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Escolas de lata
Posted by Cottidianos
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18:40
Segunda-feira,
04 de março
Por
todo o Brasil é carnaval. Nas ruas, avenidas, ou nos salões, a alegria se faz
presente de forma intensa. As principais capitais do país onde a agitação e a
folia são mais intensas vivem seus dias de glória. Dos que vivem o luxo das
escolas de samba do grupo especial do carnaval carioca aos que desfilam na
alegria espontânea e simples dos blocos de rua, todos vivem seus dias de êxtase.
Para
uns, carnaval é folia, para outros é negócio, e negócio lucrativo. Mas depois
da quarta-feira de cinzas, quando o corpo for despido das plumas, dos paetês,
do brilho das purpurinas, e dos abadás dos blocos, o país continuará o mesmo
com seus dramas, seus muitos problemas políticos ou econômicos.
E
um dos grandes problemas brasileiros, quem sabe, a raiz de todos os outros, é a
falta e investimentos, e mais que isso, de descaso para com a educação. Basta
olharmos ao redor para ver que os países ditos desenvolvidos olharam e trataram
a questão da educação como joia rara, e joia rara para ser lapidada exige muito
trabalho, mas depois que esse serviço é feito, elas valem verdadeiras fortunas.
Ao
contrário, aqueles países que ao invés de ostentarem os diamantes que os bons
investimentos em educação representam, e se contentam apenas em usar bijuterias
baratas, podem até ter os melhores e mais belos recursos naturais, mas sempre
experimentarão atrasos econômicos e sociais.
As
nações que se preocupam em oferecer um sistema educacional de excelência, podem
ser comparados à cigarra e à formiga da fabula de Esopo, recontada por grandes nomes
da literatura.
Conta
a fábula que a formiga houvera passado todo o verão a trabalhar, arduamente,
estocando comida para quando chegasse o inverno. Por outro lado, a cigarra
passara o verão a cantar, cantar, e cantar, sem a menor preocupação com os dias
difíceis. E eles chegaram, aí a situação se inverteu. As formigas ficaram
tranquilas, com alimento de sobra para atravessar o rigoroso inverno, enquanto
a cigarra ficou em apuros e passou aperto.
Podemos
também comparar os dois modelos de nação dos quais estamos falando com a
parábola das dez virgens, citada no evangelho de Mateus, 25, 1-13. Diz o relato
que dez virgens pegaram suas lâmpadas e saíram ao encontro do noivo. Cinco
delas eram prudentes, e as outras cinco, não eram. As prudentes levaram azeite
de reserva. Enquanto as outras não tiveram esse cuidado.
Aconteceu
que o noivo tardou, e todas acabaram tirando um cochilo. À meia-noite ouviu-se
um burburinho. Alguém dizia que o noivo houvera chegado e que era preciso ir ao
seu encontro.
O
azeite das lâmpadas estava no fim. As virgens que haviam sido prudentes usaram
a reserva para fazer a troca do óleo. As que não tiveram prudência, ao se verem
sem azeite, se desesperaram, e pediram azeite para as que tinham levado. Estas,
sensatamente, replicaram: Não podemos fazer isto, pois pode ser que, cedendo
azeite para vocês, venha a faltar para nós. Saiam por aqui e vejam se encontram
que vende e comprem mais azeite para vossas lâmpadas.
Desesperadas,
elas saíram à procura do óleo. Quando retornaram já era tarde demais: o noivo
já havia chegado, e os que estavam presentes entraram junto com ele, e a as
portas foram devidamente fechadas.
Como
diz a máxima bastante conhecida: Não deixes para amanhã, o que se pode fazer
hoje.
E
o que o Brasil tem feito para lapidar essa joia chamada educação? Infelizmente,
pouco, muito pouco. Quase nada.
É
o que podemos deduzir a partir de uma reportagem, na verdade, uma denúncia,
apresentada pelo Fantástico, neste domingo, 03.
Quando
se pensa em sala de aula, qual a imagem que vem à mente do leitor, ou leitora?
