Quinta-feira,
26 de março
Enquanto
acompanhava as noticias de mais um acidente aéreo, fiquei pensando: “E depois?
Depois da vida? O que há?” O que fica nós sabemos. Muito trabalho para juntar
destroços, reconhecer corpos e a dor dos familiares. Escrevi o texto abaixo, inspirado
no documentário, Vida depois da Vida,
documentário que, por sua vez, é baseado no best-seller, Vida depois da Vida, de autoria de Raymond A. Moody Jr. A obra
apresenta depoimentos reais de pessoas que viveram experiência de quase morte.
No acidente, ocorrido no sul da França, não houve sobrevivente. Mas a mensagem
que quero deixar é de esperança: A de que a vida não acabou ali, para os
passageiros que estavam naquele voo. Em algum lugar, ela continuará em
plenitude.
Foi
pensando em mais essa tragédia, que escrevi o texto abaixo.
***
Uma
nova chance de viver
A
moto corria velozmente pelas ruas da Cidade Maravilhosa, conhecida em todo o
mundo pelas suas belezas naturais, como o Corcovado e o Redentor. Foi nas belas
praias do Rio que nasceu a Bossa Nova, que não demorou muito para conquistar o
coração dos brasileiros e do mundo.
Fazendo
roncar o motor de sua Falcon, estava Inácio. Aos vinte e três anos, era um belo
rapaz. Sua tez morena visitava constantemente as praias do Leme e do Leblon. Sua
preocupação era o corpo. Queira ter, e tinha, um corpo atlético, capaz de despertar
o olhar das mulheres, por onde quer que passasse... E a inveja dos homens. Sua
segunda fixação era ganhar cada vez mais e mais dinheiro. Tanto quanto pudesse
ganhar, para logo em seguida, gastar em noitadas, bordeis, e baladas noturnas.
Era do tipo “fazemos qualquer negócio”, desde que desse um bom dinheiro.
Tinha
um amigo que vivia alertando-o de um algum dia poderia se pego pela polícia,
por causa dos desvios de dinheiro e do superfaturamento das compras na empresa
onde trabalhava. “Você já ganha muito bem sem precisar da prática de negócios
ilícitos”. Inácio dava de ombros. Achava
o amigo um tolo. Se podia faturar muito dinheiro “por fora” e, com isso, manter
os luxos e as mordomias, então porque desperdiçar a oportunidade? André, o
amigo tolo e chato, sempre vivia lhe dizendo que ele precisava cuidar também do
espírito, que a vida é muito mais do que o cuidado com o físico, e todas essas
tolices que as pessoas espiritualizadas dizem. Ele, Inácio, não dava a menor
bola para isso. Tinha um belo apartamento de cobertura no Leblon, carro
importado na garagem, motos potentes e rápidas para circular com mais
facilidade pela noite carioca... E belas e lindas mulheres. Então, do mundo que
o rodeava, ele se achava o próprio ser superior.
Nessa
madrugada, Inácio vinha de mais uma balada. Havia tomado alguns copos de bebida
alcoólica, mas isso não o incomodava, sempre bebera depois de dirigir e nunca
lhe havia acontecido nada, nenhum acidente. Portanto, achava essa coisa de “não
beba antes de dirigir”, coisa para fracotes, para que não aguenta bebida.
Ia
por uma rua transversal. Já havia cruzado vários sinais vermelhos, mas, para
ele, também não havia perigo. Havia poucos carros na rua àquela hora. Foi em
meio a esses pensamentos que, pela décima vez, cruzou o sinal vermelho. Um automóvel
que trafegava pela avenida seguia, corretamente, o seu percurso... Não deu para
frear a moto, nem desviá-la. Inácio bateu em cheio no automóvel. A moto foi de
encontro ao veículo, enquanto seu corpo voava, indo bater com a cabeça num muro
de concreto, há poucos metros de distância dali. De repente, tudo se fez
silêncio. Por uns breves instantes ele sentiu uma dor insuportável, depois
perdeu completamente a consciência.
As
equipes de resgate rasgaram as ruas do Rio, em busca de mais uma vítima, ao que
parecia, fatal. Quando Inácio recobrou a consciência, viu que a equipe de socorro
colocava para dentro da ambulância, um jovem que acabara de se envolver em um
acidente. “Nossa, que acidente horrível”, pensou ele. “O cara tem uma moto
igual a minha. A moto dele, porém, ficou muito destruída, só serve agora para
levar para o ferro velho”. Aproximou-se de outro jovem que estava entre os
curiosos que acompanhavam o resgate, perguntou: “Como foi o acidente? Você viu
como tudo aconteceu? Já informaram a família sobre o ocorrido?” Era estranho, o
jovem parecia não ouvi-lo, nem vê-lo. Talvez não tenha falado alto o
suficiente. Também com o barulho que fazem estas sirenes... Não dá mesmo para
ouvir qualquer coisa. Tentou bater no ombro do jovem. Nada aconteceu. Era como
se ele nem estivesse ali.
A ambulância
recolheu o ferido gravemente, fechou as portas e partiu em direção ao hospital.
