Sábado, 20 de fevereiro
“A beleza do cosmos é dada não só pela unidade na
variedade,
mas também pela variedade na unidade.”
(do livro O Nome
da Rosa – Umberto Eco)
Hoje é um dia atípico. Uma noite atípica no
Brasil. Por quê?
Hoje nos é dado um poder que, a princípio, é
atribuído ao Deus das maravilhas: o poder de manipular o relógio, brincar com o
tempo. Hoje, quando os ponteiros do relógio se encontrarem na calada da meia
noite, podemos voltar ele novamente para as onze horas, e com isso, ganhamos
mais uma hora. É o fim do horário de verão, nas regiões sul, sudeste e
centro-oeste. Enfim, o horário de verão, amado por uns e odiado por outros, se
despede para voltar no final do ano. Digamos que o horário de verão também tem
direito a umas prolongadas férias.
Feito essa breve introdução informal e
informativa, passo a tratar do assunto que é objeto desta postagem.
Você conhece Umberto Eco? Não! E o romance,
ou o filme baseado nele, chamado O Nome da Rosa? Você conhece? Então você
conhece Umberto Eco.
Enfim, após dar uma contribuição fenomenal no
campo de pensamento, nessa humanidade tão carente de bons pensadores, Umberto
Eco, exalou seu último suspiro, colocando um ponto final em sua existência
terrena. O romance que ele havia começado a viver — digo viver, pois o autor do
livro da vida não somos nós, apesar de nele sermos protagonistas — no dia do
seu nascimento, no dia 05 de janeiro de 1932, em Alexandria, Itália e chegou ao
fim em Milão, no último dia 19 de fevereiro, aos 84 anos. Terminado o primeiro
volume de um romance chamado vida, começa o segundo volume, chamado vida
eterna. E, desconfio que, também nele, o personagem em questão fará uma
trajetória brilhante e iluminada.
Escritor, filósofo, semiólogo, linguista e
bibliófilo italiano. Como pode uma pode ser tantas coisas ao mesmo tempo, e,
melhor, ser cada uma delas com propriedade e sabedoria? Isso é um dom, coisa de
quem sabe sorver cada gota de mel da colmeia da vida.
Autor de obras de grande importância, não
apenas para os italianos, mas para toda a humanidade, Umberto Eco tem em O Nome
da Rosa o seu livro mais conhecido.
Umberto Eco, que os anjos de luz te recebam
com alegria e te levem às santas moradas, onde possas prosseguir a jornada da
vida, pois a morte não existe, é apenas passagem: um rito de passagem como
tantos que temos vida afora.
Abaixo, compartilho com vocês uma excelente
entrevista que Umberto Eco concedeu à jornalista Ilze Scamparine, jornalista
corresponde da Globo na Itália, em julho de 2015. A entrevista foi exibida no
programa de entrevistas, Milênio, da Globo News. O programa inédito é exibido às
segundas-feiras, às 23h30, e reexibido nos seguintes horários alternativos: (terça-feira)
03h30 e 17h30; (quarta-feira) 05h30; (quinta-feira) 06h30; 19h30 (domingo)
07h05.
***
Entrevista
Umberto Eco
Ideias
do Milênio
“Todo
fundamentalismo quase sempre se baseia em afirmações falsas”
17
de julho de 2015
Umberto
Eco é um italiano que olha a realidade com óculos especiais. Defini-lo como
escritor e crítico literário seria muito pouco. Também seria insuficiente
nominá-lo como linguista, esse piemontês de Alexandria, de fama internacional é
também filósofo e um ensaísta vivaz. Semiólogo, usa a ciência dos símbolos como
um esquema mental. Grande apaixonado pela Idade Média, produziu obras como O Nome da Rosa, de 1980, um suspense
filosófico ambientado no ano de 1327, que virou best seller e inspirou um filme
com Sean Connery. Estudioso do fenômeno da comunicação, foi um dos primeiros
por aqui a falar de linguagem televisiva. Acompanhou o nascimento da televisão
italiana e do pensamento americano sobre a TV. Um princípio fundamental da sua
narrativa é a suspeita, a desconfiança no que se diz. Umberto Eco põe em
discussão qualquer interpretação sobre os fatos. Na sua casa em Milão ele nos
mostrou a edição brasileira de Número
Zero, o seu último livro que cita histórias da época contemporânea para
falar de chantagem, intrigas e de reputações enlameadas dentro da redação de um
jornal.
