Negacionismo: O obscuro mundo da estupidez
Domingo, 23 de janeiro
“Acho que é um momento da gente respirar
fundo
e esperar um pouquinho.
Já vai passar já”
(Andrea Beltrão, atriz,
em entrevista ao programa Estúdio CBN
Entrevista)
“Duas
coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao
universo, ainda não tenho certeza absoluta”.
“A
estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência
tem seus limites, a estupidez não”.
“Nada
há mais caro na vida que a doença - e a estupidez”.
Começo
o texto de hoje com essas três frases citadas no texto, O discurso da estupidez,
publicado no jornal Folha do ABC, em 23 de abril, de 2021.
A
primeira citação é do físico e teórico alemão Albert Einstein. A segunda foi
dita pelo produtor, ator, e roteirista francês, Claude Chabrol. A terceira
frase é de autoria de Sigmund Freud.
Desde
a chegada do bolsonarismo, temos visto aumentar, e muito, aquilo que já vinha
tendo uma escalada impressionante em nosso país: a estupidez humana. Acho que
nem os animais irracionais têm conseguido superar certos animais racionais.
Nessa
pandemia, então, fomos invadidos por um mar de tolices. Cada uma pior que a
outra. Esse festival de asneiras não é privilégio do Brasil. Pessoas de todo o
mundo tem navegado nesse mar e se sentido muito à vontade nele. Cada um de nós
deve ter o cuidado para não nos deixarmos influenciar por essas ideias tortas.
Citarei
aqui três casos iniciais, e depois seguiremos por essa mesma vereda em outras
áreas. Não tem muito como fugir das babaquices no texto de hoje.
O
primeiro exemplo vem de fora do Brasil. Creio que os caros leitores e leitoras
tenham tomado conhecimento do caso da cantora que se infectou de covid-19 de
proposito, e morreu.
Hana Horke, cantora Tcheca
No
domingo, 16 de janeiro, a cantora tcheca Hana Horke, 57, morreu devido a
complicações causadas pela Covid-19. A cantora era vocalista do grupo
Assonance. Não conhecia esse grupo e nem a cantora, mas após a repercussão do
caso, fui buscar alguma referência na Internet, e descobri que é um grupo que
faz um som bastante agradável, e que Hana tinha uma bela voz.
Hana
que tantas vezes navegou pelo sublime mundo da boa música, teve a má sorte de —
influenciada por falsos amigos, e falsos conselheiros — a mergulhar no obscuro
mundo do negacionismo.
A
voz que encantava o público da República Tcheca tornou-se também uma das
principais vozes a se levantar contra a ciência. Foi recrutada pelo exército de
negacionistas — que, apesar de ser em menor número que o exército das pessoas de
bom senso, conseguem fazer um barulho enorme e causar estrago na saúde de
muitas pessoas — e para ele passou a trabalhar com afinco.
Adeptas
das ideias das tropas negacionistas, cujas bases e métodos de ação já
conhecemos, a cantora também se entregou de corpo e alma às campanhas
antivacinas. O que aconteceu foi o seguinte. O filho de Hana, Jan Rek, e o pai
dele, contraíram o coronavírus, mas não desenvolveram a forma grave da doença,
apresentaram apenas sintomas leves.
A
cantora viu nesse episódio a oportunidade perfeita para contaminar-se, de
propósito, com o vírus para conseguir o passaporte de vacinação, exigido para
frequentar locais públicos na República Tcheca.
No
dia 14 de janeiro ela, radiante de felicidade, fez a seguinte postagem no
Facebook: “Vou divulgar sim! Estou muito feliz. Desta forma poderei ter uma
vida livre, como os outros, ir ao teatro, sauna, show. Quero um pouco de mar,
urgentemente. A vida está aqui para mim e para ti também”.
No
dia seguinte, a radiante de felicidade Hana, saiu para fazer uma caminhada e
voltou reclamando de dores nas costas. Morreu por sufocamento, deitada na
própria cama. Talvez em seus últimos momentos, tenha sentido vontade de estar
na cama de um hospital, sendo cuidada pela ciência que ela própria desprezou.
Mas o coronavírus fez aquilo que era da vontade dela.
Jan
Rek, filho da cantora, disse em entrevista: “Ela preferiu viver normalmente
e pegar a doença para não ter que se vacinar. É triste que ela preferiu
acreditar em estranhos invés da própria família. Minha mãe não foi apenas alvo
de desinformação. Ela acreditava em opiniões sobre a imunidade natural e anticorpos
que criaria quando pegasse a doença”.
Elizangela, atriz brasileira
Aqui
no Brasil, quem quase embarca para o
andar de cima esta semana, foi a atriz Elizangela. Também adepta do movimento
antivacina, ela foi internada na quinta-feira, 20, em Guapimirim, Baixada
Fluminense, em estado grave devido a sequelas respiratórias da Covid-19.
Segundo
funcionários da prefeitura, Elizangela chegou ao hospital passando muito mal, e
quase teve que ser entubada. Ainda segundo a assessoria da prefeitura, ela não
havia tomado nenhuma dose de alguma das vacinas que protegem contra o
coronavírus. As últimas informações de que
se tem notícias sobre a atriz é de que ela está estabilizada, porém, seu estado
de saúde ainda inspira cuidados médicos.