Mesmo com as portas fechadas Inácio conseguiu entrar nela. Queria acompanhar o
caso de perto. Ficou ali, parado, ao lado dos médicos socorristas. Olhou fixamente
para o pulso do jovem. Uma pulseira com um nome gravado lhe chamou a atenção. Aproximou
mais um pouco para ver qual nome estaria gravado ali. Seu coração agora batia
mais acelerado. O nome gravado na
pulseira de prata do jovem era Inácio Silva. Um suor frio lhe percorreu todo o
corpo, enquanto seus pensamentos se ordenavam e reordenavam com uma rapidez
incrível, mais rápidos que a CPU de um computador de última geração.
Então
aquele jovem era ele mesmo? Ele, Inácio, havia sofrido aquele grave acidente? Desesperado
sacudia o próprio corpo, numa tentativa de se autorreanimar. Seu corpo, porém,
permanecia inerte, e já começava a ficar frio. A ambulância, finalmente, chegou
ao hospital. Tinha a sensação de que saíra do próprio corpo e pairava agora
acima dele. Da posição em que se encontrava, conseguia ver tudo com absoluta
nitidez. Via também o que acontecia em outras alas do hospital. Era como se as
paredes tivessem perdido a razão de existir.
“Levem-no
para a sala de cirurgia preparada número quatro”. Gritou um enfermeiro. “Já
está tudo pronto à espera desse paciente” complementou. Enquanto isso ele
parecia flutuar pelo ambiente, vendo tudo de cima. Sentia-se leve e capaz de
movimentos que nunca antes realizara. Era uma sensação contraditória: Enquanto
via seu corpo inerte, em uma mesa de cirurgia, sabia que seus sentidos estavam
mais aguçados que antes. O tempo passava e os médicos faziam o possível para
reanimá-lo em uma demorada cirurgia. “Hemorragia cerebral”, dizia um médico. “Só
viverá novamente por um milagre”, complementou outro. Manipularam os
instrumentos cirúrgicos por mais cerca de meia hora. De repente, as pulsações
do monitor foram ficando cada vez mais fracas. “Não o deixem morrer” “Não o
deixem morrer”, gritava Inácio. Não era ouvido por nenhum dos médicos e
enfermeiros presentes à sala cirúrgica. Passado alguns poucos minutos, o médico
que comandava a cirurgia, falou aos demais. “Desliguem os aparelhos. Não há
mais nada a fazer”.
“Coloquem
o corpo na maca e preparem para levá-lo ao necrotério”, disse um dos
enfermeiros. Subitamente, Inácio se sentiu sendo sugado por um túnel em espiral
que parecia estar sempre em movimento. O estranho é que ele não tocava nas
paredes do túnel. Enquanto descia, ouvia vozes a sussurrar: Chegou mais um suicida.
Estão errados, pensou. “Não devem estar falando de mim. Sofri um acidente. Jamais
cometeria suicídio”.
Após
essa breve passagem pelo túnel escuro. Viu-se diante de uma luz branca de um
brilho indescritível, cujos tons e matizes jamais vira. A luz era tão intensa
quanto o brilho do sol, mas não queimava. Ao contrário dela emanava paz,
harmonia e boas vibrações. Inácio já não sentia mais dor. De sua mente jorravam
rios de paz. Aos poucos, ele foi se acostumando com o novo ambiente. Já refeito
do susto, sua visão estudou cuidadosamente o ambiente. Estava em um jardim magnífico
com uma diversidade de flores, de espécies que ele jamais visto. E o perfume,
então... Uma coisa realmente esplendida. Uma música suave e melodiosa invadia o
ambiente. As notas eram tão harmoniosas que o faziam transcender qualquer
limite de tempo e espaço.
Havia
um lago de águas cristalinas no meio do jardim. Ele caminhou até lá. E o que
viu lhe causou uma profunda emoção. Era como se o lago fosse o próprio arco-íris,
tamanha era a intensidade de cores que se misturavam a água. De repente, as
águas do lago se tornaram como que uma tela de cinema e começaram a projetar
cenas de sua vida. Mas as projeções se davam em grande profusão e eram exibidas
rapidamente, como se alguém estivesse colocando o projetor em sua velocidade
máxima. Ainda assim ele via as cenas, ao mesmo tempo, como expectador e como
participe. As cenas exibidas começaram com o seu nascimento. Ela via a si mesmo
saindo do útero materno, sendo embalado pelas mãos carinhosas da mãe. O pai
chegou junto e estava tão alegre e orgulhoso do filho que acabava de gerar, que
uma suave luz irradiava de suas faces.
Eram
pessoas humildes e a luz que brilhava em suas faces era consequência do grande
amor que nutriam um pelo outro, e do coração generoso que carregavam no peito.
Viu-se
crescendo e se envolvendo com más companhias. A luz que vira inicialmente já
mais brilhava sobre ele. A luz começava a tornar-se opaca e seu brilho se
extinguia. Deixara a companhia dos pais por envergonhar-se deles e fora em
busca das ilusões da vida. Sua luz se extinguiu por completo. As cenas foram se
sucedendo até que chegaram ao momento do acidente.
