dissesse mais nada de controverso, ou desferisse sua “metralhadora cheia de mágoas” contra inimigos invisíveis.
O fato é que desde o dia 18 de junho — quando a Polícia Federal prendeu o ex-assessor da Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz trabalhou no gabinete de Flávio na época em que Flávio era deputado federal pela Assembleia Legislativa no Rio. Os dois operaram juntos em um esquema criminoso de desvio de dinheiro público que ficou conhecido como rachadinha — que Bolsonaro nem ao menos tem parado no cercadinho montado no Palácio da Alvorada, lugar em que ele parava para conversar com apoiadores e satisfazia os bizarros e egoísticos deles ao falar coisas sem pensar, agredindo a quem bem achasse conveniente agredir.
Nisso, os apoiadores do presidente se assemelhavam a multidão que se aglomerava nos anfiteatros romanos, especialmente, no Coliseu, e cujo maior prazer era ver sangue e cabeças rolando. E, realmente, Bolsonaro satisfazia a vontade deles dando sangue e cabeças rolando em forma de ataques verbais.
Talvez, a prisão de Fabrício Queiroz, e da decretação de prisão de Márcia Aguiar, mulher dele, foragida desde a operação que prendeu Fabrício, em 18 de junho, tenha algo a ver com isso. Márcia e Fabrício sabem muita do que acontecia nos porões da Alerj, e também nas transações escusas do filho do presidente, e hoje senador, Flávio Bolsonaro.
Ou o silêncio do presidente está relacionado a operação policial, desencadeada no dia 27 de maio, que realizou busca e apreensão em endereços de empresários, políticos, e blogueiros, que são apoiadores do presidente, no inquérito que apura a produção de informações falsas contra os ministros do STF, e que ficou conhecido como inquérito das Fake News?
Durante essa operação também foi presa temporariamente Sara Winter, líder do movimento denominado ‘300 do Brasil’. Também houve pedidos de prisão temporária de outras cinco pessoas ligadas ao grupo.
Ou ainda o inédito fato de o presidente não ter mais comprado nenhuma briga com integrantes do Judiciário e do Legislativo se deve a que as últimas pesquisas divulgadas mostrarem que ele está perdendo popularidade. O presidente perde popularidade até mesmo em setores onde teve ampla maioria, como é o caso dos mais ricos e escolarizados.
Ou teria sido ainda ao fato de que, mesmo em meio à pandemia, começaram a se levantar em várias capitais do país, movimentos e manifestações em prol da democracia, em contraste com os manifestações radicais que pregavam o ódio às instituições democráticas do país, manifestações essas das quais o presidente participou diretamente?
A resposta para a pergunta: porque o presidente silenciou e não soltou palavras por vezes raivosas, por vezes irônicas, e por vezes sem sentido, no cercadinho do Palácio da Alvorada, e o fato de ele não ter mais tocado fogo nas redes sociais, como costumava fazer todos os dias talvez esteja presente em algum dos fatos citados acima, mas pode se um amarrado de todos eles.
A mudança de direção pode também ter ser creditado ao recém chegado ao governo, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, genro de Sílvio Santos. Fábio é ligado ao Centrão, base no qual Bolsonaro tem buscado apoio. Lembrando que essa base de apoio faz parte do que de mais velho e podre existe na política brasileira. Velha política tão duramente criticada durante a campanha por Bolsonaro.
Fábio chegou ao ministério das Comunicações com ideias novas, e de que é preciso que o presidente seja mais cordial com a imprensa, com o Judiciário, e com o Congresso. Segundo informado pela revista Veja, na reportagem, Bolsonaro afasta-se dos radicais e busca pacificação com Congresso e STF, na edição 2694, publicada em 08 de julho, o ministro das Comunicações estaria fazendo um giro pelas redações dos principais veículos de comunicação do país, com a finalidade de melhorar a relação do presidente com a imprensa.
Algumas atitudes já foram tomadas neste aceno de paz com as instituições, como por exemplo a exoneração do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, na famosa reunião ministerial de 22 de abril, chamou os ministros do STT de vagabundo e disse querer prendê-los.
O fato é que o presidente deve estar ouvindo muitos conselhos, inclusive para se afastar da ala mais radical de seus apoiadores.
