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Um presidente inconsequente e sua live patética

Posted by Cottidianos on 22:44

Segunda-feira, 02 de agosto

Semana começando cheia de novidades.

Depois de um breve recesso de duas semanas, a CPI da Covid volta aos trabalhos nesta segunda-feira (2). Desde que foi instalada na terça-feira, 27 de abril, a CPI da Covid tem se debruçado sobre as inconsequentes ações do governo federal durante a pandemia de Covid-19.

Inicialmente a CPI se concentrou em provar que havia, no governo de Jair Bolsonaro, um gabinete paralelo que orientava o presidente, e que se sobrepunha, até mesmo, ao ministério da Saúde. Se esse gabinete atuasse em linha com a ciência no combate ao vírus, estaria tudo bem. Seria até um fato louvável. O problema é que esse gabinete paralelo, como mostrado vários depoimentos de testemunhas e convocados à CPI, e por vídeos exibidos e postados nas redes sociais de pessoas próximas ou ligadas ao governo, o tal gabinete agia nas sombras, contrariando todas as normas ditadas pela Organização Mundial da Saúde e sabotando o trabalho do próprio ministério da Saúde.

É muito surreal. Aliás, no governo Bolsonaro tudo parece surreal. Em tudo ele subverte a lógica. Tudo cheira mal, muito mal.

Esse gabinete orientava o uso de remédios ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina, ivermectina e semelhantes. Também sustentava que distanciamento social era ineficaz no combate ao vírus. O presidente também desdenhava do uso de máscaras, e muitas vezes, desdenhou das vacinas.

Alguns aliados do governo, e senadores governistas caçoavam da própria CPI dizendo que se tratava da CPI da cloroquina. Com o decorrer dos trabalhos a CPI se deparou com fatos tão ou igualmente mais graves que a recomendação do uso da cloroquina, e o desprezo pelas medidas sanitárias. Depoimentos revelaram o porquê do atraso na compra das vacinas. Por trás de tudo isso estava um criminoso esquema de corrupção no ministério da Saúde que envolvia contratos suspeitos para a compra de imunizantes e até mesmo cobrança de propina por cada dose de imunizante vendida.

Serão retomadas as investigações envolvendo o imunizante Covaxin, e o contrato suspeito firmado entre o ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos. A Precisa representava o laboratório indiano Bharat Biontech no Brasil. Essas denúncias vieram à tona depois de denúncia do servidor de carreira do ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado Luís Miranda. Os dois afirmaram que haviam levado as suspeitas de irregularidades no contrato, e que o Brasil havia prometido investigar, e nada fez. Disseram também que o presidente citou o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, como sendo o responsável pelo “rolo”.

Uma novidade é que, com a saída do senador Ciro Nogueira para o comando da Casa Civil  ̶  Ciro era membro titular da CPI  ̶  a vaga deixada por ele foi ocupada por Luiz Carlos Heinz (RS), que era suplente. Flávio Bolsonaro, que esporadicamente participava das sessões da CPI, principalmente, naqueles depoimentos que poderiam tornar a vida do governo mais complicada, passa então a ser suplente. Uma verdadeira dança das cadeiras na CPI.

O interessante é que, em depoimento à CPI da Covid em 16 de junho, o ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse à CPI, quando falava dos hospitais do Rio, que “Ali tem dono”. Durante o depoimento Witzel se recusou a dizer quem era o dono, mas disse que se os senadores seguissem os indícios, apontados por ele durante o depoimento, descobririam quem era. Depois, em conversas privadas, o ex-governador disse que o dono dos hospitais do Rio era Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ). Aos interlocutores, Witzel afirmou ainda que Flávio manda e desmanda na Saúde do Rio, indicando, inclusive, fornecedores.

