Um presidente inconsequente e sua live patética
Segunda-feira, 02 de agosto
Semana
começando cheia de novidades.
Depois
de um breve recesso de duas semanas, a CPI da Covid volta aos trabalhos nesta
segunda-feira (2). Desde que foi instalada na terça-feira, 27 de abril, a CPI
da Covid tem se debruçado sobre as inconsequentes ações do governo federal
durante a pandemia de Covid-19.
Inicialmente
a CPI se concentrou em provar que havia, no governo de Jair Bolsonaro, um
gabinete paralelo que orientava o presidente, e que se sobrepunha, até mesmo,
ao ministério da Saúde. Se esse gabinete atuasse em linha com a ciência no
combate ao vírus, estaria tudo bem. Seria até um fato louvável. O problema é
que esse gabinete paralelo, como mostrado vários depoimentos de testemunhas e
convocados à CPI, e por vídeos exibidos e postados nas redes sociais de pessoas
próximas ou ligadas ao governo, o tal gabinete agia nas sombras, contrariando
todas as normas ditadas pela Organização Mundial da Saúde e sabotando o
trabalho do próprio ministério da Saúde.
É
muito surreal. Aliás, no governo Bolsonaro tudo parece surreal. Em tudo ele
subverte a lógica. Tudo cheira mal, muito mal.
Esse
gabinete orientava o uso de remédios ineficazes contra a Covid-19, como a
cloroquina, ivermectina e semelhantes. Também sustentava que distanciamento
social era ineficaz no combate ao vírus. O presidente também desdenhava do uso
de máscaras, e muitas vezes, desdenhou das vacinas.
Alguns
aliados do governo, e senadores governistas caçoavam da própria CPI dizendo que
se tratava da CPI da cloroquina. Com o decorrer dos trabalhos a CPI se deparou
com fatos tão ou igualmente mais graves que a recomendação do uso da cloroquina,
e o desprezo pelas medidas sanitárias. Depoimentos revelaram o porquê do atraso
na compra das vacinas. Por trás de tudo isso estava um criminoso esquema de
corrupção no ministério da Saúde que envolvia contratos suspeitos para a compra
de imunizantes e até mesmo cobrança de propina por cada dose de imunizante
vendida.
Serão
retomadas as investigações envolvendo o imunizante Covaxin, e o contrato
suspeito firmado entre o ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos. A Precisa
representava o laboratório indiano Bharat Biontech no Brasil. Essas denúncias
vieram à tona depois de denúncia do servidor de carreira do ministério da
Saúde, Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado Luís Miranda. Os dois afirmaram
que haviam levado as suspeitas de irregularidades no contrato, e que o Brasil
havia prometido investigar, e nada fez. Disseram também que o presidente citou
o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, como sendo o responsável
pelo “rolo”.
Uma
novidade é que, com a saída do senador Ciro Nogueira para o comando da Casa
Civil ̶
Ciro era membro titular da CPI
̶ a vaga deixada por ele foi
ocupada por Luiz Carlos Heinz (RS), que era suplente. Flávio Bolsonaro, que
esporadicamente participava das sessões da CPI, principalmente, naqueles
depoimentos que poderiam tornar a vida do governo mais complicada, passa então
a ser suplente. Uma verdadeira dança das cadeiras na CPI.
O
interessante é que, em depoimento à CPI da Covid em 16 de junho, o
ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse à CPI, quando falava dos
hospitais do Rio, que “Ali tem dono”. Durante o depoimento Witzel se recusou a
dizer quem era o dono, mas disse que se os senadores seguissem os indícios, apontados
por ele durante o depoimento, descobririam quem era. Depois, em conversas
privadas, o ex-governador disse que o dono dos hospitais do Rio era Flávio
Bolsonaro (Patriotas-RJ). Aos interlocutores, Witzel afirmou ainda que Flávio
manda e desmanda na Saúde do Rio, indicando, inclusive, fornecedores.
A
CPI busca estratégias para chegar à família Bolsonaro através de empresas
envolvidas na investigação. Um nome já surgiu nesse universo: o do advogado
Frederico Wassef. Segundo os senadores, Wassef e outras pessoas ligadas a
família Bolsonaro podem ser o elo que una os Bolsonaros a esses esquemas.
