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Um novo recomeço

Posted by Cottidianos on 00:33

Domingo, 11 de abril


A postagem abaixo trata do drama vivido por Daniel Freire, ex-assessor  do senador Major Olímpio (PSL-SP). Os dois foram internados com Covid no mesmo dia 02 de março deste ano. Ele em Brasília e o major em São Paulo. Os dois foram entubados. Porém, não tiveram a mesma sorte. Major Olímpio foi vencido pela Covid-19 em 18 de março deste ano. Daniel, depois de 35 dias internado em intensa luta para vencer a doença, recebeu alta do hospital onde estava internado, no dia 09 deste mês.

O texto abaixo foi inspirado no artigo, Extubado, assessor alucinou e demorou para saber da morte de Major Olimpio, publicado no portal UOL Notícias, em 10 de abril.

 

***

Daniel Freire e Major Olímpio

 Era o ano de 2017. O jornalista Diego Freire sorria feliz. Acabara de receber a notícia de que havia sido escolhido para a vaga de assessor do deputado federal Sérgio Olímpio Gomes, mais conhecido como Major Olímpio. Afinal, iria trabalhar na Câmara dos Deputados, em Brasília, coração do poder. O major fora eleito deputado federal dois antes, em 2015, mas somente agora havia surgido a vaga para o cargo que ele desejava desde que o major fora para Brasília. Aquele seria o penúltimo ano de Olímpio como deputado federal. Dali a dois anos, 2018, já seria disputada nova eleição e os eleitores teriam de ir às urnas, mais uma vez, para eleger deputados estaduais e federais, senadores, governadores, e o presidente da República.

O sorriso de felicidade foi, aos poucos se desfazendo dos lábios de Diego, e deu lugar a um suspiro. Seriam dois anos de muito trabalho,  mas ele se esforçaria por dar o melhor de si.

O trabalho como assessor do deputado Major Olímpio exigia constantes reuniões de trabalho com ele, e isso foi aproximando os dois, assessor e deputado. Tanta proximidade fez com que os dois se tornassem amigos. Era comum, depois do trabalho os dois se reunirem para bater papo depois do expediente. O deputado vivia sozinho em Brasília, e as conversas com Diego o ajudavam a aliviar os momentos de solidão. A conversa então, muitas vezes se afastava do dia a dia da Câmara dos Deputados e enveredava por outros assuntos além da política.

Foi numa dessas conversas que Olímpio lhe revelou o desejo de trocar a Câmara pelo Senado. Diego se surpreendeu com a decisão, mas achou possível o sonho se tornar realidade. Bastaria apenas muito empenho, foco e dedicação. Bastava para isso, como diz o ditado “arregaçar as mangas”.

Veio o ano de 2018. Major Olímpio concorreu para o senado pelo estado de São Paulo. Em 07 de outubro daquele ano, quando as urnas foram abertas, trouxeram o coroamento de todo um trabalho, de toda uma articulação política. São Paulo elegeu o Major Olímpio, PSL. Ele recebeu 25,79% dos votos. Em segundo lugar, eleita senadora pelo estado de São Paulo, estava Mara Gabrilli (PSDB-SP), com 18,63% dos votos.

Uma grande alegria dominava os membros do PSL, além da eleição do Major Olímpio, o partido também conseguira eleger o presidente da República, Jair Bolsonaro. O candidato começara a corrida eleitoral desacreditado e obtivera uma vitória sensacional. Além disso, o PSL foi o partido que mais votos obteve para a Câmara, saindo da condição de partido nanico para a posição de grande partido. Lá se foram Major Olímpio, Diego Freire, seu assessor, e demais membros da equipe trocar um gabinete na Câmara por um gabinete no Senado.

Então o moinho do tempo foi rodando, inexorável. Como diria os versos de Chico Buarque “roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração”. Após sérias divergências o presidente Jair Bolsonaro, em dezembro de 2019, anunciou a saída do PSL. E nessas idas e vindas do moinho da vida, Major Olímpio passou de apoiador a crítico de Bolsonaro.