A CPI busca estratégias para chegar à família Bolsonaro através de empresas envolvidas na investigação. Um nome já surgiu nesse universo: o do advogado Frederico Wassef. Segundo os senadores, Wassef e outras pessoas ligadas a família Bolsonaro podem ser o elo que una os Bolsonaros a esses esquemas. Wassef foi ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas, e foi na casa dele que Fabrício Queiroz foi encontrado na casa dele,  em Atibaia, depois de passar dias sem que ninguém soubesse onde ele estava.

Os senadores querem descobrir se há algum elo entre Flávio Bolsonaro e a Precisa Medicamentos. No dia 25 de junho, a revista Veja trouxe uma reportagem que mostrava que o senador Flávio Bolsonaro, em pelo menos uma ocasião, participou de uma vídeo conferência na qual estavam presentes o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, amigo de Flávio, e Francisco Maximiano, dono da Precisa. Na ocasião, Maximiano representava outra das empresas dele: a Xis Internet Fibra. Também participou dessa reunião, Danilo Fiorini Junior, “CEO” da Xis Internet Fibra.

Defendendo-se das acusações de ligação com a Precisa, o senador Flávio Bolsonaro disse que a reunião era para tratar da instalação de fibra ótica no Nordeste. Porém, a afirmação não convenceu a muito dos integrantes da CPI.

A ida do senador Flávio Bolsonaro para a suplência da CPI pode não ser um simples acaso. E olha lá se o senador não se tornar titular. No caso, a manobra pode ser uma estratégia de Flávio para defender a si mesmo e a família.

Quem retomou os trabalhos nesta segunda-feira foi o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. E volta tendo na pauta julgamentos voltados a temas trabalhistas, e uma decisão sobre a utilização de precatórios para pagamento de diferença na avaliação de imóvel desapropriado. Também o Superior Tribunal eleitoral retomou os trabalhos nesta segunda.

Tudo seguiria seu curso muito normal e tranquilo, se estes Poderes tivessem apenas que lidar com as atividades normais de cada dia. Mas não. Eles ainda têm que lidar com as loucuras, os ímpetos, e os arroubos do presidente Jair Bolsonaro.

A live da última quinta-feira, 29 de julho, feita pelo presidente foi transmitida através das redes sociais dele. Um espetáculo tétrico e ridículo. Mais que isso. Um ataque direto à democracia. O maior ataque feito pelo presidente ao Supremo Tribunal Federal, e ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a acusação sem provas de fraude nas urnas eletrônicas.

Antes de irmos para a live, demos uma olhada em alguns fatos que a precederam.

No sábado, 24, o presidente disse a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, que “Se eu estivesse coordenando a pandemia não teria morrido tanta gente”. No ano passado, ainda no início da pandemia, o STF decidiu que prefeitos e governadores tinham autonomia para adotar medidas de combate à Covid-19. Na decisão, o STF não excluiu o governo de responsabilidades no combate à doença.

Seguindo seu rosário de mentiras Bolsonaro disse a apoiadores que a Coronavac é vacina em fase de experimento. “A Coronavac ainda é experimental e tem gente que quer tornar obrigatória”.

Bolsonaro falou ainda sobre uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que validou uma decisão de demitir uma auxiliar de limpeza por se recusar a tomar vacina. A mulher trabalhava em um hospital em São Caetano do Sul, e se recusou, por duas vezes, a tomar a vacina. A respeito desse caso, Bolsonaro disse: “Tem juiz do trabalho que tá aceitando demissão por justa causa a quem não quer tomar vacina. Eu falei ano passado, que no que depender de mim a vacina é facultativa, me acusam de negacionista”.

No dia anterior, 28 de julho, o STF, foi às redes sociais e publicou um vídeo em que desmente o presidente, e afirma que não tirou poderes dele de atuar na pandemia.

No dia 29, pela manhã, o presidente disse aos seus apoiadores que o STF tinha cometido crime ao dar poderes a estados e munícipios para agir durante a pandemia. Aproveitou também para dizer que houve fraude nas eleições de 2014, nas quais disputaram a presidência Aécio Neves e Dilma Rousseff. Bolsonaro, diz sem provas, que Aécio venceu as eleições. O próprio Aécio Neves disse que não houve fraude e que Dilma venceu legalmente as eleições. Naquela manhã, Bolsonaro repetiu o que vinha dizendo há vários dias: que na live semanal da quinta-feira, 29, apresentaria as provas de que as eleições haviam sido fraudadas.