Um ambiente com uma boa estrutura física, ar condicionado, ou aquecedor,
cadeiras decentes, tudo isso como parte de uma estrutura física maior, não é
verdade?
Ao
ouvir as palavras “sala de aula”, algum de vocês, por acaso, imaginaria um
contêiner feito de lata, sem ventilação, algumas vezes até sem energia
elétrica? Pois estas “soluções” improvisadas vem sendo implantado em alguns
estados. Há também salas de aula improvisadas em baias de cavalo.
O
Fantástico mostrou o drama de alunos que estudam na escola José Pedro Gonçalves
Filho, na comunidade Juquara, na zona rural de Rosário Oeste, no estado de Mato
Grosso.
A
estrutura metálica montada pelo governo do estado, e que eles ousam chamar de
escola, não possuem ar condicionado, e, como faz muito calor na região, dentro
dos contêineres o calor é insuportável.
Nem
mesmo de privacidade quando precisam usar banheiros os alunos dispõem. Os dois
únicos locais destinados para este fim não têm portas, nem no masculino, nem no
feminino, deixando os alunos em uma situação bastante constrangedora.
Quem
teria estímulo para estudar em tal ambiente? Muitos alunos não têm, e com razão.
O resultado disso é o alto índice de evasão escolar.
A
reportagem mostrou o depoimento do menino Laurito. Ele mostra com orgulho o
material escolar que têm para iniciar o ano letivo: mochila, caderno, lápis, e
outros materiais próprios de um estudante. Vontade de estudar ele tem, e muita.
Mas quando olha para o ambiente que vai ser sua escola essa vontade se esvaí,
como se esvai a fumaça no ar.
O
menino diz que nos contêineres é quase impossível de sobreviver. Ao que o
repórter pergunta porquê. O menino então responde: “É muito quente. Lá é tipo
um forno gigante”. O “forno gigante” a que o menino se refere é justamente o
Anexo da Escola José Pedro Gonçalves Filho, onde cerca de um terço dos alunos
abandonaram os estudos.
Tudo
isso é resultado da má gestão das autoridades. Até o ano de 2016, havia um
prédio de alvenaria no qual o período de estudo se dividia em dois turnos:
manhã e tarde. Querendo economizar no transporte dos alunos, a prefeitura
resolveu tirar os veículos que transportavam os estudantes de circulação.
O
resultado encontrado pela Secretaria de Educação foi deixar apenas um turno de
estudo, dessa forma duas turmas passaram a dividir a mesma sala. A solução,
entretanto, não era boa, e o governo do estado adotou outra ainda pior: alugou
contêineres de alumínio e transformou-os em sala de aula. Além das condições
insalubres, a escola também não dispõe de refeitório, nem de biblioteca.
Segundo
a reportagem do Fantástico, foram 110 contêineres semelhantes alugados para 9
escolas da capital e do interior no estado de Mato Grosso.
Na
capital, Cuiabá, na Escola Estadual Professora Hermelinda de Figueiredo também,
alunos e professores enfrentam situação dramática. Lá os contêineres de metal
são usados por 160 alunos, desde que uma tempestade destelhou metade da escola,
ainda em outubro de 2017. O prazo estimado para a reforma pelos órgãos públicos
foi de 6 meses. Mas a incompetência e o descaso das autoridades foram maiores.
Quase um ano depois a escola de alvenaria continua sem condições de receber os
alunos.
Nenhuma
manutenção é feita nos “fornos gigantes” pela empresa contratada pelo governo.
Por isso a empresa que aluga as estruturas de metal não faz manutenção nas
mesmas. Isso faz com que a situação que já e vergonhosa por si só, se torne
mais vergonhosa ainda. Fiação descoberta, ar condicionado caindo aos pedaços, e
goteiras que fazem inundar as salas por ocasião das chuvas.
Com
as paredes revestisdas de um material feito de PVC e placas de isopor no teto,
o risco de incêndio é grande. E ainda tem um agravante nisso tudo: nenhum dos
contêineres foram vistoriados pelos bombeiros.
