Vinícius Junior: Um guerreiro negro
Terça-feira, 23 de maio
“Guerreiros
são pessoas
São
fortes, são frágeis
Guerreiros
são meninos
No fundo
do peito
Precisam
de um descanso
Precisam
de um remanso
Precisam
de um sonho
Que os
tornem perfeitos”
(Guerreiro Menino – Gonzaguinha)
Prezados
leitores e leitoras,
Permitam-me relatar aqui um caso passado comigo no sábado à noite. Faltou-me a manteiga em casa, então resolvi ir a uma padaria comprar. Assim que entrei na loja, o segurança já me olhou com aquele olhar intimidante, constrangedor, que me fez sentir até um arrepio na espinha. Ele me olhou como se eu tivesse entrado lá para roubar alguma coisa e não comprar algum produto. Desconcertado, desisti de fazer compras naquele estabelecimento, e fui a um supermercado que fica algumas quadras à frente.
Aquilo
me feriu por dentro. No caminho para casa, fiquei pensando: se um olhar do
segurança me fez passar mal, imagina então o que deve sofrer o Vinícius Junior
na Espanha, e outras pessoas que sofrem uma forma mais agressiva de racismo.
Veio
a manhã de segunda-feira e a tristeza que havia sentido no sábado voltou
novamente ao ver mais desprezível caso de racismo sofrido pelo Vinícius Junior,
neste domingo, 21.
O
caso aconteceu durante uma partida entre o Real Madrid e o Valência. O inferno
já aconteceu antes do jogo. Quando o ônibus do Real Madri chegou ao estádio,
uma multidão de brancos irascíveis já recebia o Vinícius Junior com insultos e
gritos de macaco.
A
partida começou e as ofensas continuaram tendo como ápice o segundo tempo do
jogo. Aos 29 minutos do segundo tempo, tentava armar uma jogada pela esquerda,
momento em que torcedores do Valência jogaram uma segunda bola em campo, com o
claro propósito de atrapalhar a jogada.
O
juiz da partida paralisou o jogo. Nesse momento os cânticos racistas ficaram
mais audíveis. Vinícius correu para trás do gol onde estava a torcida do
Valência e começou a apontar para os torcedores que o ofendiam, chamando-o de
macaco.
Mas
o racismo já tinha contaminado totalmente o jogo tenso. Aos 50 minutos o clima
dentro de campo esquentou. Vini se envolveu em uma confusão com o goleiro
Giorgi Mamardashvilli. Uma confusão se formou. Vários jogadores do Valência
foram para cima de Vini, como também é conhecido o jogador. Hugo Doro conteve o
jogador brasileiro aplicando-lhe um mata-leão. Ao se desvencilhar Vini revidou
com tapa na cara do adversário.
O
árbitro do vídeo mostrou ao juiz da partida apenas a imagem na qual Vini
acertava o rosto do adversário, escondendo a agressão que ele havia sofrido. Vini
saiu de campo aplaudindo, de forma irônica, e fazendo o número dois com os
dedos mão, provocando o time adversário que luta para não cair para a segunda
divisão.
O
Valência ganhou o jogo por 1x 0. Ao final do jogo uma repórter se aproximou do
técnico do Real Madrid, Carlo Anceloti, e queria falar sobre o jogo. Com
semblante carregado o técnico respondeu: “Queres
falar de futebol? Eu não quero falar de futebol. Do que quero falar? Do que
aconteceu aqui. Isto é mais importante do que uma derrota. O que se
passou não pode acontecer. É evidente. Quando todo o estádio chama macaco a um
jogador e um treinador pensa tirar um jogador por causa disso, algo de mal se
passa nesta Liga”
Um
repórter ainda teve o disparate de pergunta ao jogador brasileiro, enquanto ele
dava autógrafos e tirava fotos antes de entrar no ônibus, se ele se arrependia
de ter feito provocação ao Valência. Surpreso, o jogador pergunta: “Você é tonto”? Em outras palavras: “Você
é burro? ”
Não
parou por aí. O clima esquentou ainda mais depois do jogo.
Vini
Junior foi às redes sociais e escreveu: “Não
foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La
Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam.
Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e
Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que
aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos
espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um
país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não
tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os
racistas. Mesmo que longe daqui”.
Javier
Treblas Medrano também foi ás redes sociais, não para condenar o racismo e os
racistas, mas sim, para atacar Vinícius Junior. “Não podemos permitir que se manche a imagem de uma competição que é
sobre o símbolo de união de povos, onde mais de 200 jogadores são de origem
negra em 42 clubes que recebem em cada rodada o respeito e o carinho da
torcida, sendo o racismo um caso extremamente pontual (nove denúncias) que
vamos eliminar”.
Não
Sr. Medrano, o racismo no futebol não são casos isolados. Primeiro que foram
vários casos de racismo contra Vini Jr., e a lei e a sociedade espanhola não
fizeram nada para evitar o crime se repetisse, e ele se repetiu. Segundo, outros jogadores negros, brasileiros,
que passaram por lá também sofreram com o racismo.