Tudo isso é muito bom. Essa calmaria é benéfica para o país. A pergunta que fica é: —conhecendo a personalidade do presidente, que diz uma coisa hoje, e amanhã faz outra completamente diferente — Até quando?
Mas mesmo com todo esse inédito falta de crises provocadas pelo próprio presidente nos últimos dias, o governo ainda não disse a que veio. O governo de Jair Bolsonaro ainda se assemelha em muito a um corpo sem alma, a um carro sem gasolina.
Falta-lhe consistência. Faltam projetos que tragam alento e esperança ao coração dos brasileiros.
Onde está o projeto do governo para a área da educação? Pelo ministério da Educação já passaram os ministros Ricardo Velez e Abraham Weintraub. Eles não acrescentaram em nada na busca por uma educação de qualidade. Apenas se entregaram a ideológicas e inócuas guerras. Projetos mesmo que é bom, nada.
Recentemente, houve Carlos Decotteli, que foi demitido antes mesmo de tomado posse por causa de uma séria de incongruências no currículo.
No ministério da Saúde, a mesma coisa. Por lá já passaram Luiz Henrique Mandetta, e Nelson Teich. Desde a saída de Teich em 15 de maio, o Brasil não conta com um ministro da Saúde efetivo. Desde então o cargo é ocupado por um interino, o general Eduardo Pazuello. E o interino é do jeito que Bolsonaro gosta: cumpridor de ordens.
Ainda se estivéssemos em tempos de calmaria o fato de ter um interino na pasta da Saúde não seria muito indicado, imaginem então no meio de pandemia que já vitimou mais de 65 mil brasileiros, e tem potencial para matar muito mais nos próximos meses.
E o que dizer da Cultura, qual o projeto de cultura para o país? E no Meio Ambiente qual o projeto, além de provocar ações que incentivam o desmatamento das nossas florestas e afastam do país os grandes investidores comprometidos com a causa ambiental?
O que sabemos é que o Brasil está como barco sem rumo, nau sem capitão. E o problema não é apenas devido a pandemia, ou a crise econômica. A primeira é absolutamente nova, o governo teve o azar de tê-la como convidada non grata em pleno governo, mas também é responsável com sua atitude de negar a doença e a ciência, por agravá-la. A segunda já vinha se arrastando desde o governo da ex-presidente, Dilma Rousseff.
A causa do país está como barco sem rumo, nau sem capitão é devido a incompetência do governo que não sabe firmar o Brasil nos trilhos. E, todos sabem, que um trem que não tem estabilidade, mais cedo ou mais tarde, descarrilhará.
Por aqui este blog finaliza este artigo, mas não antes sem deixar aos leitores uma reflexão do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, publicada no jornal, El País, Brasil, em 05 de julho de 2020, sob o título, Tempos Confusos.
Apenas esclarecendo. No artigo, Fernando Henrique diz: “Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não demitiu ninguém ou ninguém se sentiu na obrigação de abandonar o ministério”. Porém, após a publicação do texto, surgiu mais um fato novo.
O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, que havia sido convidado por Bolsonaro para assumir a pasta da Educação, publicou no domingo, 5, uma nota em rede social, dizendo ter rejeitado o convite do presidente para assumir o cargo. O fato é que Feder já vinha sendo fritado por setores bolsonaristas antes mesmo de aceitar o cargo. Ele deve ter mesmo pensado: “Eu hein, nessa panela quente, eu é que não entro”. No que fez muito bem. Era desgaste à toa. Já sabemos como essa história terminaria.

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Tempos confusos
Governo que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a lanterna mágica para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca



FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
05 JUL 2020 - 07:52 BRT

Tempos confusos os que temos vivido. A tal ponto que estranhamos o que ocorreu no meio da semana: chamou a atenção o fato de o Governo não haver arranjado nenhuma confusão nova. Isso depois de, sem dar-se ao luxo de explicar melhor ao país as razões, o presidente haver dispensado vários ministros nas pastas de Educação e Saúde. Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não demitiu ninguém ou ninguém se sentiu na obrigação de abandonar o ministério. Nem mesmo se viu o presidente ou seus porta-vozes atribuírem à oposição ou a alguém mais notório o estar “conspirando”. Daí a calmaria.
