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Ensinando valores éticos e morais às crianças num mundo virado pelo avesso

Posted by Cottidianos on 00:38
Domingo, 09 de gosto
Eu tenho tanto pra lhe falar
Mas com palavras não sei dizer
Como é grande o meu amor por você
E não há nada pra comparar
Para poder lhe explicar
Como é grande o meu amor por você
(Como é grande o meu amor por você – Roberto Carlos)



Neste domingo tão especial, no qual comemoramos o DIA DOS PAIS. Gostaria de desejar a todos os pais, um FELIZ DIA DOS PAIS! A vocês, o meu grande abraço e votos de felicidades.

Gostaria de propor, neste dia, uma reflexão sobre a responsabilidade de educar uma criança, numa sociedade marcada pela corrupção, pelo hedonismo, pelo individualismo, e pela violência.

Como criar filhos, mentalmente saudáveis, em uma sociedade doente? Não é tarefa fácil, mas também não é tarefa impossível. Até porque, se quisermos um Brasil melhor no futuro, é nas crianças que se devem apostar todas as fichas. Se incutirmos na mente das crianças, as sementes da honestidade, solidariedade, fraternidade, união, amizade, dentre outros, essas sementes crescerão, se tornarão árvores frondosas, e darão bons frutos. Não esqueçamos, porém, de que dá o exemplo é muito importante. Pouco adiantará ensinar os valores e princípios éticos e morais às crianças, e depois fazer diferente.

No Brasil, nos dias atuais, mais do que qualquer outro tempo, basta abrir as páginas de qualquer jornal, seja ele de circulação local, estadual, ou nacional, para ver estampadas, nas primeiras páginas, notícias de corrupção em todos os níveis e setores da sociedade. Corrupção na política, no exército, no futebol, nos hospitais, nas empreiteiras, e por aí vai. Se o indivíduo ficar farto de ler reportagens sobre corrupção e vira a página do jornal, se depara com a droga dos assaltos e violência, que tanto nos preocupa e incomoda.

Se você fecha o jornal e olha para um lado, o que vê é uma sociedade hedonista, que colocar o prazer como prato principal de suas refeições, e o fim a que se destina sua vida. Se olhar para o outro lado, vê um mundo baseado na competição e no individualismo, onde os homens não se veem mais como aquilo que realmente são: irmãos. Ao contrário, o outro passa a ser visto como um concorrente, e como tal, pronto para ser eliminado, manipulado, tirado do caminho. Assim, armam-se pequenas guerras cotidianas, que a todos rouba a paz e o bem estar.

É fácil educar filhos que rezem na cartilha da ética em meio a esse cenário? Definitivamente, não.



Hoje, mais do que nunca, é preciso ter muito jogo de cintura, para ensinar aos filhos valores morais e éticos, numa sociedade que parecer girar em torno do próprio umbigo.

Para entender melhor a situação, fiquemos em um exemplo bem simples. Na escola, é dito às crianças que não se deve ultrapassar o sinal vermelho no trânsito, e o pai, ou mãe da criança saem pelas ruas, feito loucos, costurando no trânsito, e cortando sinais vermelhos. Já pensou que confusão isso causa na cabeça das crianças? Pensam elas: “Na escola dizem para fazer não fazer isto, e meus pais fazem o contrário. Quem será que está certo?”.

A respeito dessa crise de corrupção que assola o país, outro dia, ouvi um homem que estava sendo entrevistado pela rádio CBN, e ele contava um caso real, que seria engraçado, se não se tratasse de questão seria. Dizia ele que uma mulher havia entrado no supermercado com o filho. Ao pegar o produto na prateleira, ela se lembra que havia esquecido a carteira com o dinheiro no carro. Diz então ao filho “não posso levar o produto, esqueci o dinheiro no carro, no estacionamento. Tenho que voltar para pegar”. “Rouba, mãe!”, diz o menino. “Roubar, de onde você tirou isso, menino?” Pergunta a mãe surpresa. “Mãe, e que o papai falou que, no Brasil, todo mundo rouba”.

É preciso tomar cuidado com o que se fala, e como se fala, na frente das crianças. Por exemplo, diante dos casos de corrupção, não devemos generalizar, principalmente, ao falar com crianças. Deve-se dizer a elas — até porque, eles ouvem conversas na rua, veem as notícias na TV — que há pessoas desonestas, mas que há muito mais pessoas honestas e trabalhadoras, e que ela também deve agir de modo correto e honesto para com as pessoas e a sociedade.