Ilze Scamparini — O senhor acabou de lançar uma espécie de
manual do mau jornalismo. Criou uma redação de pretensiosos. Essa ideia vem de
onde?
Umberto Eco — Há pelo menos, 30 anos que escrevo
artigos e ensaios sobre os vícios do jornalismo. Uma visão de dentro, porque
também escrevo em um jornal. Então, é um tema familiar para mim.
Ilze Scamparini — Imagino que o senhor não tenha feito essas
observações só na Itália?
Umberto Eco — A minha é uma
redação de jornalistas fracassados. E, nesse caso, um exemplo de péssimo
jornalismo. Mas, alguns diretores de jornal aqui na Itália debateram o meu
livro e disseram: “Sim, mas alguns desses vícios são também do grande
jornalismo”. E são no mundo inteiro por uma série de razões. De todo o modo, o
jornalismo vive uma crise desde o fim de 1953. Pelo menos, na Itália. Nos
Estados Unidos, um pouco antes, por causa do advento da televisão. Antigamente,
os jornais diziam de manhã o que havia acontecido na noite anterior. Ou seja,
diziam de manhã aquilo que todo mundo já sabia pela televisão. Isso poderia ter
sinalizado o desaparecimento dos jornais como objeto, como instituição. Mas, os
jornais precisaram aumentar o número de páginas para acolher publicidade, etc.
Quando eu era pequeno, os jornais tinham quatro páginas. Agora, têm sessenta.
Então, o que faz um jornal? Ou pode fazer um aprofundamento, o que exige uma
redação forte, uma preparação de investigações. Ou fofocas. Como os vespertinos
ingleses que não fazem outra coisa a não ser falar da família real. Em alguns
casos, como acontece no meu jornal, o sensacionalismo e a chantagem. Quando eu
trabalhava em redação, existia um personagem na Itália se chamava Pecorelli.
Ele tinha uma agência de notícia. Ele não fazia um jornal, fazia um boletim de
notícias. Não era vendido em banca. Mas acabava nas escrivaninhas de todas as
pessoas importantes. Então, era um sistema de chantagem porque apresentava
algumas notícias que ele poderia vir a divulgar em seguida.
Ilze Scamparini — E por isso ele foi assassinado?
Umberto Eco — Foi
assassinado. Então, podemos dizer que devia incomodar. Os jornais de chantagem,
do tipo que na Itália se chama “máquina de lama”, existem. Até mesmo aqueles
jornais que se consideram nacionais e bastante sérios. Nesse caso, coloquei em
evidência este problema que é comum a vários tipos de jornalismo. Por exemplo,
a tentativa do jornalista de não manifestar opinião, o que é muito praticado. A
grosso modo, tem-se um fato, descreve-se o fato. Depois dá-se, entre aspas, a
opinião de alguém que passou por ali. Ou seja, dá-se a impressão de que opinião
é separada do fato. Mas quem escolheu a pessoa que dá a opinião?
Ilze Scamparini — Essa “máquina de lama”... Se eu não me
engano, até o senhor foi vítima dessa “máquina de lama” quando foi a Jerusalém
e fez a famosa declaração, não?
Umberto Eco — Sim, mas
aquela era só uma máquina de estupidez. Porque teve efeito apenas sobre uma
pequena discussão. Melhor, o que é típico da “máquina de lama” é que para
desacreditar alguém, não é necessário acusá-lo de ladrão, assassino. Basta
dizer as coisas que são realmente verdade e que são normais, mas que jogam uma
sombra de suspeição. Então, um jornal que não gostava de mim publicou um texto
assim: “Ontem, Umberto Eco foi visto em um restaurante chinês com um
desconhecido, enquanto comiam com palitinhos.” Não tem nada de mal estar num
restaurante chinês. O personagem era desconhecido para eles e não para mim. Era
um amigo meu. Mas imagine que, a não ser em Milão, Roma ou Bolonha, em suma,
todas as grandes cidades onde existem restaurantes chineses, no resto do país
não têm. Então, para as pessoas, a ideia de alguém com um desconhecido usando
palitinhos em vez de comer massa com garfo, como fazem as pessoas normais, já
transforma tudo em Chinatown, um filme de Polanski. É uma forma de lançar uma
sombra de suspeição. Essas são técnicas refinadas da “máquina de lama”.
Ilze Scamparini — Para o senhor quais são os danos mais comuns
e mais nefastos do mau jornalismo?
