Boiada passando e CPI à vista
Domingo,
18 de abril
Foi
numa segunda-feira, de 04 de novembro de 2019 que os Estados Unidos da América
notificaram a ONU e confirmaram a saída do Acordo de Paris. Começava ali o
processo formal para retirar a nação americana do acordo. Um ano depois, em 04
de novembro de 2020, ainda durante a apuração das eleições presidenciais no
país Trump anunciou, formalmente, a saída dos EUA do Acordo de Paris. Assim,
Trump cumpria uma promessa feita por ele em junho de 2017.
Depois
de um processo eleitoral que o próprio Donald Trump se encarregou de complicar,
e do qual ele saiu perdedor, já no primeiro dia como presidente eleito, Joe
Biden se tratou de recolocar os EUA no Acordo de Paris, lugar de onde o país
nunca deveria ter saído.
Passados
apenas alguns dias após sua eleição Biden anunciou sua intenção de realizar uma
cúpula do clima com líderes mundiais na tentativa de unir esforços a grandes economias para enfrentar a crise
climática.
Enfim,
eis que chega a data do esperado evento. A Cúpula de Líderes sobre o Clima
acontecerá entre os dias 22 e 23 de abril e será transmitido de forma virtual.
O evento dará ênfase à urgência de ações climáticas mais incisivas, reforçando
os benefícios econômicos que tais ações trarão. O evento que reunirá dezenas de
líderes mundiais também prepara o caminho para a Conferência das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas (COP26) em novembro, em Glasgow.
O
convite para participar da cúpula também foi feito para o presidente
brasileiro, Jair Bolsonaro. Creio ser do conhecimento de todos como Bolsonaro
tem tratado a questão ambiental, juntamente, com seu braço forte nessa área que
é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O Brasil tem caminhado de
retrocesso em retrocesso quando se trata também da questão ambiental com as
políticas implantadas por Salles. Ambientalistas o acusam de um desmonte da
política ambiental brasileira.
Há
uma semana da realização da Cúpula do Clima, o presidente Jair Bolsonaro,
enviou uma carta a Joe Biden, tentando convencê-lo que que o Brasil é um país
comprometido com a questão ambiental e com a preservação de nossas florestas.
Na carta, o presidente brasileiro apenas diz o que estava dito, e escreve o que
já estava escrito no Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário: que se
comprometerá a eliminar o desmatamento ilegal até 2030.
Mesmo
que você nunca tenha pescado, acho que sabe como funciona uma pescaria.
Primeiro o sujeito joga a isca, e depois fica esperando o peixe. Os peixes mais
espertos, chegam perto, olham aquela coisa, estranham, e vão embora. Os mais
desavisados, logo abocanham a isca e vão parar na cesta do pescador.
Com
a carta, Bolsonaro jogou a isca, mas condicionou a ela um pedido de ajuda
financeira. “Exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes,
cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo o apoio possível, tanto da
comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade
civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo”, diz um trecho da
carta. Ou seja, para bom entendedor, meia palavra basta. Bolsonaro se
compromete a eliminar o desmatamento até 2030, mas quer dinheiro para isso.
A
carta não estipula valores, mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já
disse em momento anterior que o governo federal precisaria de, no mínimo 1
bilhão de dólares para cumprir a meta.
Ora,
caros leitores, tudo cheira a puro teatro, encenação: a carta e a promessa de
Bolsonaro de fazer algo em prol do meio ambiente. Pode ser que aconteça um
milagre que traga o presidente brasileiro de volta ao mundo da sensatez,
entretanto tem que ser um santo muito forte, e de muita paciência para realizar
esse milagre em Bolsonaro. Talvez o santo até consiga seu intento, mas em outra
vida, em outra encarnação, porque nessa, isso parece tarefa impossível.
Mas
os peixes americanos não são bobos nenhum pouco. Querem primeiro ver os
resultados. Querem ver o desmatamento reduzido pra já. Agora. Não em 2030.
Sobre o pedido de ajuda, disse um porta voz do Departamento de Estado
americano. “Continuamos focando nossas conversas em medidas necessárias para
frear o desmatamento ilegal, em vez de pensar em fontes específicas de
financiamento”.
