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O uivo das estrelas mortas
Posted by Cottidianos
on
02:25
Sexta-feira,
13 de setembro
Prezados
leitores em relação ao mundo das notícias e habilidade em escrevê-las estou
como o personagem da música A banda, de Chico Buarque: vendo a banda passar.
Vejo as notícias, porém, no momento, só posso pensar sobre elas, mas não escrever
sobre elas. O motivo é que estou me recuperando de uma queimadura na mão
esquerda. Obviamente, me falta habilidade para digitar. É complicado digitar
apenas com uma das mãos, como estou fazendo agora. Ainda levara alguns dias
para que os tecidos se recomponham. Enquanto isso, compartilho textos de outros
veículos de comunicação, como agora, por exemplo, em que compartilho um texto
do jornalista, Juan Arias, do El País Brasil. O artigo foi publicado ontem (12),
no referido jornal.
***
O
uivo das estrelas mortas
Muitas
estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar
uivando” e se alimentando das companheiras, dizem os astrofísicos
JUAN
ARIAS
12
SEP 2019 - 14:06 BRT
O
mundo de hoje, como sempre desde o tempo dos primeiros feiticeiros, gira em
torno da política que é quem governa os destinos do nosso hoje e do nosso
amanhã. O problema não é a política, mas os políticos que a encarnam. Existem
aqueles que acreditam estar vivos, mas, na realidade, são estrelas mortas que
há muito perderam sua luz e sua força. Como no cosmos, também existem
políticos, não importa a idade, que desapareceram há muito tempo porque se
tornaram estéreis e perderam o relógio do tempo.
Se
quiséssemos aqui, no Brasil, na América Latina e até na velha Europa, descrever
o panorama político atual, poderíamos escolher a semelhança do que está
acontecendo no cosmos, onde especialistas explicam que “o centro da nossa
galáxia está cheio de estrelas jovens e velhas, buracos negros e outras
variedades de cadáveres estelares, um enxame inteiro ao redor de um buraco
negro supermassivo chamado Sagitário A.”
Além
disso, muitas dessas estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem
mortas, poderiam “estar uivando” e se alimentando de estrelas companheiras,
dizem os astrofísicos. Uivos metafóricos que assustam igualmente.
O
Brasil vive, de fato, neste momento, um cataclismo estelar no qual se ouvem
ecos de autoritarismo e nostalgias de ditaduras passadas que nem sequer são
dissimulados. Na segunda-feira, dia 9, Carlos, um dos três filhos políticos do
presidente Bolsonaro, vereador da importante Câmara Municipal do Rio de
Janeiro, provocou um terremoto ao escrever nas redes: “a transformação que o
Brasil quer não acontecerá pelas vias democráticas”. A alusão à necessidade de
usar métodos ditatoriais era evidente. O vereador continuou escrevendo: “Só
vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos
dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes”.
Felipe
Santa Cruz, atual presidente da OAB, cujo pai é um dos desaparecidos durante a
ditadura militar, declarou: “Não podemos aceitar uma família de ditadores”, e
acrescentou: “A família Bolsonaro tem uma história de declarações a favor da
ditadura militar de 64 a 85”. Da ditadura e da tortura, sempre exaltada por Bolsonaro.
E
é verdade que a gravidade das declarações de Carlos Bolsonaro não pode ser
vista como um deslize pessoal do jovem político que já era vereador aos 17
anos. O mais grave é que seu pai, o presidente do Brasil, que estava se
recuperando naquele momento em um hospital em São Paulo de uma operação de
hérnia e postava fotos andando pelo corredor do hospital, não teve uma única
palavra de repreensão às declarações do filho, a quem chama de pit bull, seu
cão de guarda. O vereador ficou famoso quando o protocolo lhe permitiu
acompanhar, no banco traseiro do Rolls Royce presidencial, as duas vezes que
Bolsonaro o usou junto com a esposa, Michelle, a primeira-dama: no dia do
desfile da posse como presidente e dias atrás, durante o desfile solene do
aniversário da Independência.
O
grave é que hoje no Brasil todos sabem que quem governa não é apenas o capitão
da reserva, Jair Bolsonaro, mas também seus três filhos: o senador Flavio, o
deputado federal Eduardo e o dinâmico vereador, Carlos, considerado o gênio da
Internet e quem organizou a campanha das eleições presidenciais nas redes
sociais. Acaba de pedir afastamento como vereador para se dedicar, certamente,
de novo a adestrar nas redes os seguidores mais fanáticos e fiéis que estavam
diminuindo com a queda vertical na popularidade do presidente, que chegou a
29%, algo que nunca aconteceu nos primeiros oito meses de Governo com nenhum
dos ex-presidentes da democracia.