Ainda
em uma escola do Mato Grosso, localizada no Pantanal, foi montada uma estrutura
de metal com promessas de ser um ambiente decente, com ar condicionado e tudo o
mais, porém, mais uma vez a má gestão fez com que os responsáveis não
percebessem que a corrente elétrica da escola não era suficiente para manter os
aparelhos de ar condicionado funcionando.
Por
causa disso, e enquanto as autoridades não solucionam o problema os alunos são
obrigados a estudar numa estrutura improvisada quem nem parece escola mesmo
sendo de alvenaria, e que era uma antiga baia de cavalos. O teto é de madeira e
deixa passar os raios do sol, fazendo com que os alunos fiquem no sol, mesmo
debaixo de um teto.
Nesse
caso, o governo gastou R$ 35 mil para alugar os contêineres. O pai de um dos
alunos se propôs a ajudar na reforma da escola atual. Fez um orçamento que
ficou em R$ 18 mil, e apresentou ao secretário de educação. Este falou que não
havia dinheiro para aprovar o orçamento, sendo que reformar ficaria muito mais
barato que o aluguel das estruturas de metal.
Apesar
da polêmica, o uso das escolas de lata não são novidade. Elas foram usadas por
primeiro na administração do prefeito de São Paulo, Celso Pitta, quando ele
esteve à frente da prefeitura daquela cidade entre 1997-2000. Experiência que
foi, posteriormente, estendida para a rede estadual.
As
estruturas de metal foram inicialmente armadas como solução provisória para
atender a demanda. Foram construídas, inicialmente, 54 escolas nesse modelo,
por Celso Pitta, e apesar de terem sido apresentadas como solução emergencial,
nenhuma delas foi substituída até o final da administração dele. As escolas de
lata apenas começaram a ser substituídas durante o governo de Marta Suplicy à
frente da prefeitura de São Paulo, entre 2001-2004. Os prefeitos seguintes,
José Serra e Gilberto Kassab, acabaram, por fim, com as estruturas de metal que
serviram de escola.
Porém,
como vimos, os maus exemplos voltaram a ativa em alguns estados brasileiros,
deixando à mostra a insensatez de copiar os maus exemplos, quando estes
deveriam ser lembrados apenas como exemplo do que não fazer.
Enquanto
isso, no final do mês passado, o ministro da Educação, , Ricardo Vélez
Rodríguez, enviou uma carta às escolas de todo o país determinando que o hino
nacional fosse cantado nas escolas, e que os alunos fossem filmados durante o
ato cívico. As imagens deveriam ser enviadas ao Ministério da Educação. A carta
dizia ainda que os alunos deveriam repetir o slogan de campanha do presidente
Jair Bolsonaro: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.
Diante
da repercussão negativa, o ministro voltou atrás e tirou do texto a parte em
que pedia que os alunos fossem filmados, e também a questão de repetir o slogan
de campanha do presidente.
Mentes
preparadas e esclarecidas, geram um país preparado e esclarecido. Investimentos
no ensino básico geram alunos com capacidade e disposição para enfrentar a maratona
de estudos das universidades. Estas por sua vez, recebendo todo o apoio e
incentivo necessário dos órgãos governamentais colocam no mercado profissionais
especializados em todas as áreas do conhecimento. Estes, por sua vez, usarão de
seus conhecimentos para produzir ciência, tecnologia, arte, cultura, ou seja,
qual for o ramo a que tenham se dedicado. É tudo uma reação em cadeia.
Investir
em educação é investir no futuro do país. Desprezá-la é jogar um caminho de
sucesso e prosperidade na lata do lixo. Ela é como se fosse o Green Card para o
ingresso no mundo dos países desenvolvidos.
E
enquanto tivermos governantes que virem às costas para o sistema educacional
brasileiro, e, em se tratando do governo atual, enquanto ele estiver preocupado
com questão menores como filmar os alunos cantando o hino nacional, e repetir o
slogan de campanha do governo, e também analisar a educação apenas pelo viés
ideológico, estaremos apenas nadando em mediocridade. E a mediocridade nada
mais é do que um laguinho, sem muitas possibilidades de expansão.
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