Decisão irresponsável em dias turbulentos
Domingo, 04 de abril
O médico Arthur Milach termina mais
um dia de expediente na linha de frente contra a Covid 19, em Recife,
Pernambuco. Havia sido um dia cansativo e pesado, aliás, como tem sido todos os
dias no hospital desde a chegada da Covid 19.
Caminhava em direção a seu carro,
no estacionamento do hospital. Semblante tenso. Coração apertado. Sentia-se
impotente diante de tanto sofrimento. Em sua vida como médico nunca antes tinha
visto uma situação tão complicada, nem para ele, nem para os pacientes. O
sofrimento para estes era enorme. UTIs lotadas. Muitas vezes os pacientes
tinham que ser atendido nos corredores do hospital por falta de leitos. Aliado
a tudo isso, ainda havia a ameaça de falta de produtos para intubação, o que
agravaria em muito a situação. Em janeiro, em Manaus, há havia faltado oxigênio
nos hospitais, e ele não queria nem imaginar a agonia de passar por algo
semelhante.
Abriu a porta do carro. Tirou o
equipamento de proteção... e desabou num choro sentido. Lembrava-se,
especialmente, de um paciente idoso, 75 anos e com muitas comorbidades. O
paciente estava com grande comprometimento dos pulmões e precisava ser
entubado.
Então ele disse a Arthur que queria
falar com a família. O médico então fez uma chamada de vídeo. O homem disse aos
familiares que os amava, e ouviu deles palavras de encorajamento e de força.
Mas, intimamente, sabia que havia chegado a sua hora.
Enquanto o paciente falava com os
familiares, chamou a atenção o modo sereno e calmo como o paciente falava com
seus familiares. Nem um desespero. Nenhuma queixa. Nenhuma reclamação contra
Deus, contra a situação, nem contra os médicos.
Arthur então se preparou para os
procedimentos de intubação. Como de costume, enquanto fazia os preparos, ele se
colocou próximo a cabeça do paciente e ficou conversando com ele com a
finalidade de tranquilizá-lo. Foi então que um gesto o tocou profundamente. O
paciente pegou na mão dele, e, serenamente, disse:
—Foi muito bom viver, obrigado.
Disse em tom de despedida.
Arthur ficou paralisado por alguns
instantes. Já tinha bastante experiência como médico, porém, era a primeira vez
que via alguém se portar de maneira tão serena diante da iminência da morte.
Enfim, os procedimentos para intubação foram finalizados.
Apesar de todos os cuidados e de
todos os esforços feitos pelo médico, o estado do paciente era muito grave, e
ele não resistiu. Vinte e quatro horas depois da entubação, o paciente que
estivera sob os cuidados de Arthur durante toda a semana, morreu.
Aos poucos o choro do médico
cessou. Desde o início da pandemia ele atuava na linha de frente contra a
Covid-19. No ano de 2020, trabalhou no Hospital Israelita Albert Stein, em São
Paulo, depois mudou-se para Recife, onde, atualmente, exerce as funções de
coordenador de UTI-Covid em dois hospitais: o Hospital de Referência Unidade
Boa Viagem Covid, e o Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa.
A profissão de médico faz com que
as pessoas se acostumem ao sofrimento. O que não significa indiferença. Fazia
tempos que Arthur não chorava em decorrência de um procedimento médico, nem
devido a morte de um paciente. Mas a despedida feita por aquele paciente e a
serenidade que ele viu brotar dos olhos dele, realmente o emocionou e o fez
encontrar ressignificados para a própria vida e para a sua luta como médico da
linha de frente do Covid.
Enquanto cruzava as ruas da praia
de Boa Viagem, em direção a sua casa, ele ainda pensava em quão a doença havia
mudado de características em um ano. Ano passado, o que se viam pelos hospitais
eram, geralmente, pessoas idosas.
Agora, nessa segunda não, ele tem
visto chegar muitos pacientes jovens em estado grave, principalmente os que
sofrem de obesidade. Esses jovens já chegam ao hospital com grande
comprometimento do pulmão e em seguida já são entubados. Os pacientes jovens
talvez demorem mais a reconhecer os sintomas, e consequentemente, a procurar um
hospital.
Outro fato que chamou a atenção do
médico, era que muitos desses pacientes jovens relataram ter tomado o “kit
covid”, conjunto de medicamentos de tratamento precoce contra a Covid-19, ampla
e ferrenhamente defendida pelo governo federal, mas que não tem nenhuma
eficácia comprovada pela ciência no combate à doença.
Grande engano. O que Arthur via com
frequência nas UTIs dos hospitais onde trabalha, são pessoas que se encheram de
kit covid. Isso apenas agravou o quadro do paciente por reações ao medicamento,
ou porque os fazem demorar um tempo extra para procurar um médico. Tempo extra
que, no caso, pode ser fatal.
Muitas ainda são as dúvidas para o
médico Arthur a respeito do assunto Covid-19. Uma doença nova que fez os
médicos e enfermeiros descobrirem como lidar com ela na prática diária. Tendo
muitos deles perdido a vida nessa batalha. Ele mesmo já viu vários amigos
médicos e enfermeiros sucumbirem à doença.
