Domingo,
24 de janeiro
“Não me
convidaram
Pra essa festa
pobre
Que os homens
armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem
malhada antes de eu nascer
...
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem
paga
Pra gente ficar
assim
Brasil
Qual é o teu
negócio?
O nome do teu
sócio?
Confia em mim”
(Brasil - Cazuza/George Israel/Nilo
Roméro)
Das
minhas primeiras experiências no fantástico mundo da leitura, lembro-me com
carinho das fábulas, principalmente das fábulas de Esópo, e de La Fontaine. Era
tudo uma gostosa descoberta: o cheiro dos livros, o formato dos livros, as
gravuras e imagens, e todo aquele mundo de letras, prontas para serem
decifradas. As fábulas me ensinaram duplamente nos planos consciente e
inconsciente. No primeiro, elas ajudaram no desenvolvimento do meu processo de
leitura e, no segundo, me incutiram valores e princípios morais que, até hoje,
carrego vida afora.
Uma
das minhas preferidas é A Cigarra e a Formiga,
fábula atribuída a Esopo, e recontada por La Fontaine, que, a seguir,
transcrevo.
***
A CIGARRA E A
FORMIGA
Num belo dia de inverno as formigas
estavam tendo o maior trabalho para secar suas reservas de comida. Depois de
uma chuvarada, os grãos tinham ficado molhados. De repente, aparece uma
cigarra:
— Por favor, formiguinhas, me deem um
pouco de comida!
As formigas pararam de trabalhar, coisa
que era contra seus princípios, e perguntaram:
— Mas por quê? O que você fez durante o
verão? Por acaso não se lembrou de guardar comida para o inverno?
Falou a cigarra:
— Para falar a verdade, não tive tempo,
Passei o verão todo cantando!
Falaram as formigas:
— Bom... Se você passou o verão todo
cantando, que tal passar o inverno dançando? E voltaram para o trabalho dando
risadas.
Moral da história:
Os
preguiçosos colhem o que merecem.
***
As
fábulas são narrativas figuradas, e nelas, os personagens são, geralmente,
animais com características humanas que tem sentimentos, falam, trabalham, e
pensam. Poderíamos simplificar dizendo que as fábulas são as experiências
humanas transportadas para o mundo animal com objetivo de, nesse processo de
transporte, trazer de volta ao mundo figurado, lições morais para o universo
humano.
Também
cumprindo o papel de alegorias, as fábulas servem para explicar o mundo em que vivemos.
Achei
bastante pertinente e inteligente, a transposição que Frei Betto fez da fábula,
A Cigarra e a Formiga, para o universo
político brasileiro atual, ao falar da questão do Partido dos Trabalhadores, e
de como ele, o partido, foi se desfigurando ao longo do tempo. Era formiga e
passou a ser cigarra.
Em
artigo — publicado na Folha de São Paulo, em 10 de novembro de 2014, quinze
dias após a recondução de Dilma Rousseff, à presidência do Brasil, para assumir
o segundo mandato como presidente da nação — Frei Betto traça um breve resumo
da história.
Desde
sua fundação, em 10 de fevereiro, de 1980, — coincidentemente, dia do meu
aniversário natalício — o PT sempre se mostrou um partido de mobilização
social, com um discurso social, e com cara de social, e talvez por representar
uma esperança de mudança tenha conquistado a minha simpatia, e a de milhões de
brasileiros, por um bom tempo. Diz o Frei em deu artigo: “No fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância
formação política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se
destacava como o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo”. Depois...
Ah, depois meus amigos, vieram as surpresas. Desagradáveis surpresas.
Apesar
de bem escrito, o artigo de Frei Betto carece de atualizações, as quais, faço
agora. E é compreensível que o artigo dele careça de atualização pois foi
escrito há pouco mais de um ano e, de lá para cá, muita coisa mudou. “Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim,
um Brasil melhor, com índices sociais "nunca vistos antes na história
deste país". Porém, como partido, houve progressiva desconstrução”,
escreve Frei Betto. Já era sabido pelo autor do artigo, que o PT havia jogado
na lata do lixo seus princípios morais e éticos, isso não está expresso no
texto que ele escreveu, mas está nas entrelinhas. O que agora nos é aparente é
que caiu também a máscara do progresso econômico de que os líderes petistas
tanto alardeavam.
E aqui
neste ponto de meu próprio artigo, eu trago a palavra de uma autoridade que tem
muito peso, aliás, um peso e uma importância enormes no cenário mundial. Essa autoridade
chama-se Fundo Monetário Internacional
(FMI). Há cinco dias, a entidade nos
acenava, a nós brasileiros, aos mercados mundiais, e a quem mais quisesse
saber, que o país deverá sofrer uma retração de 3, 5% neste ano em seu PIB, fato
que nos coloca bem abaixo dos países da América Latina.
