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OAB concede título de advogado a Luís Gama 133 anos após sua morte

Posted by Cottidianos on 00:24
Quinta-feira, 05 de outubro

Até hoje quando penso no funeral de Ayrton Senna, grande ídolo do automobilismo brasileiro, meus olhos se enchem de lágrimas, ao lembrar-se das imagens, transmitidas ao vivo pelas TVs de todo o país. Foi no dia 04 de maio que o corpo do grande campeão, chegou a São Paulo, sendo levado para a Assembléia Legislativa de São Paulo, onde se estima que tenha passado cerca de 240 mil pessoas. O clima de comoção já havia tomado conta de todo o país desde que se soube da terrível tragédia em Imola,Itália. Quando o cortejo fúnebre saiu pelas ruas de São Paulo, na manhã de 5 de maio de 1994, em direção ao cemitério de Morumbi, uma cidade inteira chorou, um país inteiro chorou, o mundo inteiro chorou. As ruas de São Paulo foram tomadas por um mar de gente que vertia rios de lágrimas. A multidão estava em toda a parte, por onde o cortejo passaria. Milhares de pessoas se  amontoavam nas esquinas, nas pontes e viadutos. Outras esforçavam para olhar pelas janelas dos prédios. Milhões de outros assistiram ao funeral e cortejo fúnebre pela TV. Aquele dia foi um dos dias mais tristes para os brasileiros. Havia o fator televisão que ajudava a cobrir o fato com a magnanimidade que merecia o momento e o personagem.
Com certeza, se houvesse a cobertura midiática que houve nos tempos de nosso saudoso Ayrton, o dia 24 de agosto de 1882, teria sido um dia igualmente doloroso para todo o país, principalmente para os mais necessitados e marginalizados. Naquele dia, morria, em São Paulo, vitimado pela diabetes, Luís Gonzaga Pinto da Gama, um brasileiro, negro, de destacado papel na causa abolicionista. A cidade de São Paulo naquele dia também foi tomada pelo luto e pelo pranto. O velório, — como era costume à época — foi realizado na própria casa na qual residira o morto, e durante a sua duração, homens choravam, mulheres soluçavam. O cortejo fúnebre saiu no dia seguinte do bairro do Brás onde Gama morava, em direção ao cemitério da Consolação. Fora preparado um coche funerário para levar o corpo até o cemitério que ficava do outro lado da cidade. Porém o povo que para ali acorrera não deixou que o caixão fosse posto nele. Aquele que em vida tinha sido amigo de todos, teria que ser levado, para sua última morada, por todos, era bastante lógico que tivesse que ser assim. Muitas carruagens e pessoas a pé, acompanhavam o cortejo. Certamente, outras tantas também paravam nas esquinas, ou nas sacadas de suas casas, para dar um último adeus aquele que tanto bem fizera em vida. Por volta do meio dia, o cortejo fúnebre chegou ao cemitério da Consolação, onde foi sepultado o corpo. Aquele também, certamente, deve ter sido um triste dia para os paulistanos daquela época.
Pode a história de uma ser mudada depois que ele ascende aos planos etéreos? Não, não se pode. O que se escreveu está escrito e um pingo à letra i não se pode acrescentar depois que um homem, seguindo o curso natural da vida, é retirado pelos entes espirituais do convívio dos seus e do mundo material. É certo que, se a história de um ser humano não pode ser mudada nessas condições, ela, pode, entretanto, ser reparada, revista, e a esse ser humano pode ser feita uma justiça que lhe foi negada em vida.
Foi isso o que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), fez em relação a Luís Gama, na noite desta terça-feira, 03 de novembro, em solenidade realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na cidade de São Paulo. Na ocasião, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, conferiu a Luís Gama, o título póstumo de advogado. Uma homenagem recebida com alegria pela sociedade brasileira e, especialmente, pelos descendentes de gama. E porque a OAB presta essa honrosa homenagem a tão ilustre homem?
A história de Gama é a história de um vencedor. A história de um homem que não aceitou passar pela história no papel de coadjuvante. Quis ele, e conseguiu, ser sujeito de sua própria história e, como tal, contribuiu para mudar a vida de muita gente.
Nascido em 21 de junho de 1830, na Bahia, Luís Gama era filho de Luísa Mahin, uma negra africana livre. Luísa era de baixa estatura, magra, bonita, trabalhadora e muito guerreira. Ela nunca aceitou que uns homens pudessem ser donos de outros. Na Bahia, várias vezes, esteve presa por acusação de envolvimento em revoltas de escravos. Por causa desses envolvimentos em insurreições, Luísa foi exilada do país, deixando o filho na companhia do esposo.
O pai de Luís Gama era um português branco, fidalgo e pertencente a uma rica família baiana. Porém, não há fortuna que resista aos apelos de uma vida desregrada, aos divertimentos e, principalmente, ao farfalhar das cartas de baralho. Essas atrações e seduções deixaram pobre o pai de Gama. Em 10 de novembro de 1840, cheio de dívidas provindas da jogatina, ele vendeu o próprio filho como escravo. O menino contava, por essa época, com 10 anos de idade.
Muda a condição de cidadão para a de escravo, muda também a cidade: da Bahia foi levado para o Estado de São Paulo, onde foi revendido ao alferes Antônio Pereira Cardoso. O alferes o levou para uma fazenda na cidade de Lorena, também no estado de São Paulo. 
Gama ficou na condição de analfabeto até os 17 anos, em 1847. Foi então que um estudante chamado, Antonio Pereira Cardoso, resolveu alfabetizar o jovem escravo. Alforriado, ainda aos 17 anos, Gama foi para a cidade de São Paulo. Nesta cidade, no ano de 1948, alistou-se na Força Pública da Província ou Corpo de Força da Linha de São Paulo, e ali ficou até 1854.
Em 1850, já casado, tentou frequentar o curso de Curso de Direito do Largo do São Francisco. Nos bancos daquela instituição superior de educação foi vítima de racismo e preconceito por parte de alunos e professores. A elite da época não aceitava que um negro pudesse estar na mesma condição que eles. Gama não concluiu o curso, mas adquiriu grandes conhecimentos que o ajudariam, futuramente, a libertar mais de 500 escravos através das batalhas nos tribunais. Naquela época havia a figura do rábula, que era o indivíduo que, mesmo não possuindo formação acadêmica em Direito, tinha autorização do Instituto dos Advogados para defender causas perante os tribunais.
Gama era um autodidata, de analfabeto, em pouco tempo, passou a intelectual respeitado e engajado na luta contra a escravidão. Lançou-se na carreira jornalística e, em 1864, fundou o Diabo Coxo, primeiro jornal ilustrado humorístico da cidade. Em 1869, juntou-se a Rui Barbosa, e fundou o Jornal Radical Paulistano. Em 1880, atuou como líder da Mocidade Abolicionista e Republicana. Sua atuação na causa abolicionista irritava o Partido Conservador.
Nos tribunais foi brilhante na defesa dos negros, e mesmo sem ter concluído o curso de Direito possuía uma oratória impecável e sólidos conhecimentos jurídicos.

Tornando Luis Gama advogado ,133 anos após sua morte, a OAB homenageia e reconhece a importância de um homem que tanto lutou pela libertação dos negros durante o Brasil império, e que morreu apenas seis anos antes de ver seu sonho realizado.

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