É assim que vai andando o atual Governo, meio de lado. Sem que os “inimigos” façam qualquer coisa de muito espetacular contra ele, é ele próprio quem se embaraça com sua sombra. De repente, quando não há nenhum embaraço novo, nenhuma “crise”, o presidente não se contém: fala e cria uma confusão.
É verdade que o governo federal não teve sorte. Não foi ele quem criou a pandemia que nos aflige, nem a paralisação da economia, que já vinha de antes. Mas a confusão política, desta ele se pode apropriar: foi coisa inventada pelo próprio presidente e seus fanáticos.
Por certo ela se agrava com a crise econômica e a da saúde pública. Mas o mau gerenciamento das crises e da política é o que caracteriza os vai-e-vens do Governo Bolsonaro. No Congresso e nos Tribunais (apesar de tão mal falados nos comícios pelos adeptos presidenciais) tem havido resistências à inação governamental e a suas investidas contra as instituições.
Comecemos pelo que mais importa, a saúde pública e a de cada um de nós. O governo federal desconsiderou os riscos da situação epidêmica no início, e, depois, passou o bastão às autoridades locais. Compreende-se que sejam estas, mais perto das populações, a gerenciar o dia-a-dia. Mas o papel simbólico é sempre, para o bem e para o mal, de quem exerce a presidência, tenha ou não culpa no cartório. Além disso é o que prescreve a Constituição, no seu art.23, sobre as competências comuns, entre as quais está a de zelar pela saúde pública, como deixou claro o STF em sua decisão a respeito.
Da mesma maneira é inacreditável que em tão pouco tempo o Governo haja substituído dois ministros na pasta da Educação e que o país ainda não saiba quem será o próximo ministro. Os anteriores o pouco que fizeram foi suficiente para darmos graças por se terem afastado. Mas quem virá? E logo numa área crucial para o país.
Governo que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a lanterna mágica para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca.
Talvez esteja aí a falta maior do presidente: ele fala como qualquer pessoa, o que pode parecer simpático. É um “uomo qualunque”. Diz o que lhe vem à cabeça, como qualquer mortal. Mas este é o engano: o papel atribuído pelas pessoas ao presidente, qualquer deles, exige que ele, ou ela, mesmo sendo simples (para não dizer simplório), não pareça ser tão comum na hora de decidir ou de falar ao povo sobre os destinos da nação.
Em certos momentos muita gente no país pode até apreciar a semelhança entre si e o chefe-de-estado. A maioria mesmo: pois não foi ele quem ganhou as eleições? Afinal o presidente, dirão, é uma pessoa como qualquer outra. Mas quando há crises, é quando mais se precisa que haja comando, rumo. Talvez por isso os “homens comuns” no poder acabem por ser incomuns, singulares na sua incapacidade de definir um rumo. Quando têm personalidades autoritárias, investem e esbravejam contra as instituições democráticas. No Brasil, elas têm respondido bem ao desafio.
Onde iremos parar? Não tenho bola de cristal, mas é melhor parar logo. Se pudesse eu lhe diria: presidente, não fale; ou melhor, pense nas consequências de suas falas, independentemente de suas intenções. Sei que é difícil, afinal estava em seu lugar quando houve o “apagão” e também durante algumas crises cambiais. Não adianta espernear: vão dizer que a “culpa” é sua, seja ou não. E, no fundo, é sua mesma. Não se trata de culpa individual, mas, política. Quem forma o governo (sob circunstâncias, é claro) é o presidente. A boca também é dele. Logo, queiramos ou não, sempre haverá quem pense que o presidente é responsável. Vox Populi, dir-se-á...
É assim em nosso sistema presidencialista e, talvez, seja assim nas sociedades contemporâneas. Com a internet as pessoas formam redes, tribos, e saltam as instituições. Por isso é mais necessário do que nunca que haja lideranças. Em nossa cultura e em nosso regime, já de si personalistas, com mais forte razão os líderes exercem um papel simbólico, falam pela comunidade. O líder maior é sempre o presidente, pelo menos enquanto continuar lá. Por isso é tão importante: se não souber falar, se tiver dúvidas, que o presidente se cale. Como nesta semana. Melhor, contudo, é que se emende e fale coisas sensatas, que cheguem ao coração e faça sentido na cabeça das pessoas razoáveis.

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