Organizações ambientais e de direitos humanos
internacionais tem pressionado Biden para que não feche acordos no sentido de
repassar recursos ao governo brasileiro. Dizem, com razão, que isso não é
confiável, e que é preciso esperar para ver se Bolsonaro cumpre as metas
estabelecidas antes de qualquer repasse financeiro.
Apesar
disso, o governo americano espera que Jair Bolsonaro mostre responsabilidade, e
em seu discurso na cúpula do clima, assuma um compromisso claro de acabar com o
desmatamento ilegal. Mas, caros leitores e leitoras, uma coisa são os
discursos, outra é a prática”. Como diz o ditado popular: falar até papagaio
fala.
Ainda
às vésperas da realização do evento organizado por Biden, a promessa de
Bolsonaro de deter o desmatamento, o Brasil, mais uma vez confundiu o mundo na
questão ambiental.
Aconteceu
o seguinte. Em uma operação batizada de “Handroanthus GLO”, contra o
desmatamento ilegal, considerada pela PF a maior da história da corporação na
área ambiental, os policiais federais apreenderam mais de 200 mil metros cúbicos
— desde o final de 2020 até agora — de madeira para exportação. A apreensão ocorreu no oeste do Pará,
fronteira com o Amazonas, nos rios Mamuru e Arapiuns. Quando foi apreendida no
final de 2020, a carga foi avaliada em cerca de
R$130 milhões. A PF então passou a monitorar, através de imagens de
satélite, o movimento dos madeireiros.
Em
fiscalização na quarta-feira, 10 de março, a PF apreendeu quatro carretas
carregadas de madeira serrada, no Porto de Trairi, zona centro-oeste de Manaus.
Os madeiros apresentaram documentos nos quais os policiais encontraram muitas inconsistências.
Eles encontraram evidências de falsidade ideológica e possíveis crimes
ambientais. Resolveram então apreender as carretas e a carga, e resolveram
transformar o fato num inquérito policial.
Esse
movimento de transporte de madeira ilegal é constante na região. Segundo a PF o
modo de agir dessas quadrilhas sugere que elas procuram meios de se desviarem
dos postos de fiscalização da Polícia Federal.
A
Polícia Federal fez um excelente trabalho ao apreender a carga ilegal de
madeiras. Era para ser motivo de motivo de comemoração. Pelo menos esperava-se
que fosse. Afinal os policiais haviam conseguido mais uma vitória na luta
contra o desmatamento, mas não foi bem isso que aconteceu. O caso acabou
virando uma briga enorme entre o superintende da PF no estado do Amazonas,
Alexandre Saraiva, e o ministro Ricardo Salles.
Indignado
com o trabalho da polícia, e com a apreensão da madeira, no dia 31 de março,
Salles foi pessoalmente ao Pará para fazer uma “verificação” da carga. Após
isso, ele afirmou que não havia indícios para afirmar que as empresas
investigadas estivessem praticando algum ato ilegal. Afirmou também que havia
falhas na operação.
Em
resposta a Salles, Alexandre Saraiva disse que “Na Polícia Federal não vai
passar boiada”. “Passar a boiada” foi o termo usado por Salles na famosa
reunião ministerial do ano passado.
O
superintende disse ainda que a atitude de Salles de desqualificar o trabalho da
PF “É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma
operação contra o trabalho escravo”.
Além
de afirmar que era a primeira vez que via um ministro do Meio Ambiente se
manifestar contrário a uma operação que visa proteger a Floresta Amazônica,
afirmou ainda que toda a madeira apreendida desde o final do ano passado é
fruto de ação criminosa. Ele também chamou as empresas que praticam esse
esquema ilegal de “organizações criminosas”.
Por
causa do estranho comportamento de Salles, Alexandre Saraiva resolveu denunciá-lo
então ao STF. O chefe da PF no Amazonas resolveu apresentar uma denúncia crime
contra Ricardo Salles e a encaminhou ao Ministério Público Federal e ao Supremo
Tribunal Federal. Na mesma denúncia Saraiva cita também o senador Telmário
Motta (Pros-RR). Ele acusa dos dois de atrapalhar as medidas de fiscalização
ambiental. Também é citado Eduardo Bim, presidente do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Um
dia após sustentar na denúncia que Salles e Telmário Mota integravam uma
organização criminosa com as empresas madeireiras e de exerciam advocacia
administrativa, Alexandre Saraiva, foi exonerado do cargo.
