Explode coração
Terça-feira,
01 de novembro
“Explode coração
Na
maior felicidade
É
lindo meu Salgueiro
Contagiando
e sacudindo esta cidade”
(Peguei um Ita no Norte - Samba-enredo
Salgueiro, 1993)
O
domingo, 30 outubro de 2022, não foi um domingo como outro qualquer, nem para
mim, nem para qualquer outro brasileiro. Havia uma nuvem de preocupação no ar,
impedindo que o sol da esperança brilhasse em toda sua plenitude. Neste dia
especial fomos às urnas escolher para escolher o presidente do nosso país, porém,
muito mais que isso, tínhamos que escolher entre dois modelos de sociedade: uma
sociedade que respira democracia, e uma que exala autoritarismo e preconceito.
Por
volta do meio, peguei minha bicicleta e sai em direção a seção eleitoral na
qual voto, distante de onde moro cerca de 7 km, os quais levo cerca de 40
minutos para percorrer. Há seções eleitorais bem mais perto, há menos de 1 km
de onde moro, porém, não quis transferir o título. Motivo: Nunca enfrentei fila
na minha seção eleitoral, e ainda faço um pouco de exercício.
Na
metade da subida de uma ladeira, parei para tomar um pouco d’água. Fazia um dia
agradável. Olhei para os carros que subiam a avenida, mas meus olhos não
estavam no momento presente, eles pareciam viajar no tempo e nas vezes em que
saí às ruas por causa de Luís Inácio Lula da Silva.
Em
1989, e em 1994, fui às ruas com o coração de cheio de esperança de um Brasil
melhor com Lula. Em 1989, o petista foi vencido Collor de Mello, e em 1994, por
Fernando Henrique Cardoso.
Enfim,
chegou a vez de se alegrar com uma vitória de Lula. Em 2002 foi a primeira vez.
A segunda em 2006. Em 2002 Lula deixou para trás José Serra, e em 2006, Geraldo
Alckmin.
Depois
veio as eleições de Dilma Rousseff em 2010. Contra José Serra, Dilma foi eleita
a primeira presidente do Brasil. Em 2014, ela foi reeleita em disputa contra
Aécio Neves.
Nessa
minha história com Lula e com o PT não houve apenas alegrias, mas também
tristezas, decepções, e sentimento de traição causados pelos escândalos de
corrupção que explodiram nos governos petistas. E eu fui às ruas gritar “Fora
Lula!”, “Fora Dilma!”, “Fora PT!”.
Comemorei
quando a Dilma sofreu processo de impeachment. Hoje, depois das águas que
rolaram por debaixo da ponte, entendo que ela sofreu um golpe. Também comemorei
quando o Lula foi preso. Também em mim, havia um sentimento antipetista.
Em
2018, com Lula na cadeia, surgiu um homem que se considerava contrário à velha
política, e que se colocou como baluarte na luta contra a corrupção. Aquela
conversa mole não me convenceu. Me chamou a atenção que o voto daquele homem no
Congresso por ocasião do impeachment da Dilma foi em homenagem a um dos mais
cruéis torturadores da ditadura brasileira: o coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra. Muitas outras coisas ditas por ele, logo acenderam alerta vermelho em
minha mente. Aquele não era o homem que o Brasil precisava, pensava eu. E não
estava errado.
Mesmo
assim, não me animei a votar no candidato do PT, Fernando Haddad que disputou a
eleição com Jair Bolsonaro. Entretanto, o sentimento anti-petista que crescia
em mim, me levou a votar nulo naquelas eleições. Posteriormente, me arrependi
de minha postura de neutralidade.
Passaram-se
os anos seguintes e Jair Bolsonaro se mostrou um homem cheio de rancores e
mentiras. Sepultou a Lava Jato. Destruiu florestas. Agrediu as mulheres. Atacou
a imprensa, a cultura, e as artes. Andou de braços dados com os poderosos e
desprezou os humildes.
Veio
a pandemia, e Bolsonaro mostrou sua face mais cruel. Desprezou o poder matador
do vírus, zombou das pessoas que sofriam da doença, desprezou as vacinas e
atrasou a compra delas. A política econômica do governo também carecia de
clareza. Ultrapassou o teto de gastos, e criou o orçamento secreto.
Mesmo
assim, nenhum nome no meio da política se mostrava capaz de derrotar Bolsonaro
numa eleição. Tudo parecia perdido. Foi então, que numa dessas reviravoltas
espetaculares da vida, Lula saiu da cadeia, livrou-se dos processos que
respondia na Justiça, e voltou a cena eleitoral em condições de disputar a
presidência com Jair Bolsonaro.
E
Lula não apenas voltou, mas também ganhou as eleições. E isso foi para a
maioria dos brasileiros, amantes da democracia, um imenso alívio. Neste domingo
30, eu estava tão nervoso, que nem consegui acompanhar a apuração das eleições.
Fiquei o dia todo ligado no noticiário. Cabeça a mil. Quando se aproximou do
horário de encerramento das eleições. Fui deitar. Acordei por volta das
18h30min.