Navegando pela Internet, mais precisamente no site, Educacional, encontrei uma entrevista do professor, Yves de La Taille, psicólogo especializado em desenvolvimento moral, e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ele também é autor de vários livros na área de Psicologia Moral.

Respeitado professor de Psicologia do Desenvolvimento Moral na USP, Yves é francês, mas vive no Brasil há muito tempo. O professor ressalta que a família e escola, desempenham papel fundamental no desenvolvimento moral e ético das crianças.

Confiram, logo abaixo, a entrevista com Yves de La Taille.

***

Yves de La Taille

A definição de moral e ética é muito discutida atualmente. Como você define cada uma delas?

Entre as alternativas de definição e diferenciação entre os dois conceitos, eu tenho empregado estas: moral é o conjunto de deveres derivados da necessidade de respeitar as pessoas, nos seus direitos e na sua dignidade. Logo, a moral pertence à dimensão da obrigatoriedade, da restrição de liberdade, e a pergunta que a resume é: “Como devo agir?”. Ética é a reflexão sobre a felicidade e sua busca, a procura de viver uma vida significativa, uma “boa vida”. Assim definida, a pergunta que a resume é: “Que vida quero viver?”. É importante atentar para o fato de essa pergunta implicar outra: “Quem eu quero ser?”. Do ponto de vista psicológico, moral e ética, assim definidas, são complementares.

Alguns estudiosos definem como uma característica da pós-modernidade a crise nos valores morais e éticos por que passam as civilizações, principalmente as ocidentais. Outros falam até em ausência total da moral nas relações entre as pessoas nos dias de hoje. A que você credita essa crise? É possível vivermos sem moral e ética?

A situação parece-me de certa forma paradoxal. De um lado, pelo menos no mundo ocidental, verificamos um avanço da democracia e do respeito aos direitos humanos. Logo, desse ponto de vista, saudosismo é perigoso. Mas, de outro lado, tem-se a impressão de que as relações interpessoais estão mais violentas, instrumentais, pautadas num individualismo primário, num hedonismo também primário, numa busca desesperada de emoções fortes, mesmo que provenham da desgraça alheia. Assim, penso que, neste clima pós-moderno, há avanços e crise. É como se as dimensões política e jurídica estivessem cada vez melhores, e a dimensão interpessoal, cada vez pior. Agora, como não podemos viver sem respostas morais e éticas, urge nos debruçarmos sobre esses temas. De modo geral, penso que as pessoas estão em crise ética (que vida vale a pena viver?), e essa crise tem reflexos nos comportamentos morais. A imoralidade não deixa de ser tradução de falta de projetos, de desespero existencial ou de mediocridade dos sentidos dados à vida.

Então, essa crise das questões morais e éticas tem relação direta com a violência, o desrespeito, o individualismo, etc. vividos atualmente?

Veja: se o projeto de vida de alguém for, como é frequente hoje em dia, ter muito dinheiro e glória, esse alguém tende a ver as outras pessoas como adversários (o dinheiro não dá para todos) ou como súditos de seu sucesso. Nos dois casos, são instrumentos de seu projeto. Manipula-os quando necessário, elimina-os quando não pode manipulá-los. Eis a violência instalada. Muitos valores presentes na sociedade contemporânea levam a relações fratricidas, e a violência no interior da própria comunidade passa a ser vista como modo inevitável de convívio e qualidade dos “fortes”.

É interessante observar como muitos anúncios de propaganda, na televisão e no rádio, apresentam relações sociais competitivas, rudes e violentas, e isso para vender serviços telefônicos, carros, vídeos, etc., ou seja, objetos ou serviços nada bélicos.

De que maneira essa crise afeta as relações na escola e na família?

Ela afeta todas as relações e, por conseguinte, aquelas que unem a família e a escola. Nesse caso, o que se verifica é a constante delegação de responsabilidade a outrem — da família para a escola e vive-versa — e também a constante acusação mútua de incompetência ou desleixo. Muitos professores acusam os pais de não darem, por exemplo, limites a seus filhos, e muitos pais acusam a escola de não ter autoridade e de não impor a disciplina.