O cenário
deve estar tão assustador — e não é exagero do FMI, temos sentido isso na pele,
ou melhor, no bolso — que o Fundo, que já tinha perspectivas negativas para o
Brasil, em 2016, piorou essas perspectivas, e, não bastasse isso, nem em 2017,
o órgão vê uma retomada do crescimento da economia brasileira. Segundo o FMI,
em 2017, — e olhem que apenas começamos 2016 —, o Brasil registrará estagnação
econômica, ou seja, o crescimento do país será, simplesmente, 0%.
Ainda
segundo o FMI, toda essa recessão tem uma causa: “a recessão causada pela incerteza política e contínuas repercussões da
investigação na Petrobras”. Como veem meus amigos e amigas, o rombo e o
estrago feito na Petrobrás foi tão devastadores quanto estão sendo suas consequências:
inflação, juros altos, forte recessão, e uma crise política sem precedentes.
Apesar
de tudo isso e de esse pesaroso cenário, nós brasileiros, não devemos deixar
morrer em nós a esperança, pois que deixa morrer a esperança perde as forças
para lutar e para resistir às tempestades. E isso nunca! Fico com os versos da
canção, Desesperar Jamais, de Ivan
Lins:
“Desesperar jamais,
Aprendemos muito
nesses anos
Afinal de contas
não tem cabimento
Entregar o jogo
no primeiro tempo”
A seguir,
apresento a vocês o artigo de Frei Betto, A fábula petista, publicado na Folha de São Paulo, em 10 de novembro de 2014.
***
A
fábula petista
FREI
BETTO
10/11/2014
- Opinião - Folha de S.Paulo
Com
o tempo, o PT deixou de valorizar o trabalho da formiga e passou a entoar o
canto da cigarra. O projeto de Brasil deu lugar ao de poder.
A
disputa presidencial se resumiu em um verbo predominante na campanha:
desconstruir. Em 12 anos de governo, o PT construiu, sim, um Brasil melhor, com
índices sociais "nunca vistos antes na história deste país". Porém,
como partido, houve progressiva desconstrução.
A
história do PT tem seu resumo emblemático na fábula "A cigarra e a formiga",
de Ésopo, popularizada por La Fontaine. Nas décadas de 80 e 90, o partido se
fortaleceu com filiados e militantes trabalhando como formigas na base social,
obtendo expressiva capilaridade nacional graças às Comunidades Eclesiais de
Base, ao sindicalismo, aos movimentos sociais, respaldados por remanescentes da
esquerda antiditadura e intelectuais renomados.
No
fundo dos quintais, havia núcleos de base. Incutia-se na militância formação
política, princípios ideológicos e metas programáticas. O PT se destacava como
o partido da ética, dos pobres e da opção pelo socialismo.
À
medida que alcançou funções de poder, o PT deixou de valorizar o trabalho da
formiga e passou a entoar o canto presunçoso da cigarra. O projeto de Brasil
cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do partido, antes abastecido por
militantes, "profissionalizou-se". Os núcleos de base desapareceram.
E os princípios éticos foram maculados pela minoria de líderes envolvidos em
maracutaias.
Agora,
a cigarra está assustada. Seu canto já não é afinado nem ecoa com tanta
credibilidade. Decresceu o número de sua bancada no Congresso Nacional. A
proximidade do inverno é uma ameaça.
Mas
onde está a formiga com suas provisões? Em 12 anos, os êxitos de políticas
sociais e diplomacia independente não foram consolidados pela proposta
originária do PT: "Organizar a classe trabalhadora" e os excluídos.
Os
avanços socioeconômicos coincidiram com o retrocesso político. Em 12 anos de
governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade com alianças
partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com seu esteio de
origem, os movimentos sociais.
Tomara
que Dilma cumpra sua promessa de campanha de avançar nesse quesito, sobretudo
no que diz respeito ao diálogo permanente com a juventude, os sem-terra e os
sem-teto, os povos indígenas e os quilombolas.
O
PT até agora robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma
agrária. Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens.
Respaldou o agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem
desmata e agride o meio ambiente.
É
injusto e ingênuo pôr a culpa da apertada e sofrida vitória do PT nas eleições
de 2014 no desempenho de Dilma.
Se
o PT pretende se refundar, terá que abandonar a postura altiva de cigarra e
voltar a pisar no chão duro do povo brasileiro, esse imenso formigueiro que,
hoje, tem mais acesso a bens materiais, como carro e telefone celular, mas nem
tanto a bens espirituais: consciência crítica, organização política e
compromisso com a conquista de "outros mundos possíveis".
CARLOS
ALBERTO LIBANIO CHRISTO, 70, o Frei Betto, é assessor de movimentos sociais e
escritor. É autor de "A Mosca Azul - Reflexão sobre o Poder" (Rocco),
entre outros livros