Umberto Eco — São
infinitos. A senhora definiu o meu romance como um manual. E, na verdade,
chegaram a propor usá-lo como manual nas escolas Jornalismo, para explicar o
que não deve ser feito. E os espanhóis querem mesmo trabalhar nesse sentido.
Pense, por exemplo, nas práticas que, aparentemente, são corretas, a edição.
Assim, um jovem mata a namorada em Belo Horizonte. Um outro mata a mulher em
São Paulo. Um outro mata a amante em Salvador. São três fatos estatisticamente,
num país grande como o Brasil, estatisticamente bem normais. Se todos são
postos na mesma página, cria-se um alarme. Se, além disso, todas essas pessoas
são, digamos, da mesma cor, são negros. Então, cria-se, de fato, uma
perseguição racial. Simplesmente colocando as notícias na mesma página. Então,
são técnicas que, algumas vezes, estão arraigadas. Porque vêm naturalmente para
os jornalistas. Três notícias bem parecidas são postas uma ao lado da outra.
Mas se cinco acidentes de carro são postos numa mesma página, quer dizer que
tem alguma coisa que não funciona no motor dos carros. Este é um elemento
mínimo. Mas onde a gente vê como o jornalismo pode ser perigoso mesmo quando se
trabalha corretamente.
Ilze Scamparini — Mas a política dentro da redação. Isso
também pode ser uma coisa nefasta? A política, o jornalismo contaminado da
política partidária.
Umberto Eco — Só existe um
tipo de jornal que não é contaminado. É o jornal de partido. Porque se sabe que
é um jornal de partido, então se sabe como ler e fazer a filtragem das
informações. É claro que cada jornal tem pressão política de todos os tipos.
Vai depender de como eles declaram isso. Os grandes jornais americanos, quando
tem eleição para presidente, dizem: “Nós apoiamos este.” Ok, estamos entendidos”.
Na Itália, o problema trágico é que não existem jornais independentes. Todos
são, de algum modo, ligados a bancos, indústria etc. Isso é muito grave. Não é
tanto a política. Um jornal deve fazer política. Se é um jornal honesto, deixa
claro qual é a posição política dele.
Ilze Scamparini — Os mecanismos revelados pelo livro poderiam
ser aplicados em outros países?
Umberto Eco — Cabe aos
outros países decidirem.
Ilze Scamparini — O empresário que patrocina o jornal que não
será nunca publicado representa alguém especificamente? Sei que é uma pergunta
que fazem bastante.
Umberto Eco — É uma
pergunta que todos me fazem. É Berlusconi? Este comendador Vimercati. Existem
tantos senhores Vimercati em Itália e em toda parte. Quem é Murdoch? Quem são
os donos de jornais, etc. Então, até Vimercati tende a ser um personagem
universal.
Ilze Scamparini — Já que os fatos se ligam também, o que
significa Silvio Berlusconi na história italiana?
Umberto Eco — Atualmente,
não acho que Berlusconi tenha ainda um grande futuro político, por causa da
idade, por que a situação é diferente. Ele foi ignorado. Encontrou gente mais
esperta que ele. O presidente Renzi é mais esperto que Berlusconi. E ele achava
que era mais esperto. Berlusconi representou por vinte anos mais um personagem
dotado, realmente, de fascínio para muita gente. É um homem de grande simpatia.
De grande poder econômico. E como tinha o controle dos meios de comunicação de
massa pode convencer um país inteiro, por quase vinte anos, de um programa
inexistente: que ele deveria livrar a Itália do comunismo. Quando o comunismo
já havia se liberado sozinho. E já havia acabado. Então, Berlusconi foi um
produto típico da sociedade de massa. Representa uma nova forma de populismo,
de uma política que tem apelo direto com o povo, ignorando o Parlamento. E
sobre populismo, a América Latina tem muito a nos ensinar.
Ilze Scamparini — Uma cultura que, no fim das contas, ele
produziu, ainda está em vigor.
Umberto Eco — Mas,
certamente, o eleitorado de Berlusconi é ainda de senhores entre cinquenta e
noventa anos, principalmente, os que veem televisão.
Ilze Scamparini — O senhor escreveu O Nome da Rosa há 35 anos.
Até hoje, o livro é um mito absoluto na literatura e muito fundamental na sua
vida de escritor. De que maneira
aquele romance influenciou sua narrativa desde então?
