Indigenista brasileiro e jornalista britânico desaparecem na floresta amazônica
Quarta-feira,
08 de junho
Falemos
na postagem de hoje de um assunto pesado, preocupante, mas antes vamos ver ao
final da viagem dos sonhos que se tornou real do brasileiro Victor Hespanha, do
qual esse blog falou na postagem do dia 16 de maio. A viagem havia sido adiada
por causa de problemas de segurança, mas finalmente aconteceu no sábado, dia 04
deste mês.
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Finalmente,
o engenheiro de produção brasileiro Victor Hespanha pode viajar ao espaço em
voo da Blue Origin. A viagem dos sonhos aconteceu no sábado, 4, e fez de Victor
o primeiro turista espacial brasileiro, e o segundo brasileiro a sair da órbita
terrestre. O primeiro foi o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações,
Marcos Pontes. A diferença é que Marcos é astronauta, e Hespanha, apenas um
turista espacial. Pontes foi ao espaço como integrante da missão do projeto de
construção da Estação Espacial Internacional (ISS), e Hespanha ganhou a viagem
num sorteio ao comprar um token da Crypto Space Agence. Junto com Victor
Hespanha havia mais outras cinco pessoas na nave.
Após
o feito, o engenheiro de produção conversou, com a exclusividade com a repórter
Renata Capucci, em entrevista para o Fantástico. Na entrevista ele conta de sua
felicidade em viver essa experiência: “É
um marco na minha vida. É um marco para minha cidade, para o Brasil, né? Eu
queria muito compartilhar. Eu queria que as pessoas vissem com os meus olhos.
Ver a escuridão do espaço, ver a curvatura da Terra”.
Na
entrevista para o Fantástico, Victor também revela uma grande novidade para os céticos
terraplanistas: “Gente, a terra é
redonda, verdade, não é mentira”, disse ele.
Este
blog Cottidianos tratou desse assunto na postagem de 16 de maio, por isso,
retomei o assunto novamente.
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Saindo
dessa atmosfera de sonhos transformados em realidade, mergulhemos agora numa
história que inspira preocupação aos brasileiros, aos britânicos, e a todos
aqueles que se preocupam com a questão indígena. Trata-se de um misterioso
desaparecimento no coração selvagem da floresta amazônica.
Os
personagens dessa história são o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor de
carreira licenciado da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), atuante ativista da
causa indígena, e Dom Phillips, jornalista britânico, colaborador do The
Guardian, e também envolvido em causas ambientais. Os dois viajavam pelas
terras indígenas do Vale do Javari, no munícipio de Atalaia do Norte quando
desapareceram.
Reportagem
do G1 Amazonas, diz que “Ao longo da
última década, Bruno Pereira foi coordenador regional da Funai de Atalaia do
Norte, que compreende justamente a área onde ele foi visto pela última vez”.
Em
2016, Bruno deixou o cargo durante intenso conflito entre povos isolados da
região. Bruno não é de cruzar os braços e ficar vendo a vida passar,
principalmente, quando se trata da vida dos povos originários da floresta. Em
2018, ele já estava de volta como coordenador-geral dos índios isolados e de
Recém Contratados da Fundação Nacional do Índio. Nesse cargo, ele realizou a
maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos. Em 2019, ele
foi exonerado do cargo. Setores ruralistas ligados ao governo de Jair Bolsonaro
pressionaram pela sua saída.
O
outro personagem desta história é o jornalista Dom Phillips, natural do condado
de Merseyside, vizinho à cidade de Liverpool, Noroeste da Inglaterra. Em 2007, ele resolveu mudar-se para o Brasil. Dom
é um apaixonado pelo país para o qual se mudou, e pela Floresta Amazônica. Ele
é casado com a brasileira Alessandra Sampaio, e mora na cidade de Salvador,
Bahia. O jornalista tem uma vasta experiência em coberturas internacionais, e presta
serviços para o The Guardian. Ele também já colaborou para os jornais Washington Post, Financial Times, e The New
York Times.
Não
eram dois iniciantes em viagens pela região. Bruno conhecia o lugar como a
palma de sua mão devido ao seu intenso trabalho com os povos da região, e
Phillips já havia feito inúmeras viagens por lá, fazendo reportagens sobre a
crise ambiental brasileira e os problemas enfrentados pelas populações indígenas.
Ultimamente, ele estava escrevendo um livro sobre a Floresta Amazônica, e essa
era uma das suas razões para estar na região em companhia de Bruno.
O
projeto do livro é apoiado pela Fundação Alicia Patterson. Na viagem, o
jornalista esperava colher depoimentos de moradores da região ameaçados
constantemente por madeireiros, garimpeiros, e pescadores ilegais. Por seu
ativismo na causa em questão, há cerca de um ano Bruno recebia ameaças de morte
por parte de garimpeiros e madeiros ilegais.
Indigenista
e jornalista viajavam de barco pela região. Eles faziam uma expedição para
visitar a Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas (Unijava), estabelecida
às margens do Lago do Jaburu, distante cerca de 15 quilômetros da comunidade de
São Rafael. O lago também fica próximo da Base da Funai no rio Ituí. No Vale do
Javari há quatro dessas bases de vigilância.