O governo de Bolsonaro, na verdade, o próprio Bolsonaro se tornara uma fábrica de crises. Eram constantes os ataques a democracia. Além de não governar sozinho. Eram os filhos que davam as cartas no governo do pai, coisa nunca antes vista na República brasileira. Todas essas coisas, aliadas a outros aspectos do governo fizeram com que Major Olímpio deixasse de ser apoiador do governo. O tempo correu mais um pouco e a fábrica de crises chamada Jair Bolsonaro, foi se tornando mais eficiente. Cada dia era mais lenha colocada na fogueira. Ele criava inimigos imaginários e, se ainda estivéssemos no tempo da inquisição, mandava todos para a fogueira com a acusação de ser esquerda. Era assim Bolsonaro. Quem não concordava com ele, era automaticamente colocado na condição de inimigo e esquerdista.

Se as nuvens que se anunciavam no horizonte do Brasil no cenário político já eram bastante pesadas, a roda do tempo se encarregou de tornar o céu ainda mais cinza. E tudo começou bem longe daqui. Começou na cidade chinesa de Wuhan. Naquela cidade, em dezembro de 2019, começou a se formar um tsunami chamado coronavírus. No início, os chineses acharam que acharam que era apenas maré alta, mas, para espanto de todos, a água recuou quilômetros mar adentro e avançou para a frente com força de um tsunami que varreu o mundo.

Houveram líderes sábios que souberam proteger bem os seus cidadãos, e mesmo correndo o risco de se tornarem impopulares, tomaram medidas drásticas: fecharam cidades quase por completo. Proibiram as pessoas de sair de casa, a não em casos excepcionais. E quando começou a surgir no horizonte da ciência a promessa da tão sonhada vacina, eles logo fecharam contratos com as grandes farmacêuticas para compra de milhões de doses, mesmo que estas vacinas ainda nem tivessem sido aprovadas. Estavam apenas em fases de testes. Estes governantes deram um tiro no escuro. Não restava outra alternativa. É assim a vida: um correr riscos. Principalmente, em momentos de calamidade e pandemias.

Esses líderes não se arrependeram e começam a colher os frutos de sua ousadia.

Outros líderes, os medíocres, preferiram zombar do poder de contaminação do vírus e deram de ombros para a capacidade desse mesmo vírus de ceifar vidas. Não compraram as vacinas. Ao contrário, enquanto os sensatos corriam para fechar contratos, eles fechavam as portas para as farmacêuticas que ofereciam o produto salvador.

O presidente do Brasil estava nesse grupo. Enquanto a pandemia se espalhava pelo país, ele zombava, ria, dançava, tirava férias, se juntava com aliados em jantares celebrativos no palácio. Dava de ombros para a gravidade da situação. “É apenas uma gripezinha”, “E daí?” “Sou Messias, mas não faço milagres”. “Não sou coveiro”. Dizia ele. Brigou com Deus e o mundo e com aquele que dissesse ser as medidas sanitárias e distanciamento social coisas importantes para barrar a transmissão do vírus.

Como resultado, a montanha de cadáveres, vítimas da Covid-19, foi se espalhando pelo Brasil. Em certo momento do ano passado, os números de casos e de mortes começou a baixar um pouco, mas ainda em patamar alto. Os brasileiros, não todos, mas aqueles inconsequentes e negacionistas, botaram o bloco na rua e acreditaram que o pior já havia passado.

O tsunami chamado coronavírus, que ama aglomerações, voltou com força. Ainda mais ameaçador ainda que no seu início.

Major Olímpio se protegia. Passou a criticar a condução do governo na pandemia. Em dezembro, quando ainda Bolsonaro zombava e questionava a eficácia das vacinas, Major Olímpio foi às redes sociais dizer que a vacinação em massa era o único caminho para humanidade sair desse pesadelo.

Diego Freire também se cuidava. Passava álcool em gel nas mãos. Uso de máscara. Mas com o tempo achou que tudo aquilo era um certo exagero e passou a fazer parte daqueles que achavam que o pior já tinha passado. Ele passou a minimizar a gravidade da situação. “Ah, não vou pegar isso”. Pensava ele.

Não foi só no uso de álcool gel e máscara que Diego começou a relaxar. Ele também passou a frequentar barzinhos e festas. Em fevereiro, se descuidou ainda mais. Tornou-se ele também um negacionista. Foi a uma festa do Flamengo. Foi em algum desses descuidos que o coronavírus se aproveitou da ingenuidade do assessor do Major Olímpio, e o infectou.