Wassef foi ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas, e foi na casa
dele que Fabrício Queiroz foi encontrado na casa dele, em Atibaia, depois de passar dias sem que ninguém
soubesse onde ele estava.
Os
senadores querem descobrir se há algum elo entre Flávio Bolsonaro e a Precisa
Medicamentos. No dia 25 de junho, a revista Veja trouxe uma reportagem que
mostrava que o senador Flávio Bolsonaro, em pelo menos uma ocasião, participou
de uma vídeo conferência na qual estavam presentes o presidente do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano,
amigo de Flávio, e Francisco Maximiano, dono da Precisa. Na ocasião, Maximiano
representava outra das empresas dele: a Xis Internet Fibra. Também participou
dessa reunião, Danilo Fiorini Junior, “CEO” da Xis Internet Fibra.
Defendendo-se
das acusações de ligação com a Precisa, o senador Flávio Bolsonaro disse que a
reunião era para tratar da instalação de fibra ótica no Nordeste. Porém, a
afirmação não convenceu a muito dos integrantes da CPI.
A
ida do senador Flávio Bolsonaro para a suplência da CPI pode não ser um simples
acaso. E olha lá se o senador não se tornar titular. No caso, a manobra pode
ser uma estratégia de Flávio para defender a si mesmo e a família.
Quem retomou os trabalhos nesta segunda-feira foi o Supremo Tribunal
Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. E
volta tendo na pauta julgamentos voltados a temas trabalhistas, e uma decisão
sobre a utilização de precatórios para pagamento de diferença na avaliação de
imóvel desapropriado. Também o Superior Tribunal eleitoral retomou os trabalhos
nesta segunda.
Tudo
seguiria seu curso muito normal e tranquilo, se estes Poderes tivessem apenas
que lidar com as atividades normais de cada dia. Mas não. Eles ainda têm que
lidar com as loucuras, os ímpetos, e os arroubos do presidente Jair Bolsonaro.
A
live da última quinta-feira, 29 de julho, feita pelo presidente foi transmitida
através das redes sociais dele. Um espetáculo tétrico e ridículo. Mais que
isso. Um ataque direto à democracia. O maior ataque feito pelo presidente ao
Supremo Tribunal Federal, e ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a acusação sem
provas de fraude nas urnas eletrônicas.
Antes
de irmos para a live, demos uma olhada em alguns fatos que a precederam.
No
sábado, 24, o presidente disse a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada,
que “Se eu estivesse coordenando a pandemia não teria morrido tanta gente”.
No ano passado, ainda no início da pandemia, o STF decidiu que prefeitos e
governadores tinham autonomia para adotar medidas de combate à Covid-19. Na
decisão, o STF não excluiu o governo de responsabilidades no combate à doença.
Seguindo
seu rosário de mentiras Bolsonaro disse a apoiadores que a Coronavac é vacina
em fase de experimento. “A Coronavac ainda é experimental e tem gente que
quer tornar obrigatória”.
Bolsonaro
falou ainda sobre uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que validou uma
decisão de demitir uma auxiliar de limpeza por se recusar a tomar vacina. A
mulher trabalhava em um hospital em São Caetano do Sul, e se recusou, por duas
vezes, a tomar a vacina. A respeito desse caso, Bolsonaro disse: “Tem juiz
do trabalho que tá aceitando demissão por justa causa a quem não quer tomar
vacina. Eu falei ano passado, que no que depender de mim a vacina é
facultativa, me acusam de negacionista”.
No
dia anterior, 28 de julho, o STF, foi às redes sociais e publicou um vídeo em
que desmente o presidente, e afirma que não tirou poderes dele de atuar na
pandemia.
No
dia 29, pela manhã, o presidente disse aos seus apoiadores que o STF tinha
cometido crime ao dar poderes a estados e munícipios para agir durante a
pandemia. Aproveitou também para dizer que houve fraude nas eleições de 2014,
nas quais disputaram a presidência Aécio Neves e Dilma Rousseff. Bolsonaro, diz
sem provas, que Aécio venceu as eleições. O próprio Aécio Neves disse que não
houve fraude e que Dilma venceu legalmente as eleições. Naquela manhã,
Bolsonaro repetiu o que vinha dizendo há vários dias: que na live semanal da
quinta-feira, 29, apresentaria as provas de que as eleições haviam sido
fraudadas.