Em
1997, o jogador Roberto Carlos, jogava no Real Madrid. Ele teve a parte
traseira de seu carro riscada com a palavra “makako”, usada para ofender os
negros. O fato aconteceu em Madrid. O então lateral da seleção brasileira havia
dito doze dias antes que Madrid era a cidade mais racista da Espanha. O comentário
do jogador se deu pelo fato de o jogador ter sido insultado, juntamente com o
jogador, Clarence Seedorf, também negro, durante uma partida entre Barcelona e
Real Madrid, válida pela Copa Rey.
O
mesmo Roberto Carlos, dessa vez jogando pelo Anzhi, na Rússia, deixou o campo
durante uma partida porque um jogador jogou uma banana em campo.
A
diferença entre Vinícius Junior e Roberto Carlos foi que o primeiro não abaixou
a cabeça, nem se calou diante das ofensas sofridas. Ele, corajosamente,
enfrentou os seus algozes, e fez um país inteiro olhar para si mesmo e ver que
sua roupa branca estava toda manchada pela lama desprezível do racismo. Vini
fez a Espanha refletir. Tanto é que, durante a partida, nem durante o intervalo
do jogo, os jornais e televisões espanholas não falaram de racismo. Apenas vieram
a fazer isso depois que os vídeos viralizaram nas redes sociais, e o caso
ganhou grande repercussão mundial, unindo nessa luta, futebol e política.
Essa
postagem do Vinicius, feita no Instagram, após o ocorrido no domingo, mostra
bem a coragem dele:
Cada rodada fora
de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de
morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos.... Tudo registrado.
Mas o discurso
sempre cai em “casos isolados”, “um torcedor”. Não, não são casos isolados. São
episódios contínuos espalhados por várias cidades da Espanha (e até em um
programa de televisão).
As provas estão aí
no vídeo. Agora pergunto: quantos desses racistas tiveram nomes e fotos
expostos em sites? Eu respondo pra facilitar: zero. Nenhum pra contar uma
história triste ou pedir aquelas falsas desculpas públicas.
O que falta para
criminalizarem essas pessoas? E punirem esportivamente os clubes? Por que os
patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de
transmitir essa barbárie a cada fim de semana?
O problema é
gravíssimo e comunicados não funcionam mais. Me culpar para justificar atos
criminosos também não.
No és fútbol, és
inhumano.
As
palavras de Lula, durante a reunião do G7, que começou na sexta-feira, 19 de
maio, e terminou no domingo, 21. Ao final do evento, no domingo, 21, Lula abriu
uma entrevista coletiva de imprensa, falando sobre o lamentável episódio de
racismo ocorrido na partida entre Real Madrid e Valência.
“Ele
[Vinicius Jr.] foi fortemente atacado, sendo chamado de macaco. Não é possível
que, quase no meio do século 21, a gente tenha o preconceito racial ganhando
força em vários estádios de futebol na Europa. Não é justo que um menino pobre,
que venceu na vida, que está se transformando num dos melhores jogadores do
mundo, certamente do Real Madrid é o melhor, ser ofendido em cada estádio que
comparece. Penso que é importante que a Fifa, a Liga Espanhola e as ligas de
outros países tomem sérias providências porque nós não podemos permitir que o
fascismo tome conta, e o racismo, dentro dos estádios de futebol”.
A
fala de Lula, numa reunião do G7 teve grande peso e foi muito importante,
trazendo a questão para o campo diplomático.
O
caso ganhou ampla repercussão mundial ganhando matérias em grandes jornais como
o The New York Times e o The Guardian. Toda essa repercussão levou à Justiça
espanhola a fazer o que se esperava que ela fizesse: agir. E apenas fez isso
por causa da repercussão que o caso, senão teria tudo “acabado em pizza’.
A
polícia espanhola prendeu sete pessoas. Quatro
delas pelo envolvimento no caso do boneco pendurado em uma ponte em frente ao
centro de treinamento do Real Madrid enforcado, usando a camisa 20 do Vinícius Junior.
Os criminosos ornaram o boneco com uma faixa nas cores vermelho e branco, cores
do Atlético de Madrid. Na faixa escreveram: “Madrid odeia o real”. E ainda teve ainda esse episódio grotesco acontecido
em janeiro. Uma violência psicológica sem tamanho para qualquer pessoa. Os outros
três foram presos pelas ofensas racistas ocorridas no domingo.
Desde
os fatos ocorridos na Espanha, no domingo, a redes sociais tem sido invadidas
por hastgs, pronunciamento, palavras de apoio, que são coisas válidas, mas isso
não vai acabar com o racismo, aqui no Brasil, nem na Espanha, nem em qualquer
lugar.
Para
acabar com racismo é preciso mais que tudo ações e leis que punam os criminosos
que praticam esse ato desprezível que é o racismo. O racismo é desprezível e
quem o pratica é igualmente desprezível.
Para
finalizar, vai solidariedade deste blog, ao grande jogador Vinícius Junior,
hoje, uma das estrelas de primeira grandeza do futebol mundial. Mas, o que
surpreende não é tanto o futebol que ele joga. Antes dele, já houveram muitos
negros bons de bola. O que surpreende em Vinícius Junior é a força mental que
ele demonstra, ao não se curva ao racismo escancarado que reina no futebol
espanhol, ao se posicionar contra esse crime, ao enfrentar os seus algozes.
Assim agem os grandes homens. Assim agem os guerreiros.
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