Liguei
o rádio. O noticiário dizia que as apurações das urnas estavam em cerca de 50%.
Bolsonaro na frente. A ansiedade tomava conta do meu peito. Difícil ficar
acompanhando. É assim também em final de campeonato quando meu time vai para
disputa de pênaltis na final. Fico muito ansioso.
Peguei
a bicicleta e sai, novamente, pelas ruas da cidade. Movimento tranquilo na rua.
Todo mundo em casa, grudado no rádio ou na televisão, acompanhado a apuração
dos votos. Dirigi-me para os bairros de classe média. Lá é mais tranquilo,
menos trânsito. Dá para pedalar e ouvir música sossegado. Também tem mais
bolsonaristas, e os bolsonaristas estariam mais calados, pelo menos torcia para
que isso acontecesse.
De
fato, isso e confirmou. Ao pedalar pelas ruas daquele bairro, ouvia apenas o
som do silêncio. Depois de cerca de 40 minutos resolvi voltar ao Centro. Por
onde andava, tudo continuava no mais absoluto silêncio. Foi quando recebi uma
ligação do meu sobrinho, Juan, de 8 anos, do Rio Grande do Norte. Foi ele quem
me deu o primeiro sinal de que a esperança estava nascendo novamente. “Tio, o senhor está escutando os fogos? Muitos fogos estourando”, disse ele. Ele
se referia aos fogos que estouravam na cidade onde ele estava. Depois conversei
com o pai dele, e ele me explicou que a apuração estava caminhando para o
final, com Lula na frente.
Quando
entrei em casa a apuração dos votos estava quase no final. Mais alguns minutos
e William Bonner anunciou. “TSE acaba de
declarar que Luís Inácio Lula da Silva é o novo presidente do Brasil”. Meu
Deus! Quase que meu peito explodiu de felicidade. Sai para à rua para
comemorar.
Estava
numa movimentada avenida da cidade. Carros a todo momento passavam buzinando.
Pessoas gritando. Também o coração delas explodia de felicidade. Eu parei junto
ao meio fio. Ao meu lado parou um carro branco com um jovem ao volante. Lele parecia
eufórico. Olhou nos meus olhos e perguntou. “É Lula ou não é”. Tentei falar, mas a voz, não saia. Compreendi então
o que é que povo chama de “voz embargada”.
E
o rapaz olhando para mim. Eu olhando para ele sem consegui falar. Ele
continuou, como se esperasse uma resposta. Enfim, com muito custo, e após
alguns instantes tudo o que consegui dizer foi: “Não consigo nem falar”.
Fiquei
por mais algum tempo, vendo aquela multidão eufórica, a pé ou de carro
transitando pelo Centro da cidade, parando nos bares para tomar uma merecida
cerveja, talvez a cerveja mais gostosa que eles já tomaram na vida. Também eu
tomei um Chopp, depois fui para casa, ver, através da TV, a festa que acontecia
em todo o país. A avenida Paulista, em especial, onde Lula fez o primeiro
discurso como presidente parecia um mar de gente.
Depois
fui dormir, e dormi o sono dos justos. Acordei na segunda pela manhã com meu
coração cheio de felicidade. Mas, como todo brasileiro, estava curioso para ver
como o presidente Jair Bolsonaro, reagiria à vitória de Lula. É de praxe em
eleições, em campeonatos, em disputas, que o perdedor cumprimente e parabenize
o vencedor. É do jogo, é ato de civilidade, de nobreza. Mas, esperar atos de
dignidade e nobreza de Jair Bolsonaro, é pedir demais. Ele não tem essas
coisas. Talvez precise nascer de novo para tê-las.
De
fato, até agora, momento em que escrevo esse texto, ele ainda não se
pronunciou. E nisso o silêncio dele também pode querer dizer muito.
Na
segunda-feira, pela manhã, o Brasil foi surpreendido pelo movimento dos
caminhoneiros que obstruíam as estradas do país. São apoiadores do presidente
Jair Bolsonaro que, revoltados com a derrota dele, causam estragos e tumultos
para o restante da população brasileira. Querem intervenção militar. Querem o
exército nas ruas. Depois, segundo eles mesmo, o bandido é o Lula, e os
baderneiros são os petistas. Como diria um senador governista durante a CPI da
Covid: “Vai vendo, Brasil”.
Festa da vitória na Avenida Paulista
No
domingo, dia da eleição, a Polícia Rodoviária Federal fez uma blitz em todas as
estradas do país, principalmente, no Nordeste que é a região onde o presidente
Lula, recebeu mais votos. A operação do domingo foi feita, claramente, com a
finalidade de tumultuar a eleição. Já o movimento dos caminhoneiros que causam
prejuízos aos negócios e às pessoas, a PRF tratou com complacência. Vídeos que
circulam pelas redes sociais mostram policias rodoviários federais apoiando os
manifestantes, ao invés de coibi-los.