Umberto Eco — Pelo simples
fato de que, até aquele momento, por exemplo, tem o fato de que eu nunca havia
escrito um romance. Costumo brincar que todos os meus livros anteriores tinham
uma sinfonia de Mahler, uma obra de Charlie Parker. Então, a cada vez, a gente
procura encontrar novas soluções estilísticas, etc. Simplesmente, me aconteceu
a desgraça de ter um grande sucesso com o meu primeiro livro. Sorte seria se o
grande sucesso tivesse acontecido no último livro. Tendo sucesso no primeiro
livro, e cito Gárcia Marquez, ele pode ter escrito tudo o que quis depois, mas
as pessoas só lembravam de Cem Anos de Solidão.
Ilze Scamparini — O senhor o enxerga como uma coisa negativa?
Umberto Eco — Sim, porque
se eu precisasse escolher entre todos os meus romances qual deveria salvar e
jogar fora os outros, escolheria o Pêndulo de Foucault. Essa é uma opinião pessoal.
De leitor.
Ilze Scamparini — O Nome da Rosa tem mais de 15 milhões de
cópias vendidas. O senhor sabe [o número] ao certo?
Umberto Eco — Não se sabe.
Alguns dizem quinze. Por quê? Porque a metade do mundo não tinha, naquela
época, um acordo para direitos autorais. Na China, podem ter impresso uma
centena ou um milhão. Não se sabe. Todo o mundo oriental. Mais da metade são
edições piratas. Não pagavam os direitos. Toda a Rússia, o mundo soviético. Não
existia um acordo. Então, não se sabia quanto eles tinham vendido. Não pagaram
os direitos. Então, não se sabe.
Ilze Scamparini — Um personagem do seu livro Número Zero diz
que todos mentem, os jornais, a TV...
Umberto Eco — Sempre o
Bragaddocio paranoico.
Ilze Scamparini — Bragaddocio, exatamente. Os intelectuais
também mentem?
Umberto Eco — Essa é a
opinião de Bragaddocio.
Ilze Scamparini — Os fenômenos atuais como imigração,
terrorismo, racismo, são, volta e meia, vítimas de informações erradas?
Umberto Eco — Naturalmente.
Todo tipo de racismo, fundamentalismo, quase sempre, se baseia em afirmações
falsas. Pense, na realidade, Hitler matou 6 milhões de judeus levando a sério o
antigo Protocolo dos Sábios de Sião. É natural que toda forma de crime na
história nasce da desinformação orientada.
Ilze Scamparini — Os meios de comunicação ao mesmo tempo que
podem combater a censura e defender a democracia podem também produzir coisas
danosas a sociedade. O que o senhor acha?
Umberto Eco — É como todas
as coisas. Os automóveis permitem fazer um monte de coisas boas, mas também
explodem nas estradas. Pense na internet, cheia de defeitos. Mas, alguém disse
que, se no tempo de Hitler existisse internet, a tragédia não seria possível
porque todo o mundo teria tomado conhecimento em cinco minutos. É preciso, como
sempre, ver os aspectos positivos e negativos. Eu li uma vez que os mecânicos
franceses fizeram uma manifestação contra as leis para diminuir os acidentes na
estrada... Com menos acidentes, eles trabalham menos.
Ilze Scamparini — O senhor desencadeou uma forte reação quando
foi duro contra uma parte da internet.
Umberto Eco — É dar muita
importância a uma coisa óbvia. É ou não verdade que no mundo existem muitos
imbecis? Me parece que sim. Agora, podemos discutir se são a maioria ou a
minoria. Mas existem muitos. No momento em que a internet permite que todos
falem, permite que um grande número de imbecis fale. Então, é preciso também
saber criticar aquilo que está na rede e pronto. Acho que quem protestou foram
eles, os imbecis.
Ilze Scamparini — A paixão pela Idade Média passou ou ainda
vai dar frutos?
Umberto Eco — Tanto que
foram publicados há dois anos todos os meus escritos sobre a idade média que
chegaram a 1.500 páginas. Foi sempre o período que mais me interessou. Se ainda
dará frutos, eu não sei. Como o que vou trabalhar nos próximos anos ou se ainda
estarei vivo nos próximos anos. Mas, de qualquer forma, já separei uma ótima
série de estudo.
Ilze Scamparini — O senhor escreveu uma bela homenagem para
Haroldo de Campos quando ele morreu. Que relação o senhor teve com os poetas
concretistas?