De uma coisa porém, o médico tinha
certeza: enquanto a campanha de vacinação não atingir todos os brasileiros, ou
pelo menos grande parte dele, não há outro remédio a ser tomado a não ser o
distanciamento social, o uso de máscaras, álcool gel, lavar as mãos com água e
sabão, e todos esses cuidados que ajudam a combater o vírus. Kit Covid não vai
resolver o problema de ninguém, a ainda por cima, pode agravar o quadro clínico
do doente.
Em meio a tudo isso, a todo esse
casos, ele lembrou que ainda tem que lidar com os negacionistas, pessoas que,
até hoje, vendo tudo o que estão vendo, presenciando tudo o que estão
presenciando, ainda não acreditam que a doença seja real. Arthur acha
impressionante que com os doentes chegando aos borbotões aos hospitais, muita
gente ainda se agarra a crença de que a doença não existe.
Dias atrás, um fato o deixou
extremamente chateado, e desanimado. Um amigo escreveu nas redes sociais que os
médicos estavam inflando os números de mortos por Covid. Segundo ele, nem toda
essa quantidade de pessoas está morrendo da doença. São as prefeituras que colocam
como causa morte de qualquer doença, Covid-19.
Arthur então respondera para ele
que a prefeitura elabora suas estatísticas de acordo com a declaração de óbito.
E era ele, Arthur, que preenchia essa declaração, e que, em nenhum momento,
mentiu sobre a real causa da morte dos pacientes.
Enfim, Arthur chegou em casa e
começou a se preparar para um breve descanso. De outra coisa ele também teve
certeza. De que a guerra ainda duraria alguns meses, mas que, ao final, será
vencida.
O
relato acima, foi baseado na reportagem Eunão estou mentindo nos atestados de óbitos, desabafa medico de Recife,
assinada pela repórter Carolina Marins, e publicada no portal de Notícias Uol.
Outra
notícia que o portal Uol Notícias trouxe essa semana, e que também é de comover
o coração, foi a de três crianças, trigêmeos, que, em um intervalo de apenas
oito dias, perderam a mãe, a tia, e a avó vitimadas pela Covid-19. As crianças
moravam com as três, na cidade de Parisi, a cerca de 550 km de São Paulo.
Para
ficar ainda mais dramática a situação, os irmãos Pedro, Paulo, e Felipe, de apenas
cinco anos de idade, também haviam perdido o pai há um ano, em um acidente de
trânsito.
Felizmente,
no caso dos meninos, apareceu um anjo disposto a cuidar deles e dar a eles o
carinho de pai, e a acolhida de um lar.
Um
tio dos meninos, o vendedor Douglas Junior Faria Amaral, de 26 anos, resolveu
pedir a guarda das crianças e a Justiça concedeu. As crianças já tinha uma
certa proximidade com ele, o que facilitou o processo.
E
agora, Douglas que morava numa casa pequena com a mulher e uma filha do casal, agora
tem que cuidar de mais três crianças. Por enquanto, as crianças estão dormindo
em um colchão no quarto, junto com o casal, mas Douglas já planeja construir um
quarto para eles.
Outros
anjos se juntaram a essa luta e pessoas estão doando roupas e alimentos para
manter os três garotos. Também está sendo feita uma vaquinha virtual para colaborar
com as demais despesas, como por exemplo, a educação das crianças.
Em
meio a todo esse sofrimento, de diversas famílias, seja por ter perdido alguém,
ou por estarem com a doença, ou ainda por estarem sofrendo as consequências
econômicas que a pandemia provoca, no momento em que, para conter o avanço da
doença, e evitar que o sistema de saúde, piore ainda mais do que já está, ontem
à noite o Brasil foi surpreendido por uma decisão o ministro do STF, Kassio
Nunes Marques.
ministro Kassio Nunes Marques
Neste
sábado, 3, o ministro, julgando um pedido feito pela Anajure (Associação
Nacional de Juristas Evangélicos), decidiu liberar a realização de missas,
cultos, e demais celebrações religiosas em todo o país.
Na
prática, a partir da decisão do ministro, estados e o Distrito Federal, ficarão
impedidos de editar ou exigir que sejam cumpridos decretos ou atos
administrativos locais que proíbam a realização de celebrações religiosas
presenciais, com a finalidade de deter o avanço da Covid-19.
A
decisão estabelece que sejam aplicadas para esses eventos as medidas sanitárias
de prevenção e que seja respeitado o limite de 25% da ocupação do local. Também
é exigido o espaçamento entre bancos e/ou cadeiras. Há também recomendação para
que os eventos sejam realizados em locais amplos e arejados, com janelas e
portas abertas sempre que possível.
A
decisão também segue o que é pedido para os demais estabelecimentos como o uso
de máscara, uso de álcool gel e que seja medida a temperatura dos fiéis
“Reconheço que o momento é de cautela, ante o
contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em
momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da
atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento
e conforto espiritual”.
