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Urna: A grande julgadora

Posted by Cottidianos on 23:39

Sábado, 08 de outubro


Prezados leitores e leitoras, hoje apenas compartilho um artigo do jornalista, Marcelo Rubens Paiva, colunista do jornal O Estado de São Paulo, publicado neste sábado, 08 de outubro. O jornalista faz uma interessante análise do resultado das urnas em São Paulo, mas que pode ser aplicada a cada cidade brasileira. É um ponto de partida para uma reflexão sobre o resultado das eleições em nossos domicílios eleitorais. O que as urnas quiseram dizer? Eles são soberanas, é verdade, mas estarão sempre certas?

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João Doria: Prefeito eleito de São Paulo

Urnas não passam recados, decidem

Até existe “mensagem das urnas”, o novo clichê político. Mas elas não passam recados apenas. Decidem. Escolhem. Mandam. Promovem. E demitem sem dó.

Marcelo Rubens Paiva

As urnas são contraditórias, por vezes confusas. Surpreendem. Entendê-las é um esforço sem fórmulas. Parecem aleatórias. Jogam dados. Para uns, especialmente os derrotados, falta inteligência nelas, são manipuladas por marqueteiros, pela mídia, pelos poderosos. Para outros, têm sabedoria embutida, sabedoria desconhecida pela classe política e elite pensante. A sabedoria do povo, pelo povo, para o povo.

As urnas são sensíveis e histéricas. Dramáticas. Em uma semana, muda-se o resultado. Candidatos passam meses na liderança de pesquisas e despencam quando elas, as urnas, são conectadas ao computador do sistema eleitoral central.

Uma fala mal colocada, um gesto, uma descoberta, um descuido na vida pessoal de um candidato reflete nas urnas. As urnas têm voz.

Elegeram surpreendentemente Erundina e Haddad, que largaram bem atrás. Que não fizeram seus sucessores. Escolheram desconhecidos, como Collor e Doria. Este largou em último. Por vezes, as urnas, oxigênio do jogo político, decidem por um que se anuncia não político, desprezando políticos engajados e definidos pelo jogo político.

Ulysses Guimarães, o Senhor Democracia, foi aposentado precocemente pelas urnas da sua redemocratização. Como Churchill, que uniu um povo dividido para vencer a guerra das guerras, o invencível Terceiro Reich.

Urnas preferiram malucos a sábios, aventureiros a currículos. Elas são intempestivas, emocionalmente instáveis, temperamentais, para o bem ou para o mal. A grande função da democracia é respeitá-la. No final das contas, as urnas são a única força que legitima o Poder.

As urnas não gostam de taxas, impostos. Marta Suplicy, apelidada de Martaxa, foi eliminada pelas urnas. Não gostam dos que abandonam suas escolhas e cargos por elas designados. Serra foi vítima da própria inquietação, ao não conseguir terminar um mandato para o qual foi eleito.

Urnas não gostam de multas. De controle da velocidade. Haddad foi a vítima recente da incógnita chamada resultado das urnas. Haddad não apenas perdeu, foi humilhado. Sumariamente demitido. Se para alguns, foi o melhor prefeito que São Paulo já viu, ousado e inovador, para as urnas, era imprestável. Levou um pé, um fora, um cartão vermelho. Vermelho da cor do PT, demonizado pelas urnas, acusado de responsável por todos os males.

Fora Haddad, pediram todas as zonas eleitorais, especialmente as da periferia. Preferimos o desconhecido milionário, o que se diz apolítico, sob as asas da velha política que domina São Paulo há décadas, o PSDB.

Não perdeu exclusivamente por causa de ciclovias, controle de velocidade, da Paulista fechada aos carros, radares. Uma tal indústria da multa foi a estrela de uma campanha política despolitizada. Me pergunto, agora que as urnas tiraram Haddad do comando, e escolheram outro que já afirmou que irá rever o limite máximo da velocidade, quais multas as urnas acham injustas.

As urnas não querem pagar multas por excesso de velocidade, mesmo que a velocidade mate? Especialistas apontam que a redução de velocidade despencou as mortes no trânsito. Que ainda é enorme (645 mortes entre janeiro e agosto deste ano).

As urnas estão pouco se importando. Elas são soberanas. Faz-se a vontade da maioria. Que a minoria aceite, apesar de achar que está coberta de razão. Que a minoria aprenda a escutar as urnas. Que faça autocrítica.

Se um carro está a 32 km/h, ele pode produzir óbito se causar um acidente em 5% dos casos. Se está a 45 km/h, sobe para 48%. Se está a 64 km/h, produz óbito em 85% dos casos. Mas as urnas decidiram aumentar a velocidade das vias expressas. As urnas têm pressa. Acelera São Paulo, escolheu.

As urnas não querem pagar multas nem radares que detectem carros que avancem o sinal vermelho? Ou carros que avancem faixas de pedestres? São contra a indústria da multa que multa motoristas alcoolizados, em alta velocidade, que fazem rachas? Não se quer multa naqueles que param em vagas de deficientes, em fila dupla, na porta da sua casa?

Afinal, o que querem aqueles que não querem uma prefeitura que multe, que puna infrações, que controle a barbárie do trânsito com radares?

Doria ganhou com folga. Perdeu para o nada (abstenções, votos brancos e nulos). Humilhou adversários, até três ex-prefeitos não envolvidos diretamente (até então) em corrupção, o mal maior. O resultado era esperado. Mas não assim, no primeiro turno, com uma derrota acachapante.

Se Mãos Limpas, operação italiana semelhante à Lava Jato, que detectou uma corrupção endêmica na velha política partidária, em que até adversários rachavam a propina (democracia-cristã, socialistas e comunistas), desmembrou partidos históricos, implodiu a política, gerando fenômenos exóticos como Berlusconi e Beppe Grillo, dos partidos novos Força Itália e Cinco Estrelas, estávamos todos esperando qual figura ascenderia no cenário brasileiro de lama política até o pescoço, de descrença na democracia representativa.

O PT, como o PCI, poderia ser refundado, já que deixou de ser o PT para o que foi fundado, como o PCI, que deu no PD e hoje está no poder na Itália, com o primeiro-ministro Matteo Renzi, curiosamente encabeçando reformas que o PCI jamais promoveria, como a da previdência.


E veremos até onde irão as semelhanças entre os empresários Silvio Berlusconi e Doria Júnior, Força Itália e Acelera São Paulo.

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