Veio
à noite tão falada e tão esperada em que o presidente revelaria as tais provas
de fraudes nas eleições e da ineficácia das urnas eletrônicas. Foram duas horas
de muito falatório. Provas contundentes de fraudes no sistema eleitoral
brasileiro não foi apresentada nenhuma.
Lembrando
os versos da canção interpretada pelo saudoso Cazuza
“Disparo contra o
Sol
Sou forte, sou por
acaso
Minha metralhadora
cheia de mágoas”
Bolsonaro disparou a metralhadora cheia de mágoas dele contra todo mundo: Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral, governadores, imprensa, petistas, sobrou até para o presidente da Argentina.
O
presidente atacou o sistema eleitoral brasileiro, porém, ao invés de apresentar
provas de fraude nas urnas eletrônicas, admitiu não as ter. Ele tem afirmado,
repetidas vezes, que não haverá eleição ano que vem se não houver voto
impresso. Mais uma vez, Bolsonaro se mostra um inimigo da democracia e um risco
a esse sistema democrático que tanto estimamos.
Em
vez de provas, o que Bolsonaro apresentou foi apenas vídeos antigos que
circulam pelo Youtube e pelas redes sociais, todos eles já desmentidos pelo
TSE. Ainda entre os supostos indícios, o presidente deu voz a um youtuber que
foi apresentado como Gederson, que disse ser programador.
O
suposto programador fez um vídeo demonstrativo, em um sistema que ele mesmo
criou, e que explicariam várias maneiras de como uma urna eletrônica poderia
ser fraudada, sem levar em conta que as urnas administradas pelo TSE possuem
várias camadas de segurança.
Além
disso, foram usados vários trechos de apuração feita por veículos de imprensa
em eleições todos fora de contexto.
Bolsonaro
precisa de inimigos para existir. Mesmo que eles sejam imaginários. É dessa
forma que ele incendeia sua militância, e o inimigo da vez é o presidente do TSE,
Luís Roberto Barroso, que também é ministro do STF. Os ataques do presidente a
Barroso têm sido fortes e intensos. Ele já chegou a chamar o ministro de
imbecil.
Na
referida live Bolsonaro disse a respeito de Barroso: “Onde quer chegar este
homem que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral e que quer a
inquietação do povo? Quer que movimentos surjam no futuro que não condizem com
a democracia?” Para bom entendedor, há na fala de Bolsonaro mais uma ameaça
velada a democracia.
A
live do presidente, dessa vez, além de ser transmitida pelas redes sociais,
também foi transmitida pela estatal TV Brasil, que transmitiu as duas horas de
duração do evento. Foi mais um fato triste nesse festival de mentiras: ver o
dinheiro público, e uma TV estatal, sendo usados para transmitir fake news e
sustentar um discurso antidemocrático.
O
circo, porém, não terminou por aí. No domingo, os partidários do presidente
foram as ruas em defesa do voto impresso em várias capitais do país. Não foi um
número tão expressivo como queria o presidente ̶ que
disse que colocaria um milhão de pessoas nas ruas ̶ mesmo
assim fizeram barulho.
Foi
mais um momento de o presidente ameaçar a democracia e colocar em risco as
eleições do ano que vem. Em Brasília, a manifestação ocorreu na Esplanada dos
Ministérios, e o presidente participou dela através de um vídeo chamada. Ele se
dirigiu aos manifestantes dizendo: “Sem eleições limpas e democráticas, não
haverá eleição. Nós mais que exigimos, podem ter certeza, juntos, porque vocês
são, de fato o meu exército, o nosso exército, fazer com que a vontade popular
seja expressa na contagem pública do voto. Nós temos que ter a certeza de que
quem você porventura votar, o seu voto vai ser computado para aquela pessoa. As
eleições últimas estão recheadas de indício fortíssimo de manipulação. Isso não
pode ser admitido por mim e nem por vocês. Nós, juntos, somos a expansão da
democracia no Brasil. O nosso entendimento, a minha lealdade ao povo
brasileiro, o meu temor a Deus, a nossa união nos libertará da sombra do
comunismo e do socialismo”.