A
atriz já participou de mais de trinta novelas, tendo tido sua última
participação na novela, A Dona do Pedaço, de 2019.
Outro
exemplo de estupidez humana vem das arquibancadas de um estádio de futebol em
Pernambuco.
A
partida ocorrida entre os clubes de futebol Náutico e Ibis, na cidade do
Recife, no Estádio Eládio de Barros
Carvalho, popularmente conhecido como
Estádio dos Aflitos, em jogo disputado pelo campeonato pernambucano, cuja
partida foi vencida pelo Náutico por 3 x 0. Nesse jogo teve um episódio
bastante inusitado.
Antes
do jogo, o Náutico, em parceira com o governo do Estado havia feitos testes
grátis para a Covid, com o objetivo de garantir a segurança da torcida. Um dos
torcedores testou positivo para a doença. Porém, não se sabe como, ele
conseguiu burlar a fiscalização e entrar no estádio assim mesmo.
Mesmo
infectado pela Covid, o torcedor conseguiu assistir todo o primeiro tempo da
partida, junto com os outros torcedores. Não contente com isso, ainda durante o
jogo, ele fez postagens nas redes sociais se gabando do fato de estar ali,
assistindo a partida, mesmo infectado pelo vírus.
O
jovem tirou duas fotos que postou em sua rede social. Na primeira ele apresentava
o resultado do teste feito no estádio, antes do jogo, que trazia a sinalização
marcada “positivo/reagente”. Depois fez uma selfie no meio da torcida, e também
postou. Na legenda desta segunda foto, ele escreveu: “Tropa da Covid”.
Denunciado
por alguém, algum dos seus contatos provavelmente, ele foi retirado do estádio
pela polícia, e levado para a delegacia.
Com
certeza, esse torcedor da tropa do mal, conseguiu contaminar outras tantas
pessoas, que contaminarão outras, e assim por diante. É um raciocínio perverso
o desse rapaz, assim como é o das pessoas que espalham informações falsas sobre
a doença e sobre as vacinas.
Se
os fatos narrados beiram o absurdo, o que dizer então quando a tropa de choque
do mal está no governo?
Entrando
nesse território, começo fazendo referência a duas grandes atrizes brasileiras,
que de estúpidas não tem nada, ao contrário, são pessoas maravilhosas, e
profissionais talentosas.
Marieta Severo e Andrea Beltrão, atrizes
O
programa Estúdio CBN, apresentado por Tatiana Vasconcellos e Guilherme Muniz, entrevistou
no dia 18 de janeiro deste ano, as atrizes Marieta Severo e Andrea Beltrão,
ambas atuando na novela, Um lugar ao sol, exibida atualmente no horário
nobre da Globo. As duas atrizes deram uma entrevista muito agradável à CBN, na
qual falaram muito de seus projetos, especialmente do projeto Teatro Poeira, iniciativa
mantida pelas duas atrizes. Falaram também sobre as expectativas para o futuro
do Brasil.
Quando
perguntadas por Guilherme Muniz sobre que futuro elas enxergavam para o futuro
da cultura brasileira e para o Brasil no momento atual, assim respondeu Andrea
Beltrão:
“Assim
que esse governo sair, na verdade eu não gosto de chamar isso que temos de
governo, porque eu acho que a palavra governo... eu gosto de política, eu acredito
na política, então eu acho que só é possível uma convivência para todos através
da política. Só que eu acho que algumas profissões elas têm uma natureza que é
uma natureza vocacional. Eu acho que quando você é governante, ou representante
público, quando você lida com a coisa pública, é preciso que você tenha uma
verdadeira vocação para com o outro, para escutar o outro, para se interessar
pelo outro, saber o que o outro precisa, o outro que votou em você, e,
principalmente, o outro que não votou em você. Então eu acho que isso temos não
passa por aí. Eu acho que é uma equipe de pessoas, de aproveitadores. Então eu
acho muito difícil pensar “ah, agora como vai ser a cultura”, eu acho que agora
é um momento de resistência, da gente se manter em pé, a gente não vai se calar
jamais, a cultura tá aí, ela é alimento, ela é necessária, a gente não consegue
viver sem. A vida só não basta, é preciso poesia, é preciso cultura, senão é
insuportável. Então eu acho que daqui a pouco, a gente vai ter um momento bem
melhor, mas eu acho que agora é um momento de sobrevivência, de resistência. Eu
acho que acontece um massacre, acontece uma falta de respeito, um deboche, uma
esculhambação, não só com a cultura, com a saúde, com a vacinação das crianças,
e de todos, enfim, acho que é um momento da gente respirar fundo e esperar um pouquinho.
Já vai passar já”.
No
discurso de Andreia, ela fala basicamente de cultura, mas se você substituir as
vezes em que ela fala de cultura por meio ambiente, direitos humanos, saúde, e
todas as áreas que envolvem a sociedade, a conclusão é, como ela diz no final, que
esse governo realiza um verdadeiro deboche para com o Brasil e para com os
brasileiros, exceto, para os cerca de 25% do gado que ainda o apoia
ferrenhamente.