Há
quem defenda hoje que os poetas deveriam parar de usar palavras como estrelas,
lua ou sóis em suas composições. Esquecem-se de que poucas realidades evocam,
até na política, tantas imagens e tantas metáforas quanto o mistério do cosmos.
Não por acaso são os cientistas que nos lembram que nós, humanos, “somos feitos
do mesmo pó das estrelas”. Somos pedaços do universo.
E
se o céu estelar, que tanto fascina grandes e pequenos, nunca poderá abandonar
as imagens da criação poética, tampouco deveria fazê-lo o complexo e confuso
mundo da política que também está povoado, por exemplo, de estrelas que já não
existem embora acreditamos que estão vivas. E o pior é que mesmo mortas
continuam uivando ameaçadoras e se alimentando dos vivos.
É
verdade, de acordo com a ciência, que existem estrelas que fascinam com seu
brilho e, no entanto, já não existem. Já estão, como acontece com muitos
políticos em todos os níveis de poder, mortas, embora ainda vorazes. E esses
políticos são hoje o centro do nosso pessimismo. Eles acreditam que estão
vivos, querem comer o mundo, fazê-lo retroceder aos tempos dos extermínios e
dos escravos, e ainda uivam nas noites das longas facas de traições e
conspirações.
E
se é o pessimismo da razão e do coração que nos arrasta até desprezar a nobre
arte da política que sempre governou o planeta, também existe não digo o
otimismo, que é uma palavra de que não gosto, mas a esperança de que, também ao
contrário, existam estrelas no cosmos que já nasceram e estão vivas, embora sua
luz distante ainda não tenha chegado a nós. É a esperança de que algo novo
esteja vindo, sem uivos e traições, mas com cantos de paz e de diálogo, e com a
vontade de criar um mundo menos desumano para que as estrelas que um dia
chegarão, em vez de uivar gritos de velhas guerras, nos cantem versos de vida.
Penso
que hoje aqui no Brasil, um país que vive um momento mais de uivos de estrelas
mortas e ainda vorazes do que de hinos de liberdade, vejo com alegria que os
vivos, de todas as vertentes, estão se reunindo em um grande abraço contra a
barbárie que lhes querem impor. Vimos isso na reação maciça e nacional, especialmente
dos mais jovens, contra a arbitrariedade do prefeito evangélico do Rio, Marcelo
Crivella, que mandou policiais à grande festa da Bienal do Livro, visitada por
milhares de crianças, para recolher um livro de literatura infanto-juvenil, de
história em quadrinhos, em que dois jovens se beijam.
E
estamos vendo essa reação contra os políticos estrelas mortas seguidores do
violento e autoritário capitão, que gostaria de transformar o país em uma
teocracia presidida pela Bíblia e não pela Constituição e em um país armado com
licença para matar. Um país sem liberdade de expressão no qual ele zomba
abertamente da defesa dos direitos humanos que sonharia abolir.
Justamente,
as perigosas afirmações do filho de Bolsonaro insinuando que seu pai não poderá
transformar este país “por vias democráticas” aconteceram quando jornalistas e
intelectuais de todas as formações políticas e de todos os grandes jornais se
reuniram na importante Universidade de São Paulo (USP) para reafirmar o direito
à liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura ou ameaça à
imprensa. Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil, insistiu, por exemplo, na
necessidade de que os jornalistas se tornem “uma caixa de ressonância”, já que
acrescentou: “Não temos o direito de claudicar”.
O
Brasil, que de repente se viu golpeado por medidas autoritárias e ilegais que
pressagiam um perigo para as liberdades, começou a acordar. A responsabilidade
é grande. A História nos ensinou no passado como é fácil, de escorregão em
escorregão, sem capacidade de reagir, acabarmos afundados no abismo.
O
NÃO às feridas contra as liberdades conquistadas democraticamente e contra a
Constituição, que de laica se deseja transformar em confessional, tem de ser
claro e vigoroso se não quisermos chorar amanhã, ou que o façam aqueles que nos
seguirão, por nossa cumplicidade com a política vista mais como um conjunto de
estrelas mortas do que como um cosmos que se move nesse maravilhoso equilíbrio
cujo milagre nos surpreende quanto mais o conhecemos.
O
cosmos fascina porque seu mistério e sua grandeza nos emocionam. Nada nele,
dizem os astrofísicos, é banal. Transpondo para o nosso mundo político,
poderíamos dizer que aqui estamos nos antípodas dessa grandeza. Hoje, nela,
como o filósofo Alain Deneault acaba de denunciar, o que prima é a
“mediocracia” e “o que realmente importa não é evitar a estupidez, mas
adorná-la com a aparência de poder”. São as alucinações das estrelas mortas que
ainda se permitem nos assustar com seus uivos.
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