Diego pensava que o Major Olímpio jamais pegaria o vírus. Por que não tinha comorbidades, praticava esportes. Enfim, levava uma vida saudável. E além disso, se cuidava.

Porém, ninguém é perfeito nessa vida. Comete erros. Major Olímpio também cometeu. Em fevereiro deste ano, ele participou, em Bauru, de um protesto contra o isolamento social promovido pelo governador paulista João Dória. O protesto foi liderado pelo bolsonarista de carteirinha, o empresário Luciano Hang, e pela prefeita negacionista de Bauru, Suélle Rosim (Patriota). Coisas da política. Major Olímpio que criticava Jair Bolsonaro, juntou-se a uma manifestação contra as medidas de isolamento social promovida pelo governo paulista.

Com o coronavírus você não pode baixar a guarda. Nunca. Você baixa a guarda. Ele não. O vírus está sempre pronto a contaminar àquele que se distrai.

Não se sabe ao certo se foi nessa manifestação que o Major Olímpio se contaminou ou se foi no próprio gabinete. O fato é que, no dia 02 de março deste ano, Major Olímpio foi internado com Covid-19 em um hospital particular de São Paulo. No dia 05 o caso dele evoluiu para estado grave e ele precisou ser entubado. O político não resistiu a doença e faleceu no dia 18 de março.

Simultaneamente a Major Olímpio, Daniel também pegou Covid-19. Foi internado em um hospital de Brasília no mesmo dia em que Olímpio foi internado em São Paulo. O problema do Covid-19 é que ele sempre puxa mais gente para a dança do sofrimento. Nesse caso também não foi diferente. Outros amigos próximos aos dois e a quase totalidade dos funcionários do gabinete no Senado também foram infectados, todos sem gravidade.

Logo quando começou a sentir os sintomas Diego achou que apenas uma “gripezinha”. Mas as coisas foram piorando. No segundo dia, aliados aos sintomas da gripezinha, apareceu também uma febre. No terceiro dia, as dores no corpo foram aparecendo. No quarto dia, começou a lhe faltar o ar. Ainda assim, Daniel pensava que era só febre e dor no corpo e que logo tudo estaria bem. Grande engano. As coisas pioraram bastante.

Foi então que a namorada de Daniel resolveu leva-lo ao hospital. No hospital foi informado que precisava ser entubado. Após os exames os médicos avisaram a Daniel que o caso dele era grave.

O jornalista então se desesperou. Não queria ser entubado. Já soubera de casos de pessoas que tinham sido entubadas e voltaram com sequelas. Outras nem voltaram. Medo. Muito medo foi o que ele sentiu. Foi preciso muita paciência da equipe médica para convencê-lo de que o procedimento precisava ser feito.

Apesar da recusa, Daniel se sentia como um peixe fora d’água. Tentava respirar e não conseguia. Sentia agonia dominar seu ser. Aliada a falta de ar havia ainda as dores no pulmão. Terríveis.

O argumento usado pela equipe médica para convencê-lo foi bem simples: ou você permite a entubação ou morre.  Daniel escolheu a primeira opção. Pelo menos, nela havia uma esperança de vida. Foi então foi sedado e os médicos fizeram os procedimentos para entubação.

Foram 14 dias de luta pela vida na UTI. Diferentemente de Major Olímpio, o quadro de saúde de Daniel foi evoluindo para uma condição positiva. Após 14 dias sedados, ele acordou.

Mas não acordou bem. Estava confuso. Em estado de delírio, achava que havia sido sequestrado. Olhava assustado para os lados. Havia algo de muito errado naquela situação. Que lugar estranho era aquele? Perguntava-se ele. E aquelas pessoas que o rodeavam? Quem eram. Para ele, cada médico ou enfermeiro que se aproximava queria lhe fazer algum tipo de mal.

Ele não conseguia falar. Tentava mexer os braços, as pernas. Esforço em vão. Seus membros não lhe obedeciam. Estavam inertes. Nenhuma parte do seu corpo parecia responder aos comandos do cérebro. Ele chorava. Desesperado, queria arrancar aqueles aparelhos estranhos que impediam sua respiração.

