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Um 7 de se setembro de sobressaltos

Posted by Cottidianos on 23:55

 Terça-feira, 7 de setembro



Neste 7 de setembro acordei com uma tristeza no peito que não queria ir embora de jeito nenhum. É um feriado cívico em nossa pátria. Dia para ser celebrado com alegria. Afinal, ele marca o dia da nossa independência como nação.

Foi num 7 de setembro de 1822 que começou o processo que nos levaria a deixar de ser apenas uma colônia portuguesa e nos firmar como um país livre, com sua cultura e identidade próprias. Liberdade! É que significa este dia para os brasileiros.

Em anos anteriores ele costumava ser comemorado com desfiles dos militares pelas ruas da cidade. Após os militares, vinham as escolas públicas e particulares mostrando o que tinham de melhor. Ao assistir esses desfiles via-se orgulho no rosto dos militares e alegria na face das crianças que desfilavam. Não se via nesses desfiles nenhum militar pedindo o fechamento do STF. Outros tempos. Ano passado a pandemia nos obrigou a abrir mão dessa e de outras festas. Esse ano, além da pandemia, ainda houve as tensões provocadas pelo presidente a nos privar desses momentos.

Eram esses os pensamentos enquanto tomava meu café da manhã, e ouvia, no rádio, as notícias do que estava acontecendo em todo o país. Acho que não era só eu que estava com esse pesar no peito. Milhões de brasileiros também se sentiam da mesma forma. Havia motivos para isso. Afinal, as sementes da tensão e angústia já vinha sendo plantadas pelo semeador de más sementes que governa o nosso país havia alguns dias. Ele vinha insuflando suas hordas para que se voltassem contra a lei e a justiça neste dia tão especial para os brasileiros.

Insuflados pelo seu líder, as hordas bolsonaristas estão subvertendo todos os conceitos que conhecíamos como bem e mal, verdade e mentira, democracia e ditadura, liberdade de expressão e ofensa pessoal, violência e paz.

Foi, justamente pelas ondas do rádio que fiquei sabendo que Bolsonaro havia assinado uma medida provisória (MP) que alterava o Marco Civil da Internet. Permitam-me aqui caros leitores e leitoras, abrir um parêntese para falar do meu amor pelo rádio, e em particular, pela rádio CBN, como diz o slogan da rádio: a rádio que toca notícia. A CBN é uma seleção de primeira quando se trata de informação. Excelente apresentadores e comentaristas dão sempre uma visão crítica do quanto acontece no país, e fora dele. Fechado os parênteses, continuemos.

O Marco Civil da Internet é um dos nossos orgulhos. Não surgiu de uma hora para outra. Foram anos e anos de discussão. A necessidade de uma lei que regulamentasse a Internet no Brasil surgiu em 2007, porém, somente em 23 de março de 2014, essa lei foi aprovada na Câmara dos Deputados, e, em 25 de abril, no Senado Federal. Em seguida a lei foi sancionada pela então presidente, Dilma Rousseff.

A MP que o presidente assinou abre caminho para os crimes digitais e o espalhamento das fake new. Ela amarra as mãos e os pés dos provedores de Internet. Ela proíbe, entre outras coisas, que os provedores apaguem posts ou excluam contas, total ou parcialmente, a não ser que haja uma “justa causa”. É vedado a estes provedores a adoção de critérios de moderação, ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa.

Com a MP assinada por Bolsonaro, provedores como Facebook, Twitter e Instagram, terão muito mais trabalho e formalidades a seguir antes de remover contas, perfis, e conteúdos. Eles terão que notificar o usuário, identificar a medida adotada, apresentar o motivo da moderação, e informar sobre prazos, canais de comunicação, e procedimentos para a contestação.

A MP já foi publicada no Diário Oficial da União, e é válida por 60 dias, prorrogável por igual período, e perde efeito se não for aprovada pelo Congresso. O ato de Bolsonaro é um golpe na lei que regula a Internet em nosso país. Claro que ele sabe que essa MP não tem a menor chance de ser aprovada pelo Congresso. O ideal seria que ela nem fosse recebida por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Assim, o mal seria cortado na raiz.

Levando em consideração o que já foi exposto acima e tendo em conta que as MPs apenas devem ser editadas por um presidente da República em momentos de urgência e emergência, e se não havia nenhuma emergência ou urgência, nem perigo estava rondando ou ameaçando o Marco Civil da Internet, então por que o presidente resolveu assiná-la?

Jair Bolsonaro assinou a MP, às vésperas do 7 de setembro, data em que ele convocou seus seguidores a, mais uma vez, proferirem impropérios contra o STF e contra o sistema democrático, apenas para proteger seus milicianos digitais. Dessa forma, eles podem espalhar fake news à vontade sem que sejam incomodados.