Veio à noite tão falada e tão esperada em que o presidente revelaria as tais provas de fraudes nas eleições e da ineficácia das urnas eletrônicas. Foram duas horas de muito falatório. Provas contundentes de fraudes no sistema eleitoral brasileiro não foi apresentada nenhuma.

Lembrando os versos da canção interpretada pelo saudoso Cazuza

“Disparo contra o Sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas”

 Bolsonaro disparou a metralhadora cheia de mágoas dele contra todo mundo: Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral, governadores, imprensa, petistas, sobrou até para o presidente da Argentina.

O presidente atacou o sistema eleitoral brasileiro, porém, ao invés de apresentar provas de fraude nas urnas eletrônicas, admitiu não as ter. Ele tem afirmado, repetidas vezes, que não haverá eleição ano que vem se não houver voto impresso. Mais uma vez, Bolsonaro se mostra um inimigo da democracia e um risco a esse sistema democrático que tanto estimamos.

Em vez de provas, o que Bolsonaro apresentou foi apenas vídeos antigos que circulam pelo Youtube e pelas redes sociais, todos eles já desmentidos pelo TSE. Ainda entre os supostos indícios, o presidente deu voz a um youtuber que foi apresentado como Gederson, que disse ser programador.

O suposto programador fez um vídeo demonstrativo, em um sistema que ele mesmo criou, e que explicariam várias maneiras de como uma urna eletrônica poderia ser fraudada, sem levar em conta que as urnas administradas pelo TSE possuem várias camadas de segurança.

Além disso, foram usados vários trechos de apuração feita por veículos de imprensa em eleições todos fora de contexto.

Bolsonaro precisa de inimigos para existir. Mesmo que eles sejam imaginários. É dessa forma que ele incendeia sua militância, e o inimigo da vez é o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, que também é ministro do STF. Os ataques do presidente a Barroso têm sido fortes e intensos. Ele já chegou a chamar o ministro de imbecil.

Na referida live Bolsonaro disse a respeito de Barroso: “Onde quer chegar este homem que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral e que quer a inquietação do povo? Quer que movimentos surjam no futuro que não condizem com a democracia?” Para bom entendedor, há na fala de Bolsonaro mais uma ameaça velada a democracia.

A live do presidente, dessa vez, além de ser transmitida pelas redes sociais, também foi transmitida pela estatal TV Brasil, que transmitiu as duas horas de duração do evento. Foi mais um fato triste nesse festival de mentiras: ver o dinheiro público, e uma TV estatal, sendo usados para transmitir fake news e sustentar um discurso antidemocrático.

O circo, porém, não terminou por aí. No domingo, os partidários do presidente foram as ruas em defesa do voto impresso em várias capitais do país. Não foi um número tão expressivo como queria o presidente  ̶  que disse que colocaria um milhão de pessoas nas ruas  ̶  mesmo assim fizeram barulho.

Foi mais um momento de o presidente ameaçar a democracia e colocar em risco as eleições do ano que vem. Em Brasília, a manifestação ocorreu na Esplanada dos Ministérios, e o presidente participou dela através de um vídeo chamada. Ele se dirigiu aos manifestantes dizendo: “Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição. Nós mais que exigimos, podem ter certeza, juntos, porque vocês são, de fato o meu exército, o nosso exército, fazer com que a vontade popular seja expressa na contagem pública do voto. Nós temos que ter a certeza de que quem você porventura votar, o seu voto vai ser computado para aquela pessoa. As eleições últimas estão recheadas de indício fortíssimo de manipulação. Isso não pode ser admitido por mim e nem por vocês. Nós, juntos, somos a expansão da democracia no Brasil. O nosso entendimento, a minha lealdade ao povo brasileiro, o meu temor a Deus, a nossa união nos libertará da sombra do comunismo e do socialismo”.