Os médicos tiveram que conter seus braços para que ele não arrancasse os aparelhos. Depois de quatro dias contidos pelos médicos, ele foi se acalmando. Só então os médicos fizeram uma chamada de vídeo para a família dele. Ainda estava assustado quando começou a falar com a mãe. Ela foi acalmando-o e lhe disse que ele havia acabado de ser extubado.

Diego saiu da UTI, mas até sair do hospital ainda havia um longo caminho. Depois da UTI ele foi colocado na ala de terapia semi-intensiva. Um dia antes de ser extubado, ocorreu a morte do Major Olímpio.

A mãe de Diego, Sandra Regina, foi cuidar dele no hospital. Mas não teve coragem de lhe falar da morte do senador. O estado de saúde do filho ainda inspirava cuidados. Era melhor poupá-lo da notícia. Sandra Regina não deixava o filho ver TV. Até o celular dele foi confiscado. O assessor ficou como que apartado do que acontecia fora das quatro paredes do hospital.

Quando perguntava pelo senador recebia a resposta de que ele estava entubado. O paciente ficava mais tranquilo. Afinal o patrão e amigo sempre demonstrara ser uma pessoa forte e de boa saúde. Com certeza, ele sairia bem dessa.

Passou-se uma semana. Depois que a mãe de Diego viu que ele não estava mais delirando e que havia recobrado a consciência, ela então resolveu contar da morte do senador.

As dores físicas do corpo haviam diminuído, mas chegou a dor da tristeza pela perda do amigo. Diego chorava. Não queria comer. Bateu uma depressão. A princípio, não acreditou. Foi preciso entrar na Internet para ter certeza.

No hospital, os dias se passavam entre a alegria por estar recuperando a saúde e por ter vencido uma doença tão perigosa, e a tristeza por ter perdido um amigo. Às vezes Diego achava que estava sonhando. Que não existia nada de pandemia. Que não havia entubação. Que tudo aquilo havia sido apenas um pesadelo. Ficava triste ao voltar a realidade e saber que o monstro não era fantasia. Era uma realidade.

Se culpava por sua atitude irresponsável ao relaxar os cuidados com a pandemia. Afinal de contas, estamos no momento em que as pessoas devem se proteger umas às outras da invasão de um inimigo. Somo todos responsáveis uns pelos outros. É mais ou menos como os elos de uma corrente: para que ela funcione como deve todos os elos devem estar unidos.

Uma tristeza lhe batia no peito quando via notícias de jovens em festas clandestinas, provocando aglomerações, ou quando via notícias de passeatas contra o isolamento. Se ele pudesse voltar no tempo, voltava e fazia tudo diferente. Mas enfim, não podemos fazer correr para trás o relógio tempo. Temos que prosseguir sempre em frente, apesar dos nossos erros. E procurar corrigi-los.

No dia 09 deste mês, Diego recebeu um grande presente, talvez o maior deles depois do seu nascimento. Ele recebeu alta do hospital onde estava internado, em Brasília. Mais magro quinze quilos. Ainda com dificuldade para falar e com dificuldades para caminhar. Afinal, o jornalista teve 80% dos pulmões comprometidos e mais de 15 dias na UTI, grande parte desse tempo, entubado.

É um novo nascimento. Um novo aprendizado. E Diego está em processo de reaprender a andar, a falar, inclusive a comer. Será necessário passar por fisioterapia e fonoaudiologia. Mas isso é o de menos para quem passou pela UTI com estado grave de Covid. A fraqueza ainda bate forte no corpo. Os efeitos dos sedativos parecem ainda não ter passado e fazem efeito no corpo.

Quanto ao futuro, já pensava em falar com o senador Alexandre Giordano (PSL-SP). Giordano era suplente de Major Olímpio no Senado. Ele tomou posse no Senado no dia 31 de março. Diego pretende pedir a ele uma recolocação no gabinete, retomar as atividades, e seguir a vida.

Na manhã de sexta-feira, 19, ao deixar o hospital, usava uma camisa com uma foto onde estavam estampadas as fotos dele e do Major Olímpio, e onde se podia ler os dizeres: Obrigado por tudo, Major Olímpio.

Antes de entrar no carro, olhou para trás. Dentro daquelas paredes haviam sido vividos os piores dias de sua vida. Muitas dores físicas e também tristezas. Mas sentia que agora tudo ficaria bem. E que um horizonte de esperanças e um novo recomeço estava a sua espera. Bola pra frente.


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