Umberto Eco — Quando a
gente nem se conhecia ainda, eles se ocupavam das mesmas coisas que eu e outros
colegas, a semiótica de Peirce e outras coisas. Por isso, quando cheguei pela
primeira vez ao Brasil... Além disso, através de um colóquio, quem me convidou
foi o Décio Pignatari, eu imediatamente me encontrei com Haroldo e Augusto de
Campos, em todo aquele ambiente. Havia um lugar que se chamava João Sebastião
Bar. Então, me tornei muito amigo de Haroldo. Não é só isso. Eu tinha
publicado... Eu fui ao Brasil acho que em 1963. Eu havia publicado, em 1962, Obra
Aberta. E Haroldo me mostrou um artigo que ele havia escrito antes de 1962,
onde ele falava da Obra Aberta. Nos tornamos, vamos dizer assim, irmãos. Com
muitas ideias em comum. Logo, nos mantivemos sempre em contato. E então,
através deles, todo o grupo se manteve, conheci um pouco. E assim, a chamada
vanguarda brasileira e o mestre deles Oswald de Andrade, etc. E considero,
sobretudo, Haroldo de Campos um ótimo tradutor. Ele traduziu “Dante” de uma
forma, em português do brasileiro que é, realmente sublime. E ele era uma
grande figura.
Ilze Scamparini — O senhor participou ativamente do Grupo 63,
neovanguardista que negava, violentamente, a trama na literatura. Mas o que
aconteceu com a sua narrativa, que recupera a centralidade da trama?
Umberto Eco — Aconteceu que
já em 1965 — ou seja, o grupo se chamava 63 porque fez a primeira reunião em
1963. Mas já em 1965, teve um encontro onde dissemos que tudo bem, que era
preciso retornar à narrativa. Uma outra narrativa, diferente daquela do tempo
de Robbe-Grillet, o novo romance e toda essa forma nova de narrativa. A verdade
é que aquilo que mais tarde foi chamado de Modernismo chegou à página branca,
ao quadro monocromático, à cena vazia, ao silêncio musical. Ou seja, alcançou
um ponto de destruição da linguagem anterior...
Ilze Scamparini — Que era necessário voltar atrás.
Umberto Eco — Ou então, não
se poderia. Depois do quadro branco, não se podia fazer nada a mais ou a menos.
Então, houve um retorno, no sentido de revisitar as formas tradicionais e modo
irônico, meta-linguagem, e tantas coisas sobre as quais podemos falar. Eu
acredito que não poderia ter escrito os meus romances se não tivesse passado
pela experiência do Grupo 63.
Ilze Scamparini — O senhor afirmou que Tomás de Aquino,
milagrosamente, o ajudou a curar-se da fé. O que resta, professor, apenas a fé
no homem?
Umberto Eco — Não disse
isso...
Ilze Scamparini — Não? É um outro caso de mau jornalismo?
Umberto Eco — Eu disse que,
gradativamente, comecei os estudos de São Tomás enquanto era um crente e
terminei porque já estava abandonando a fé. Não porque havia sido inspirado por
São Tomás. Mas também porque, mesmo quando se faz um trabalho histórico,
objetivo, sobre este personagem, projetei o mundo dele à distância para
observar com o olhar crítico da história. Não era mais o meu mundo. Era o mundo
dele. Mas não é culpa dele. Estive há pouco tempo no quarto onde ele morreu, em
Fossanova. Participei de um congresso sobre a vida de São Tomás e continuo
fascinado pelo gorducho.
Ilze Scamparini — E como o senhor, um autor de um estudo sobre
Tomás de Aquino, estudioso dos meios de comunicação, vê um Papa comunicador
como Francisco?
Umberto Eco — Bem, eu o
vejo como extrema simpatia. Não por acaso é um jesuíta sul-americano. E não é
argentino, é paraguaio. Eram os jesuítas das missões, dos seiscentos, que
armaram os índios contra os espanhóis. Para mim, é assim. Ele veio deste mundo
ali. Não dos jesuítas reacionários franceses dos oitocentos. Mas dos jesuítas
um pouco revolucionários, paraguaios, dos seiscentos. E, então, assim nasce
esse personagem bastante singular.
Ilze Scamparini — Um papa um pouco laico, não?
Umberto Eco — Em suma...
Ilze Scamparini — Mais que os outros...
Umberto Eco — Ele não tem
uma visão de talibã.
Ilze Scamparini — Muito bem. Muito obrigada, professor.