Enquanto eu ainda estava em casa na manhã deste, conforme vos falei acima, pensava se iria dar uma olhada nas manifestações ou não. Na noite anterior um amigo me havia dito que era melhor ficar em casa neste dia. Na CBN, Carlos Andreazza, um dos apresentadores do CBN em Foco chamava a atenção de que haveria muitas pessoas radicais nas ruas. Considerando que as últimas manifestações que houve na cidade foram todas tranquilas, resolvi ir até lá.

Na rua, separados por cinco quadras, estariam dois grupos: os de esquerda e a extrema direita radical de Bolsonaro. Como queria ir rápida e tranquilamente de um lugar para outro, resolvi ir de bicicleta.

Saí para a rua. Não fui de vermelho, nem fui de verde e amarelo. Fui de camisa preta. E pra dizer que não era uma coincidência apenas o uso da camisa, aproveitei para enrolar um cachecol, também preto, no pescoço. Preto é a cor do luto. Pensava nas milhares de vidas ceifadas pela Covid-19, nas agressões que a democracia tem sofrido, e em tantos os outros problemas que o país atravessa.

E, assim, fazendo o meu silencioso protesto, passei entre os dois grupos. No grupo dos Bolsonaristas havia mais gente, que entre o pessoal da esquerda. Esses faziam o Grito dos Excluídos, como fazem todos os anos. Ali, havia algumas faixas e cartazes com temas sociais, como por exemplo, o repúdio ao feminicídio, além de outras com “Fora Bolsonaro”.

No grupo dos bolsonaristas, nenhuma faixa com pautas sociais. Aliás, elas inexistem nas manifestações pró-governo. Acho que essa coisa de querer um Brasil melhor para todos, de lutar pelas desigualdades sociais, de chamar a atenção para os problemas atravessados pelo país e buscar uma solução para eles, deve ser mesmo coisa de esquerdistas. Não caberiam num projeto de governo da extrema direita radical que governa o país.

Isso era por volta das 10hs da manhã. Enquanto eu percorrida, de bicicleta o trecho que separava os dois grupos —  sempre bom reforçar que toda essa minha tranquilidade resultava do policiamento reforçado que via na rua — Bolsonaro, em Brasília, fazia um discurso golpista a seus apoiadores. Dizia ele: “Não mais aceitaremos que qualquer autoridade, usando a força do Poder, passe por cima da nossa constituição. Não mais aceitaremos qualquer ação que venha de fora das quatro linhas da constituição. Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica, da região dos Três Poderes, continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas. Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos”.

Aqui o presidente não cita nomes mas está claro que ele falava do seu novo arqui-inimigo, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, e ameaça e presidente do STF, Luiz Fux, dizendo que ou ele dá um jeito em Alexandre de Moraes o STF “pode sofrer aquilo que não queremos”. E que fique claro a você que lê esse texto que, quando o presidente usa a primeira pessoa do plural “nós não queremos”, ele está se referindo aos seus apoiadores, ao núcleo que o apoia, pois a grande maioria da população brasileira não compactua com esses discursos golpistas.

À tarde, o presidente esteve em São Paulo, na avenida Paulista, a aumentou ainda o tom no seu discurso golpista. Me permitam, caros leitores e leitores, colocar aqui a íntegra do discurso do presidente na Avenida Paulista, proferido na tarde de hoje:

 

Não podemos admitir que uma pessoa, um homem apenas turve a nossa democracia e ameace a nossa liberdade. Dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha. Deixe de oprimir o povo brasileiro. [..]

Nós devemos sim, eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda [...] de cuidar da tua vida. Ele para nós não existe mais. Liberdade para os presos políticos. Fim da censura. Fim da perseguição aqueles conservadores, aqueles que pensam no Brasil.

Dizer mais a vocês. Nós acreditamos e queremos na democracia. A alma da democracia é o voto. Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições. Dizer também que não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável porque não é.

Não podemos admitir um ministro do Tribunal Superior Eleitoral também usando a sua caneta para desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação. Nós queremos uma eleição limpas, democráticas, com voto auditável e contagem publica dos votos. Não podemos ter eleições que pairem dúvidas sobre os eleitores. Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública dos mesmos. Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada ainda pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Hoje temos uma fotografia para mostrar para o Brasil e o mundo. Não de quem está agora nesse carro de som, mas uma fotografia de vocês. Que as cores da nossa abandeira são verde e amarela. [...] Nós somos conservadores. Cada vez mais respeitamos as leis e nossa Constituição. E não vamos mais admitir que ministros como Alexandre de Moras continue a açoitar a nossa democracia e desrespeitar a nossa constituição. Ele teve todas as oportunidades para agir com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira como continua não agindo. Como agora a pouco interceptou um cidadão americano para ser inquerido sobre atos antidemocráticos. Uma vergonha para o nosso país, patrocinada por Alexandre de Moraes.