Desde
a sexta-feira,3, eles viajavam junto com uma equipe de vigilantes indígenas por
essa região. Chegaram ao local na sexta-feira à noite. Ali, o jornalista fez
mais algumas entrevistas, enquanto Bruno conversava com a pequena equipe da
Vigilância.
A Equipe de Vigilância foi criada com a finalidade de denunciar invasores das Terras Indígenas Vale do Javari (TI Javari), principalmente na região na qual vivem os indígenas isolados. A ideia motivadora dessa equipe era muito boa: Atuar em parceria com a Funai fazendo um trabalho voluntário, uma doação. Mas a “nova Funai”, como costuma dizer o presidente Jair Bolsonaro, não aceitaria esse tipo de ajuda. Como de fato, não aceitou.
“Só
que a Funai se recusou a receber essa doação. O que nós pensamos: já que a
Funai não quer receber, vamos montar nossa equipe de vigilância, não para fazer
apreensão, mas fazer marcação dos invasores dentro da TI”, disse Paulo
Marubo, coordenador da Unijava ao site Amazônia Real, que acompanha bem de
perto as investigações sobre o desaparecimento da dupla.
Vale do Javari
A
Equipe de Vigilância, Bruno Pereira, e Dom Phillips faziam um trabalho em
conjunto: registravam imagens, e com marcações pelo GPS, registravam também a
localização de áreas invadidas. Cabia ao Bruno levar o material coletado para
apresentar denúncia ao Ministério Público Federal, e à Polícia Federal, localizados
na cidade de Tabatinga, região do Alto Solimões, cidade próxima a Atalaia do
Norte.
De
acordo com uma testemunha — um indígena ouvido na reportagem do Amazônia Real —
que fazia parte da equipe que acompanhava Bruno e Phillips, e que não quis se
identificar por razões óbvias, nem todos dormiam durante a madrugada, geralmente,
eram dois indígenas armados ficavam de sentinela.
O
jornalista também aproveitava o tempo na TI Vale do Javari para entrevistar os
habitantes do local. Ele queria saber deles como eles viviam, o que sentiam,
porque protegiam o território, o que temiam, e coisas assim.
Então
veio o amanhecer do domingo, dia 05. Dia em que, Bruno e Phillips, chegariam a
Atalaia do Norte. Por volta das quatro horas da manhã, quando todos já estavam
despertos, Bruno anunciou ele e o jornalista iriam sozinhos até a comunidade de
São Rafael, distante cerca de quinze minutos dali, uma vez que ele, Bruno,
conhecia bem o caminho.
A
equipe insistiu para que continuassem acompanhando-os, mas Bruno insistiu em ir
sozinho, junto com o amigo. A equipe propôs então que eles fossem em grupos
separados, pois um ataque em tais circunstância seria improvável. Bruno,
rejeitou também rejeitou essa ideia. “Acho que eles não vão nos atacar”,
disse ele. O leitor, a leitora que leu nas entrelinhas já percebeu, em especial
nesse parágrafo, um cheiro de perigo no ar.
A
equipe tinha razão de estar preocupada. Além de terem consciência de que vivem
numa terra perigosa, certamente também sabiam das ameaças que Bruno vinha
recebendo. Além disso, alguns dessa equipe, dias antes, haviam cruzado com um
grupo em uma embarcação, incomum para navegar naquelas águas de rios estreitos.
A embarcação era mais larga que o habitual, mas também com mais potência no
motor. Ao cruzar com os indígenas, o grupo mostrou as armas que carregava, e
fez ameaças.
Sem
conseguir demover Bruno da ideia de seguir com a comitiva, esta viu os dois
partirem sozinhos para a comunidade de São Rafael, onde conversariam com um
homem por apelido “Churrasco”, que é líder comunitário.
Chegando a São Rafael, Bruno e Phillips não
encontraram “Churrasco”. Foram recebidos pela mulher dele que ofereceu aos dois
o que tinha para comer naquele café da manhã: café com pão. Após conversarem
com ela, na mesma manhã de domingo, os dois seguiram viagem pelo rio em um barco
da Funai, em direção a Atalaia. O percurso levaria cerca de duas horas. Porém, os
dois não chegaram ao destino.
Segundo
o indígena ouvido pela Amazônia Real, há ribeirinhos que trabalham para os criminosos
que atuam na área, que trabalham para os narcotraficantes. Eles pescam para
alimentar os criminosos. Certamente, alguém na comunidade sabia da passagem do
indigenista e do jornalista por lá, e avisou aos criminosos. Ainda segundo a fonte, narcotraficantes
colombianos e peruanos também atuam na região.
Os
amigos que esperavam Bruno em Atalaia foram os primeiros a notar que havia algo
de estranho, uma vez que a previsão de chegada deles à cidade era às oito horas
da manhã, e já passava das dez, e os dois nem chegavam ao destino, nem davam
notícias. Eles descartaram a ideia deles estarem perdidos, pois conheciam bem a
região. Acidente? Também descartaram essa possibilidade, pois o barco era novo
e tinha combustível mais do que suficiente para chegar ao destino. Restou
trabalhar com a hipótese de emboscada.