Em seu livro Limites: Três Dimensões Educacionais, você sugere a retomada da discussão do “contrato social” entre os indivíduos nos projetos educacionais como forma de melhorar as relações da comunidade. Qual é a melhor maneira de fazê-lo na realidade da escola brasileira?

Sabe-se que a melhor, para não dizer a única, forma de ter sucesso na educação moral, na formação ética e na pacificação das relações é, no seio da escola, trabalhar a qualidade do convívio social entre seus membros (professores, alunos, funcionários e pais). Logo, em vez de limitar-se a impor inúmeras regras, é melhor a escola deixar claro, para todos, os princípios que inspiram a convivência social. A elaboração de regras — que pode ser feita pela comunidade como um todo — será derivada da apreciação desses princípios. Eis o que se pode chamar de discussão do “contrato social”.

No mesmo livro, você afirma que existe uma contradição, na qual se verifica, ao mesmo tempo, a falta de limites em muitas pessoas (e não apenas nos jovens, como reza o senso comum) e que o excesso desses limites também sufoca a maioria delas. Qual é a medida certa para transpor alguns limites e amadurecer e como impor limites que permitam a vida em sociedade?

A questão pode ser retomada por meio dos conceitos de moral e ética. A moral trata de limites no sentido restritivo (deveres). A ética, por remeter a projetos de vida, trata dos limites no sentido da superação, do crescimento, da busca de excelência. Ora, se há excesso de limites, em breve, se a sociedade, em vez de estimular o crescimento, valorizar a busca de uma vida que não vá além do mero consumo e que se contente com o aqui-agora, com a mediocridade, ela vai prejudicar a perspectiva ética e, consequentemente, a perspectiva moral. Uma pessoa somente agirá moralmente se vir, nesse tipo de ação, a tradução de uma vida que vale a pena ser vivida. Como a moral impõe restrições à liberdade, uma pessoa somente vai aceitar tais restrições se fizerem sentido num projeto de vida coletivo e elevado.

Numa palestra, você afirmou que, em sua maioria, os pais de hoje foram os filhos, nas décadas de 60 e 70, que lutaram com todas as forças contra a repressão, por isso, às vezes não impõem os limites corretos aos filhos por terem medo de parecer “autoritários”. Como fazer para dosar a disciplina em casa e transmitir os valores éticos corretamente sem parecer antiquado?

O medo de ser autoritário é um sentimento importante. Mas o que é autoritarismo? É impor regras injustas, arbitrárias. É impor regras — mesmo que boas — negando à pessoa que deve obedecê-las a possibilidade de compreender sua origem e sentido. Exercer autoridade é outra coisa. Para tanto, as regras colocadas devem ser justas e devem também ser explicadas. Um bom exemplo de relação com autoridade é a relação que temos com um médico: seguimos suas prescrições porque o consideramos como representante de um conhecimento legítimo, inteligível (por mais difícil que seja) e que pode nos fazer algum bem. A relação de autoridade, seja na família, seja na sala de aula, deve seguir essa mesma lógica: os pais ou os professores devem ser reconhecidos como pessoas que detêm conhecimentos legítimos e necessários ao pleno desenvolvimento das novas gerações. Assim sendo, é claro que a moral (o respeito pelo outro) e projetos éticos de crescimento pessoal e social correspondem a valores preciosos para a vida. A criança começará a pensar neles referenciada em figuras de autoridade e, quando conquistar a autonomia, vai se libertar da referência à autoridade certamente com gratidão.

Você acredita que a violência a que estão expostos os jovens — através da TV, videogames, etc. — pode por si só influenciar e tornar as crianças violentas ou isso pode variar de acordo com os valores morais implícitos?


É uma questão difícil de ser respondida e sobre a qual não temos dados confiáveis. A meu ver, não é tanto a exposição a cenas de violência que pode causar comportamentos violentos, mas sim o sentido dado a elas. Se filmes mostram a violência como recurso último, cujo uso segue certas balizas morais e cujo objetivo é, ele mesmo, moral (lutar pela justiça), é uma coisa. Agora, se glorificam a violência em si, se a colocam a serviço do próprio prazer, se a colocam como primeira opção de resolver conflitos, é outra coisa. No primeiro caso, a violência é apresentada com crítica, no segundo, não. Isso pode exercer uma influência sobre o sistema de valores de jovens. Mas é preciso lembrar que há tantas variáveis e influências em jogo que não se pode eleger os meios de comunicação e entretenimento como grandes vilões.

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