Para
deixar que as organizações criminosas que atuam no desmatamento ilegal mais à
vontade para cometer seus crimes, o ministro do Meio Ambiente resolveu reduzir
o poder de multa dos fiscais do Ibama. Novas mudanças foram determinadas por
ele em relação as autuações realizadas pelos fiscais. Com as novas mudanças as
novas infrações terão de passar antes por um superior hierárquico para serem
aprovadas, dificultando ainda mais a atuação dos agentes. Atualmente, há cerca
de 130 mil processos de infração ambiental no Ibama, somando cerca de R$ 30
bilhões em multas.
De
que lado se coloca Salles? Do lado dos madeiros ilegais e dos grileiros? Ou
daqueles que querem proteger a Amazônia? É bem fácil responder a essa pergunta
se analisarmos a atitudes de Salles. Lembrando que essa não é a primeira vez
que ele parece atuar ao lado dos que querem ver a floresta devastada. Vale a
pena também lembrar que Ricardo Salles é um dos ministros pelos quais Jair
Bolsonaro devota grande estima. Já houveram inúmeros pedidos para que Salles
deixe o cargo, mas Bolsonaro sempre faz ouvidos de mercador. E Salles vai
ficando por lá, apesar de todas as críticas. Aliás, é o tipo de ministro
perfeito para Bolsonaro. Como ele já disse, se o ministro for elogiado, ele
demite. Claro, os madeireiros ilegais e os grileiros de terra podem elogiar e
aplaudir Salles à vontade. Esses o presidente permite. E Salles recebe os
elogios dessa gente com prazer.
Falemos
agora de Covid-19.
De
acordo com o consórcio formado pelos veículos de imprensa, o Brasil registrou,
nesse domingo, 373.442 mortes e 13.941.828 casos registrados desde o início da
pandemia. A média móvel de mortes nos últimos 7 dias ficou em 2.878. Uma boa
notícia é que o número de novos casos desacelerou nas últimas duas semanas.
Houve uma estabilização quanto ao crescimento de novos casos. Entretanto, ainda
não há motivos para comemorações, nem muito menos para baixar a guarda e
relaxar quanto ao distanciamento social e as medidas sanitárias, pois, mesmo
com essa estabilização o número de óbitos e novos casos da doença ainda está
entre um dos mais altos do mundo. Portanto, todo cuidado é pouco.
Outra
boa notícia é que a campanha de vacinação, mesmo com toda a incompetência do
governo federal e do Ministério da Saúde, avança a passos lentos, mas avança.
Já são 26.180.254 pessoas já foram vacinadas com a primeira dose dos
imunizantes disponíveis no Brasil. Esse total representa 12,36% da população
brasileira. 9.594.276 pessoas em todo o país já receberam a segunda dose, 4,53%
da população. No total geral, já foram distribuídas 35.774.530 doses da vacina.
Outra
boa notícia é a de que apesar de todos os esforços em contrário do governo,
essa semana foi instalada a CPI da Covid, que investigará as responsabilidades
do governo federal na condução da pandemia, suas ações e omissões, e o colapso
da saúde no estado do Amazonas em janeiro deste ano.
O
documento foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues. Entretanto, o
presidente do Senado resolveu apensar ao requerimento de Randolfe, um outro
requerimento apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que pede que
sejam investigadas a aplicação dos recursos financeiros enviados aos governos
estaduais e municipais para o combate à pandemia.
Entretanto,
se dependesse de Rodrigo Pacheco, esta CPI ainda estaria guardada em uma de
suas gavetas. A investigação só vai sair porque determinado pelo ministro do
STF, Luís Roberto Barroso, pedido de CPI que, por sua vez, foi provocado por um
grupo de senadores.