Temos
acompanhado como o presidente Jair Bolsonaro tem tratado a Covid-19 desde o seu
início, com escarnio, com deboche, com falta de compaixão. A campanha que fez
contra a vacinação de adultos, e não é diferente da que faz agora com a vacinação
das crianças.
Com
suas palavras e atitudes ele incentiva seus seguidores a atos que não entram na
cabeça de quem não está dominado por esse vírus terrível chamado bolsonarismo.
Nesta
quinta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), liberou a
vacina contra a Covid, Coronavac, para crianças e adolescentes entre 6 e 17
anos, com exceção dos imunossuprimidos. A decisão foi tomada de forma unanime
pelos cinco diretores da agência.
Isso
bastou para que os diretores da Anvisa, que já haviam sido ameaçados anteriormente,
quando aprovaram, em dezembro, a aplicação a Pfizer para o público na faixa de
idade entre 05 e 11 anos, voltassem a ser ameaçados novamente. Em um dos
trechos de um desses e-mails ameaçadores, uma pessoa chega a dizer até mesmo
que ora “a Deus em desfavor de todos que tem causado dor e sofrimentos ao
seu próximo (sic)”. Assim, na sua irracionalidade, os bolsonaristas invertem
os valores.
Outro
diz que os diretores da Anvisa devem rever suas decisões, “senão o preço que
vc vai pagar será altíssimo (sic)”. Os diretos da agência têm recebido,
desde dezembro, centenas de e-mails desse tipo.
Na
semana que passou, uma criança da cidade de Lençóis Paulista, teve uma parada
cardíaca. Ela havia tomado a vacina. Adivinhem quem foi a escolhida como
culpada desse incidente? A vacina, óbvio. Dez especialistas do Centro de
Vigilância Epidemiológica de São Paulo se reuniram para analisar o caso, e
descobriram que a parada cardíaca da criança não estava relacionada a vacina,
mas a uma doença congênita rara, até então, desconhecida da família.
Os
lobos vorazes do governo logo salivaram, pensando ter encontrado a cartada
final para apresentar o caso como prova da ineficácia da vacina. O ministro da
Saúde Marcelo Queiroga, e a ministra da Mulher, da Família, e dos Direitos
Humanos, logo viajaram, pessoalmente, até a cidade de Botucatu, onde a criança
estava internada, para visitá-la.
Isso
foi uma clara tentativa de explorar politicamente o episódio — pelo que se
comenta, tanto Damaris Alves, quanto Marcelo Queiroga, pretendem lançar suas
candidaturas para as próximas eleições. Até o presidente, Jair Bolsonaro,
ligou, pessoalmente, para família da criança.
Agora
pensem, em toda a pandemia, que já vitimou mais de 600 mil brasileiros, em
algum momento vocês viram o ministro da Saúde, a ministra da Mulher, da Família
e dos Direitos Humanos, Damares Alves, ou qualquer outro ministro do governo,
ou até mesmo o próprio presidente da República, soltaram alguma nota de
compaixão, ou visitaram hospitais, ou alguma família que estivesse sofrendo as
agruras da Covid-19?
Muito
pelo contrário, era o coronavírus vitimando mais e mais brasileiros e
brasileiras, milhares de famílias chorando o luto, e o presidente e seus
ministros viajando em motociatas, em viagem de férias em locais badalados e
caros. É uma gente muito “bondosa” e caridosa” essa que está no governo.
Outro
caso protagonizado pelo ministério da Saúde, que é de arrepiar os cabelos das
pessoas sensatas, foi a nota técnica, divulgada pelo próprio ministério da
Saúde, com a finalidade de frear os estudos que contraindicam o uso do tal “kit
covid”. O documento do ministério da Saúde classifica a cloroquina como eficaz
no tratamento da covid, e ainda tem o disparate de afirmar que as vacinas não
possuem a mesma efetividade contra a doença que o kit. Quem assina a nota é
Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, e Inovação e Insumos Estratégicos
em Saúde da pasta.
Obviamente,
um secretário do ministério da Saúde não pode emitir uma nota técnica sem o
consentimento do ministro da Saúde, e sem a anuência do presidente da República
— que é quem, sem nenhum conhecimento de medicina, ou de qualquer outra ciência
— de fato, manda e desmanda no ministério da Saúde. Essa conjunção de forças
suspeitas, baseando-se em estudos infundados e sem nenhuma credibilidade,
resultou numa nota técnica que é a própria coroação das fake news sobre o tema,
cuja coroa foi colocada pelo próprio governo.
Eduardo Pazuello foi um péssimo ministro da Saúde, é verdade. Entretanto, Marcelo Queiroga é ainda pior, pois, pelo menos Pazuello não era médico. Ao contrário de Queiroga que o fez o juramento solene da medicina. Juramento esse que tem mais e mais a cada dia, jogado no lixo, ao se vender a esse projeto de governo que não prioriza a vida, mas a morte, não valoriza a verdade, mas a mentira, não exalta a compaixão, mas a crueldade.