O
ministro citou ainda o caráter filantrópico dessas instituições e disse que
elas ajudam muita gente fornecendo alimento e abrigo para a população mais
carente. Na decisão, o ministro citou também o transporte público e as farmácias,
serviços essenciais que continuam funcionando durante a pandemia: “Tais atividades podem efetivamente gerar
reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de
controle do que nas igrejas”.
Ora
se intenção das medidas restritivas é diminuir a circulação de pessoas nas
ruas, a decisão do ministro caminha na direção contrária. Quando o ministro
libera as pessoas para irem às igrejas é mais gente que está sendo colocada na
rua. Além do mais, a grande maioria dos templos e igrejas no Brasil, são
lugares pequenos, fechados, apertados, ou seja lugares muito propícios para a
transmissão do coronavírus. Quanto à caridade, tem muita gente fazendo isso,
arrecadando alimentos e roupas para as pessoas carentes, sem depender de uma
igreja aberta para fazer isso.
Como
diz o Rodrigo Bocardi, apresentador do programa Ponto Final, na rádio CBN, “No
Brasil, ninguém morre de tédio”. Eu que pensava discutir nesta postagem, as
manobras feitas no governo na semana que passou com a dança das cadeiras no
mistérios, onde o presidente trocou alguns ministros, inclusive o péssimo
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e a mal explicada troca de
ministros no mistério da Defesa, e eis que outro assunto de grande relevância
já se impõe, e que a decisão de Kassio Nunes, e é importante porque nela está
envolvida o bem mais preciso: a vida.
Ao
saber da decisão, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), afirmou
que, em BH, a proibição seria mantida. Para isso, ele se baseou na decisão do
próprio Supremo de que prefeitos e governadores tem competência para adotar
medidas de restrição de circulação de pessoas em um contexto de pandemia. “Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário
do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do Prefeito. Estão
proibidos os cultos e missas presenciais”, disse ele seus redes sociais.
Durante
a madrugada deste domingo (4), Kassio Nunes intimou o prefeito de BH a cumprir
a decisão. A decisão do ministro exige cumprimento imediato e que o prefeito
também esclareça as providências tomadas, sob pena de responsabilização,
inclusive, no âmbito criminal. Para o ministro é grave a “declaração de uma autoridade que não pretende cumprir uma decisão”
do STF.
Alexandre
Kalil também começou a sofrer ataques de bolsonaristas nas redes sociais, ao
anunciar que não iria cumprir a decisão do ministro. O fato é que a decisão do
ministro era tudo o que Bolsonaro e líderes religiosos inescrupulosos queriam.
Muitos deles já foram às redes sócias comemorar.
O
Brasil registra até agora 330.297 mortos pela Covid. Neste sábado, 3, em 24
horas foram 1.931 mortos pela doença. Desde o início da pandemia já são
12.953.597 brasileiros contaminados pelo coronavírus.
Infelizmente,
o país continua em estado crítico em relação a pandemia, e, apesar dos esforços
dos prefeitos, governadores, infectologistas, e todos os demais profissionais
de saúde, as coisas por aqui não vão melhorar, pelo menos por enquanto. Nos
próximos dias ainda poderemos ver cenas desesperadoras.
Para
perceber isso basta olharmos as comemorações de Páscoa que acontecem no dia de
hoje, comemorações essas que foram precedidas por imensas filas nos mercados
para a comprar de peixes e de demais preparativos para a comemoração. Alie-se a
isso, as festas clandestinas que ocorrem com jovens ignorando por completo a
pandemia. Acrescentemos a essa receita a decisão inconsequente e irresponsável
do ministro Kassio Nunes Marques de liberar cultos e missa em todo o país, e
teremos um receita explosiva, e um prato amargo, capazes de piorar ainda mais
uma situação pra lá de complicada.
E
ainda temos que ficar de olho em mais esse embaraço da Justiça brasileira. Em
16 de abril de 2020, o plenário do Supremo Tribunal Federal, havia decido, por
nove votos a zero, que prefeitos e governadores possuem autonomia para
regulamentar medidas de isolamento social.
Os
ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber,
Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente da
Corte, Dias Toffoli, votaram a favor da proposta. Celso de Mello e Luis Roberto
Barroso não votaram.
Na
decisão, os magistrados não isentaram o governo federal desse processo, como
tem dito continuamente o presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião os ministros
decidiram também que o governo federal tinha autonomia apenas para definir
serviços essenciais e de interesse nacional.
Portanto,
a interpretação da decisão dos magistrados naquela ocasião é a de que o
gestores estaduais e municipais tem autonomia para quais serviços podem parar
ou continuar em seus territórios.
No
entanto, neste 03 de abril de 2021, o ministro Nunes Marques, dá uma decisão
que contrária uma decisão já definida anteriormente em plenário.
Resta-nos ver como se desenrolará o caso durante os próximos dias, e a crise criada entre o governo municipal de Minas e ministro Kassio Nunes Marques. Coisas da Justiça brasileira. Certamente, outros prefeitos e governadores questionarão a decisão.
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