A
Constituição estabelece que são necessários três requisitos para instalação de
uma CPI: que seja assinada por um terço dos integrantes da Casa; indicação de
fato determinado a ser apurado; e definição de prazo certo para duração. Não
deve haver também omissão ou análise de conveniência por parte da presidência
da Casa Legislativa.
Como
havia todos esses requisitos, mas, mesmo assim, Pacheco se recusava a instaurar
a CPI — lembremos que Pacheco é aliado do Palácio do Planalto — então os
senadores Alessandro Vieira, e Jorge Kajuru, do Cidadania, decidiram entrar com
um mandado de segurança no STF para que o pedido de CPI saísse da gaveta de
Pacheco e fosse colocada em prática.
Bolsonaro,
obviamente, ficou muito irritado. Como sempre faz em momentos em que se sente
acuado, passou a semana mandado recados de ameaças veladas à democracia. Ele
também queria que a CPI também investigasse governadores e prefeitos, mas não
cabe ao Senado investigá-los, mas sim, ao Legislativo de cada estado. Na
verdade, isso ampliaria por demais o escopo da CPI e desviaria o foco das
atenções e dificultaria enormemente o trabalho da CPI. Enfim, querendo
Bolsonaro ou não, a CPI vai andar.
Está
claro que as ações de Bolsonaro durante a pandemia ultrapassaram os limites da
omissão e da irresponsabilidade. Quando se analisa as falas, os atos, e
atitudes do presidente, desde o início da pandemia, percebe-se que há uma
intenção de deixar o povo ir de encontro ao vírus como quem, deliberadamente,
empurra uma multidão para o precipício.
O
presidente ignorou as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, e as
recomendações do próprio Ministério da Saúde, inclusive, demitindo, ou forçando
a se demitir os ministros que se recusaram a seguir sua cartilha de morte.
Depois colocou no comando da pasta um general sem nenhuma na experiência na
área da saúde, o general Eduardo Pazuello, que apenas foi um fantoche cumprindo
as loucas determinações de Bolsonaro.
Mais
uma vez, no meio de uma pandemia que ainda se faz muito forte no Brasil, temos
que lidar com um fato político, provocado, de certa forma, pelo próprio
Bolsonaro, e que pode, além de desviar o foco na solução da Covid, trazer mais
instabilidade democrática, crise entre poderes, e, principalmente, muita dor de
cabeça para o governo. É uma medida desconfortável, mas absolutamente
necessária, afinal, os atos do presidente durante a pandemia não podem passar
impunes. Só assim, descobriremos, verdadeiramente, as causas do fracasso do
Brasil na luta contra a Covid-19. Com certeza, a CPI será um grande desgaste
político para o governo. Ainda mais que a comissão será formada em sua maioria
por senadores não alinhados ao governo. Dos 11 senadores que compõem a comissão,
apenas 4 são alinhados ao governo. O governo tentou evitar que Renan Calheiros
fosse o relator da CPI, e Renan é o relator da CPI. Pelo menos na partida
inicial da comissão, os ventos não sopram a favor de Bolsonaro.
Então,
teremos 90 longos dias de investigados, depoimentos, provas, quebras de sigilos
bancários, fiscais, e telefônicos dos investigados, e muito trabalho. Muitos
políticos condenam a criação de uma CPI no momento grave da pandemia. A pergunta
que fica é: onde estavam esses políticos quando o presidente fazia
aglomerações, pregava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada,
participava, durante a pandemia de atos antidemocráticos, instigava os seus
seguidores contra os governadores, prefeitos, e ministros do STF? Se eles
tivessem levantado a voz bem antes, quando o presidente cometia essas barbaridades,
não teríamos chegado no ponto a que chegamos.
Um
dos principais alvos da CPI, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde,
está preocupado com a instalação da CPI. Ele já disse que estará à disposição da
CPI, e a interlocutores tem dito que fez tudo o que podia fazer, e disse também
que se alguém tem que sair preso, não será ele.
E
assim vamos seguindo nós, num país em que o coronavírus se manifesta com
virulência, com um presidente extremamente incompetente, e rodeado de ministros
que parecem ter saído dos parquinhos infantis, à exemplo do chefe.
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