Imediatamente,
comunicaram o fato a Polícia Militar do Amazonas, apesar de este ser um crime
de natureza federal, e junto com a PM, iniciaram as buscas. O governo federal demorou
em iniciar as buscas pelos desaparecidos. Apenas colocou o efetivo do estado em
ação após pressão da Embaixada da Inglaterra, dos veículos de comunicação
nacional e estrangeiros, e de familiares dos desparecidos.
Eliesio
Marubo, procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Unijava), um
dos primeiros a se envolver, pessoalmente nas buscas por Bruno Perereira, e Dom
Phillips, contou em entrevista ao Jornal da CBN — apresentado por Milton Jung e
Cássia Godoi — que a área onde os dois desapareceram é uma área de mata
fechada, rios, e igarapés que fica quase na fronteira com o Peru.
O
rio estava cheio então a dificuldades de acesso a determinados lugares
dificultou as buscas. Outro fator que tornou mais difícil o trabalho foi o fato
da equipe da Unijava ser bastante
reduzida. Eles foram nos lugares mais óbvios onde os dois poderiam estar, mas
devido as condições expostas acimas, eles não conseguiram sucesso nas buscas.
Durante
a entrevista, e pela fala de Eliesio, percebe-se que há todo um cuidado nas
operações que o grupo desenvolve. Por exemplo, apenas algumas pessoas sabiam
que Bruno Pereira e Dom Phillips estavam indo para a região, e o que eles iam
fazer por lá. Ou seja, eles se sentem ameaçados a ponto de não divulgarem
publicamente seus compromissos.
Quando
perguntado por Milton Jung, sobre quem são os grupos que fazem essas ameaças, o
procurador da Unijava disse: “A região é
uma região mista de muitos interesses. São grupos de garimpeiros, grupo de
pescadores, e caçadores ilegais que, de alguma maneira, servem ao crime
organizado”, disse Eliesio. “Tem o
próprio narcotráfico que utiliza o indígena para atravessar do Peru e Colômbia
por meio da terra indígena e levar droga para a região do Acre, que é onde já
tem rodovia, e já dá para escoar a droga”, acrescenta ele. Ainda segundo
Eliesio, essa é “uma região altamente
perigosa e sem a presença do Estado”.
A
região conta com base do Exército, posto da Polícia Federal, Marinha, mas esses
órgãos permanecem na cidade de Tabatinga. Eliesio diz que “pouco se vê atividades deles em campo ou na fronteira”.
O
órgão que poderia realizar algum de trabalho de relevância para a comunidade
indígena é a Funai, mas segundo o procurador jurídico da União dos Povos do
Vale do Javari, a Funai “é um órgão que
não tem qualquer estrutura para realizar qualquer tipo de atividade”.
Isso
é um retrato do que se tem transformado a Funai que, na verdade, é uma
fotografia do descaso do estado brasileiro para com a população indígena,
descaso esse agravado com a falta de política do governo Bolsonaro para com os
indígenas. Nesse sentido, o governo se coloca não ao lado deles, mas ao lado
dos bandidos que os ameaçam, que os oprimem, e que os matam.
Forças Armadas buscam desaparecidos
Agora
as Forças Armadas fazem buscas na região na tentativa de encontrar algum sinal
dos dois desaparecidos. A Polícia Civil do Amazonas ouve testemunhas para
tentar descobrir o que, de fato, aconteceu na manhã de domingo, 5, no Vale do Javari.
Familiares
e amigos, e todos os que acompanham o caso, torcem para um final feliz, entretanto,
todos os indícios levam a crer que o indigenista Bruno Pereira, e o jornalista
Dom Phillips, foram vítimas de uma emboscada e assassinados.
A
respeito do trabalho de Dom Phillips, a fonte indígena ouvida pelo Amazônia
Real, e que fazia parte da comitiva que acompanhava os dois amigos, disse: “Era
uma coisa muito boa o que ele estava fazendo, mas infelizmente caiu numa
emboscada. Foi uma fatalidade”. Apenas discordo da fonte nesse ponto. Fatalidades
são coisas que acontecem, independentemente de nossa vontade, como por exemplo,
um barco que afunda, uma arma que dispara sem querer. Há uma enorme diferença
entre fatalidade de crime.
Para
finalizar este texto, deixo a fala do sertanista Sydnei Possuelo, também ouvido
na reportagem da Amazônia Real. “A circunstância toda, para mim, eles foram
mortos. Estou me preparando para a pior notícia, eu não desejo isso, mas as
informações, a vivência que eu tive, tudo me leva a deduzir que a notícia,
lamentavelmente, é a pior possível. É resultado da política dos Bolsonaros,
favorecendo essas coisas, mais violência, mais violências”, disse ele.
É
Sydnei, nós também não desejamos o pior desfecho para esse caso. Mas, de qualquer
modo, fiquemos preparados psicologicamente e espiritualmente, se isso acontecer.