“Eu
morri?”. A boca já não mais se fazia necessária. Falava simplesmente com o
pensamento.
Um
ser iluminado aproximou-se dele e, numa espécie de telepatia respondeu sua
pergunta.
“Como
podes ter morrido, se estás em plena posse de teus sentidos, tendo-os agora
mais aguçados que antes”?
“Então
o que acontece?” indagou.
“Tua
vida vai começar de verdade agora. Antes, estavas apenas vivendo uma ilusão”.
Do
coração do homem que lhe falava, brotava tão grande paz, que o fazia esquecer
por completo de tudo que havia deixado para trás. Acima deles, descortinava-se
uma aurora boreal espiritual de tamanho esplendor que o fez ficar admirando
aquele espetáculo celeste por alguns minutos, deixando uma lacuna no diálogo
com o interlocutor.
“É
assim todos os dias por aqui. Há dias que o céu torna-se ainda mais belo”. Um dia
você poderá percorrê-lo, como os pés dos peregrinos percorrem com alegria os
campos terrestres.
Inácio
sentia-se leve. Sabia que podia voar tão alto quanto as águias, e ao mesmo
tempo, tendo a suavidade das pombas. Olhou as arvores vicejantes. Nunca antes
as vira tão verdes e tão esplendidas.
“Uma
coisa me intriga e penso nela até agora”.
“Expresse
as suas dúvidas e angustias. Afinal você deve se livrar delas, se quiser ser
livre”.
“Enquanto
caia pelo túnel, chamaram-me de suicida. Mas eu não sou um suicida. Sofri e
acidente... Fui ao hospital... Os médicos me atenderam...”
“Quem
te chamou de suicida foram espíritos perturbados. Que ainda não aceitaram sua
nova condição. Ainda não assumiram sua nova roupagem. Apesar disso, eles têm
razão. Você é um suicida”.
“Mas...”
Pense
em como estava enquanto dirigia a moto, na madrugada passada. Estava dirigindo bêbado.
Pondo em risco sua vida e a de outras pessoas inocentes. Além disso, lembra-se
de quantas noitadas passou bebendo e usando substâncias proibidas. O alimento
que colocavas na tua boca também não era boa coisa. No dizer dos terrenos: Só
comias porcaria”. E assim, foste te matando aos poucos. Então, és ou não és um suicida?”.
Pela
primeira em sua vida, lágrimas amargas desceram-lhe pelos olhos cortando-lhe as
faces, e uma grande tristeza invadiu seu peito.
O homem
aproximou as mãos de seu peito e o tocou. Das mãos dele emanou uma
incandescente luz que, pouco a pouco, foi acalmando sua alma, serenando seus
sentimentos.
“Estou
aqui para te ajudar. Não para te julgar, nem para te condenar. Meu desejo é que
sejas uma pessoa melhor”.
“Sinto-me
tão bem aqui. Quero ficar para sempre”. Inácio falava a verdade. Nunca na vida
sentira-se tão bem. Estava mais leve. Sentia-se flutuar de tão pleno de paz que
se sentia. Uma grande calma o envolvia. Ele só havia experimentado uma sensação
de paz, na infância, junto dos pais. Depois achava que tinha paz e tudo o mais
que necessitava. Mas, agora via claramente, que só tivera tormentos em sua vida
pregressa. Agora, era diferente. Muito diferente.
“Inácio
— disse o homem como se tivesse pedido emprestado a suavidade das águas que
correm num rio de águas límpidas — Nem tudo na vida é como a gente quer. Nem aqui.
Tudo depende da ordem do Supremo Criador. E ele me confidenciou que ainda não é
hora de você permanecer aqui”.
“Diga
a Ele que não quero voltar. Quero ficar aqui. Sei que aqui tem muito trabalho. Muito
que ajudar. Eu também tenho muito que aprender aqui”.
“Sim,
mas sua missão na terra ainda não terminou. Você ainda tem muitos irmãos a
ajudar na terra. Os males que você causou a muita gente, terá que desfazer. Também
terá que agir de forma muito diferente do que vinha agindo. E lembre-se: É o
amor que move o mundo, e não o ódio”.
Nesse
momento, duas iluminadas e alegres crianças passaram fazendo algazarra pelo
jardim.
“Quem
é”? Perguntou Inácio, encantado com a luz que envolvia as crianças.
“São
seus filhos”, respondeu sorridente o homem.
Nesse
momento, Inácio sentiu-se como que empurrado de volta ao corpo terreno.
Em
uma sala do hospital, o enfermeiro já se preparava para levar o corpo ao necrotério
quando sentiu a mão do paciente fazer uma leve pressão sobre a sua. Uma pressão
mínima, mas o suficiente para o enfermeiro saber que ainda havia um sopro de
vida naquele corpo. Ele, imediatamente, pediu para a equipe médica voltar, com
urgência, à sala de cirurgia.
Os
pensamentos de Inácio começavam voltar ao mundo terreno. Uma nova e preciosa chance
lhe fora dada. Ele não a desperdiçaria.