E
mesmo com esse caos todo que se instalou pelas estradas do país, nem assim, o
governo emitiu nenhuma palavra. É como diz ditado: “Calado estava, calado
ficou”. E, nesse caso, ficar calado, também é uma forma de dizer alguma coisa.
Foi
preciso que, mais uma vez, entrasse em cena o presidente do TSE, Alexandre de
Moraes. Moraes determinou que as rodovias fossem liberadas em 24 horas, sob pena
de serem aplicadas multas de 100 mil reais por hora ao diretor-geral da PRF, o
bolsonarista Silvinei Vasques, a partir da 0h00 de 1 de novembro. Se não cumpridas
as decisões o diretor, além de ser multado, pode ser afastado do cargo, ou até
mesmo preso.
Houve
julgamento no STF para decidir sobre o caso, e os ministros do STF acompanharam
a decisão de Alexandre de Moraes. A Polícia Rodoviária Federal foi obrigada a
realizar a desobstrução das rodovias. Moraes também autorizou que as policias
estaduais participem da operação.
O
momento é de tensão elevada nas estradas com as tropas de choque chegando nas rodovias
e obrigando os caminhoneiros a saírem das rodovias, usando, inclusive, gás de
pimenta nos apoiadores de Bolsonaro. Com certeza, esse foi um movimento
orquestrado e planejado com antecedência. Cabe agora uma investigação para
saber quem organizou e financiou esse movimento criminoso.
No
sábado, anterior ao da eleição, ainda tivemos que presenciar o episódio
lamentável da deputada bolsonarista Carla Zambelli, armada, nas ruas de São
Paulo, perseguindo um homem negro, eleitor do presidente Lula. Por pouco também
o Brasil não presenciou mais um assassinato.
Enfim,
depois de uma espera de 45 horas após as eleições, eis que Bolsonaro,
finalmente, resolve se pronunciar. Na tarde deste dia 1 de novembro, Bolsonaro
se dirigiu a nação em um discurso que durou cerca de dois minutos. Um discurso relâmpago.
Cuja íntegra reproduzo abaixo:
Quero começar agradecendo os 58 milhões de
brasileiros que votaram em mim no último dia 30 de outubro. Os atuais
movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como
se deu o processo eleitoral.
As manifestações pacíficas sempre serão
bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre
prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de
patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir.
A direita surgiu de verdade em nosso país.
Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores:
Deus, pátria, família e liberdade.
Formamos diversas lideranças pelo Brasil.
Nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca. Somos pela ordem e pelo
progresso. Mesmo enfrentando todo o sistema, superamos uma pandemia e as
consequências de uma guerra.
Sempre fui rotulado como antidemocrático
e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da
Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar a mídia e as redes sociais.
Enquanto presidente da República e
cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição.
É uma honra ser o líder de milhões de
brasileiros que, como eu, defendem a liberdade econômica, a liberdade religiosa,
a liberdade de opinião, a honestidade e as cores verde-amarela da nossa
bandeira.
Muito obrigado.
Como
leram os caros leitores e leitoras, em nenhum momento, Bolsonaro parabeniza o
Lula pela vitória. Se diz democrata. Condena sem condenar o movimento dos
caminhoneiros, e, se prestarmos atenção, também legitima o movimento e critica
o processo eleitoral ao dizer: “Os atuais
movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como
se deu o processo eleitoral”. Ora, todos fomos testemunhas de que o
processo eleitoral se deu dentro da mais absoluta lisura, rapidez e eficiência.
Não poderia faltar no discurso dele a fixação, a obsessão em atacar a esquerda.
Enfim, o discurso de Bolsonaro foi tão pequeno quanto ele.
Finalizado
o discurso, Bolsonaro sai e deixa a palavra com Ciro Nogueira, que,
visivelmente constrangido, diz ter sido autorizado por Bolsonaro iniciar o
processo de transição. “O presidente Jair Bolsonaro me autorizou, quando for
provocado, com base na lei, nós iniciaremos o processo de transição. A
presidente do PT, segundo ela em nome do presidente Lula, disse que na
quinta-feira será formalizado o nome do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Aguardaremos que isso seja formalizado para cumprir a lei do nosso país”.
É
por ver todos os absurdos que vi na campanha eleitoral, principalmente nestes últimos
dias, e por tudo o mais que presenciei durante esses 4 anos do governo, é que
afirmo, sem peso na consciência, que o presidente Lula, reconquistou meu
coração, e o de milhões de brasileiros. Também muita gente, que não tem nenhuma
afinidade com o PT, mas votou no Lula em defesa da democracia.
É
por isso tudo isso que metade do Brasil explode de felicidade, enquanto a outra
metade, doente — pois o bolsonarismo é doença. — chora e lamenta a derrota do
“mito”. Não basta apenas o Brasil se livrar de Bolsonaro, é preciso, com tempo,
calma e paciência, se livrar do bolsonarismo. Tudo isso é um processo, e vai
depender da forma como o presidente Lula vai conduzir o Brasil nos próximos 4
anos.
Postar um comentário