O
que podemos perceber disso tudo é que Bolsonaro é um grande manipulador. Ele
consegue fazer com que sua militância acredite nas mentiras que ele conta, por
mais absurdas que elas sejam. Ele é capaz de fazer com que seus apoiadores se
voltem para quem ele apontar como inimigo, e, também por esse ângulo ele é um
homem perigoso. Ele consegue tirar a consciência desde pessoas ignorantes até
de gente muito inteligente. Com sua atitude manipuladora, o presidente faz com
que essa parcela da população que ainda o idólatra se torne um exército de
zumbis.
É
preciso que as instituições reajam e resistam. É preciso que a população
brasileira se levante contra essas mentiras e desmandos do presidente. Se assim
não for, a nação que caminha para a beira do precipício será jogada de vez
nele.
Com
Bolsonaro não adianta ficar conversando, passando a mão na cabeça. Já tentou-se
fazer uma espécie de pacto entre os membros dos Três Poderes, inclusive,
recentemente, antes de Bolsonaro passar mal por problemas intestinais e ficar
internado no hospital. Ele pode adotar uma atitude tipo paz e amor. Mas quanto
tempo durará? Um dia? Dois talvez, mas nada além disso. A experiência já nos
tem mostrado que ele age exatamente assim: Um dia promete uma coisa, e no outro
dia, faz totalmente diferente do que prometeu.
Acho
que, finalmente, o STF e o TSE estão abrindo os olhos para isso. Como diz o
ditado “Antes tarde do que nunca”. Na verdade, na live da quinta-feira,
29, Bolsonaro humilhou os ministros do STF e do STE de uma vez só. O fez também
com as declarações que tem dado desde que foi eleito, e com mais intensidade,
depois que a CPI da Covid foi instalada, e depois que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva começou a disparar nas pesquisas de intenção de voto para as próximas
eleições, deixando Bolsonaro para trás.
Após
a sessão de abertura do semestre no TSE o presidente daquele órgão deu declaração
na qual diz:
“As
democracias contemporâneas são feitas de votos, são feitas do respeito aos
direitos fundamentais e são feitas de debate público de qualidade. A ameaça à
realização de eleições é uma conduta antidemocrática. Suprimir direitos
fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta
antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio
e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.
Há
coisas erradas acontecendo no país. E todos nós precisamos estar atentos.
Precisamos das instituições e precisamos da sociedade civil, ambas bem alertas.
Nós já superamos os ciclos do atraso institucional, mas há retardatários que
gostariam de voltar ao passado. Parte dessas estratégias inclui o ataque às
instituições.”
Logo
após o discurso de Barroso, os membros do tribunal resolveram pedir ao STF que
investigue Bolsonaro no inquérito que apura
Na
sexta-feira, 30, um dia após a live patética de Bolsonaro, o ministro do STF,
Alexandre de Moraes, determinou que a Polícia Federal retome as investigações
do inquérito que apura se o presidente, Jair Bolsonaro, tentou interferir na PF,
conforme acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Em
sua decisão, Moraes afirma que a PF não precisa esperar pela definição do STF
sobre o formato do depoimento do presidente, se presencial, ou por escrito. O julgamento
do caso está marcado para setembro.
A
investigação desse caso foi aberta em abril de 2020, após o Sérgio Moro,
ex-ministro da Justiça, acusar Bolsonaro de tentar interferir no comando da PF
e na Superintendência do órgão no Rio de Janeiro. O inquérito está parado desde
setembro do ano passado por causa de um pedido do presidente para que o
depoimento fosse feito à PF por escrito.
A
oitiva de Bolsonaro nesse inquérito é imprescindível para esclarecer se ele
interferiu ou não na PF.
“Quem semeia ventos, colhe tempestade”. Acho que Bolsonaro não conhece esse ditado. E pelos ventos que ele semeou durante a vida inteira, acho que a tempestade que um dia colherá será daquelas com direito a raios, trovoadas e tufões. Mas, é assim a vida, cada um vai colher aquilo que plantou.
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