Esse é o primeiro problema que nós temos e tenho certeza que ao lado de vocês superaremos todos os obstáculos. Vocês nunca viram um chefe de estado se dirigir ao seu povo no limiar do seu mandato. Não quero o conforto dos palácios ou de benesses que existem em Brasília. Quero aquilo que seja justo, ao lado de vocês.

Lá trás, quando sentei praça no exército Brasileiro, jurei dar minha vida pela pátria. E tenho certeza que vocês todos, também de forma consciente, juraram dar sua vida pela sua liberdade.

A pouco encontrei uma menina que que me perguntou se era difícil ser presidente, eu falei que sim, era difícil, mas era por ela. Faço isso por nossos filhos e nossos netos e faço porque tenho o apoio de vocês. Enquanto vocês estiverem ao meu lado eu estarei sendo porta-voz de vocês. Essa missão é digna. Essa missão é espinhosa, mas também é muito gratificante. Não existe satisfação maior do que estar no meio de vocês. Pode ter certeza, onde vocês estiverem, eu estarei.

Cumprimento patriotas que estão em todos os lugares desse nosso imenso Brasil hoje se manifestando por liberdade. O povo acordou ao longo dos últimos anos, cada vez mais, a onda verde e amarela [...] Isso não tem preço, o acordar de uma nação, é a certeza que seremos grandes lá na frente.

Agora, o que incomoda alguns lá de Brasília é que nós conseguimos realmente mudar o Brasil. [...] Acreditem, com vocês nós colocaremos o Brasil no lugar de destaque que ele bem merece. Temos uma pátria que ninguém tem e vocês sabem do que nós estamos fazendo. Hoje nós prestamos conta a vocês e não a partidos políticos. Cada vez mais há certeza do nosso futuro.

O apoio de vocês é primordial, é indispensável, para seguiremos adiante. Nesse momento quero mais uma vez agradecer a todos vocês, agradecer a Deus pela minha vida e pela missão. E dizer aqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. E aqueles que pensam que com uma caneta podem me tirar da presidência, digo uma coisa pra todos: nós temos 3 alternativas: preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós. Muito obrigado a todos.

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.

 

Reparem que nos discursos de Bolsonaro, tanto em Brasília, quanto em São Paulo, em uma data tão especial como o 7 de setembro, não há nenhuma citação aos problemas gravíssimos que o país atravessa como por exemplo, a Covid-19, retomada econômica, inflação, crise hídrica, e tantos outros.

Para o egocêntrico-mor que governa a nação o grande problema é o Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O primeiro por comandar o inquérito das fake news, no qual o presidente, seus filhos, e aliados estão envolvidos até o pescoço, e o outro por defender, ferrenhamente, a confiabilidade das urnas eletrônicas.

Notem que o presidente também chama de “presos políticos” os seus milicianos digitais que foram presos, justamente, por ameaças a ministros do STF, e por espalharem fake news com total apoio do presidente.

Com as manifestações golpistas convocadas pelo presidente no dia de hoje, pode  até se ter a impressão de que o presidente saiu fortalecido. Na verdade, ele próprio quis mostrar fraqueza, mas, na realidade, Jair Bolsonaro está cada vez mais isolado, sendo apoiado apenas pelo rebanho bovino radical que ainda o apoia. E com os eventos de hoje, politicamente, ele se isola e se enfraquece ainda mais.

Não houve episódios de grave violência como anunciado pelos bolsonaristas, como invasão do Congresso e do STF, conforme prometido por ele em redes sociais, em parte devido a ação do Sr. Alexandre de Moraes que prendeu Roberto Jefferson, e outros radicais, e inibiu a ação de outros como o cantor Sérgio Reis.

Agora, partidos e instituições que se cuidem, e cuidem de enquadrar esse louco que nos governa, pois com a manifestações de hoje, ele apenas disse que, se as coisas estão ruins, podem ficar ainda pior.

E assim, vamos nós, brasileiros, vivendo de sobressaltos a cada dia, seja 7, 8, 9 de setembro, e assim por diante. Pois o vocábulo paz será impossível de ser vivido enquanto o louco, egocêntrico, ditador, Jair Bolsonaro, estiver sentado na cadeira presidencial.


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