O que podemos perceber disso tudo é que Bolsonaro é um grande manipulador. Ele consegue fazer com que sua militância acredite nas mentiras que ele conta, por mais absurdas que elas sejam. Ele é capaz de fazer com que seus apoiadores se voltem para quem ele apontar como inimigo, e, também por esse ângulo ele é um homem perigoso. Ele consegue tirar a consciência desde pessoas ignorantes até de gente muito inteligente. Com sua atitude manipuladora, o presidente faz com que essa parcela da população que ainda o idólatra se torne um exército de zumbis.

É preciso que as instituições reajam e resistam. É preciso que a população brasileira se levante contra essas mentiras e desmandos do presidente. Se assim não for, a nação que caminha para a beira do precipício será jogada de vez nele.

Com Bolsonaro não adianta ficar conversando, passando a mão na cabeça. Já tentou-se fazer uma espécie de pacto entre os membros dos Três Poderes, inclusive, recentemente, antes de Bolsonaro passar mal por problemas intestinais e ficar internado no hospital. Ele pode adotar uma atitude tipo paz e amor. Mas quanto tempo durará? Um dia? Dois talvez, mas nada além disso. A experiência já nos tem mostrado que ele age exatamente assim: Um dia promete uma coisa, e no outro dia, faz totalmente diferente do que prometeu.

Acho que, finalmente, o STF e o TSE estão abrindo os olhos para isso. Como diz o ditado “Antes tarde do que nunca”. Na verdade, na live da quinta-feira, 29, Bolsonaro humilhou os ministros do STF e do STE de uma vez só. O fez também com as declarações que tem dado desde que foi eleito, e com mais intensidade, depois que a CPI da Covid foi instalada, e depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a disparar nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições, deixando Bolsonaro para trás.

Após a sessão de abertura do semestre no TSE o presidente daquele órgão deu declaração na qual diz:

As democracias contemporâneas são feitas de votos, são feitas do respeito aos direitos fundamentais e são feitas de debate público de qualidade. A ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática. Suprimir direitos fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.

Há coisas erradas acontecendo no país. E todos nós precisamos estar atentos. Precisamos das instituições e precisamos da sociedade civil, ambas bem alertas. Nós já superamos os ciclos do atraso institucional, mas há retardatários que gostariam de voltar ao passado. Parte dessas estratégias inclui o ataque às instituições.”

Logo após o discurso de Barroso, os membros do tribunal resolveram pedir ao STF que investigue Bolsonaro no inquérito que apura a disseminação de fake news. Os membros do TSE aprovaram o pedido por unanimidade. O TSE também abriu inquérito administrativo para apurar os ataques que Bolsonaro vem fazendo às urnas eletrônicas sem apresentar provas.

Na sexta-feira, 30, um dia após a live patética de Bolsonaro, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou que a Polícia Federal retome as investigações do inquérito que apura se o presidente, Jair Bolsonaro, tentou interferir na PF, conforme acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Em sua decisão, Moraes afirma que a PF não precisa esperar pela definição do STF sobre o formato do depoimento do presidente, se presencial, ou por escrito. O julgamento do caso está marcado para setembro.

A investigação desse caso foi aberta em abril de 2020, após o Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, acusar Bolsonaro de tentar interferir no comando da PF e na Superintendência do órgão no Rio de Janeiro. O inquérito está parado desde setembro do ano passado por causa de um pedido do presidente para que o depoimento fosse feito à PF por escrito.

A oitiva de Bolsonaro nesse inquérito é imprescindível para esclarecer se ele interferiu ou não na PF.

“Quem semeia ventos, colhe tempestade”. Acho que Bolsonaro não conhece esse ditado. E pelos ventos que ele semeou durante a vida inteira, acho que a tempestade que um dia colherá será daquelas com direito a raios, trovoadas e tufões. Mas, é assim a vida, cada um vai colher aquilo que plantou.


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