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Líbano: É preciso renascer das cinzas
Posted by Cottidianos
on
18:02
Quinta-feira,
06 de agosto
Há
semanas o la Rhosus seguia a rota do Mediterrâneo. Era um navio cargueiro russo
com bandeira moldavia. Navegou por muitos lugares. Até que no dia 21 de novembro
de 2013 precisou parar para fazer reparos técnicos em Beirute. O objetivo da
parada no porto libanês tinha também um quê de ganancia. O navio já estava com
uma carga pesada, mas aproveitou a parada no lugar para pegar uma carga extra a
ser entregue na Jordânia. O material era muito pesado e a tripulação no
conseguiu estocar o novo carregamento. A parada em Beirute foi um pedido feito
pelo dono do navio ao capitão.
Os
inspetores libaneses, em inspeção de rotina, subiram ao cargueiro e encontraram
mais duas mil toneladas de nitrato de amônio. Um componente que tanto pode ser
utilizado na fabricação de fertilizantes como de explosivos.
O
material havia saído de uma fábrica de fertilizantes, na Geórgia, e seguia em
direção a uma fábrica de explosivos, em Moçambique. As autoridades portuárias
ordenaram então a apreensão do material para apurar irregularidades.
Diante
do impasse, o dono da embarcação abandonou o cargueiro à própria sorte. O capitão
e 3 tripulantes ainda passaram 11 meses no navio, sem salário e com pouca
comida. Eles esperavam o desfecho de uma disputa que se arrastava na justiça.
Enquanto
isso, o carregamento de nitrato de amônio continuava na embarcação. Apenas quando
os ocupantes do navio resolveram deixa-lo foi que os funcionários do porto
libanês recolheram a carga explosiva e a colocaram no armazém de número 12, à
beira-mar.
Segundo
o capitão do navio, em entrevista à agencia Reuters, os responsáveis pelas
operações portuárias não armazenaram o material de modo adequado e seguro. De qualquer
modo, eles esperavam que esse armazenamento fosse durar, no máximo, algumas
semanas. Porém o tempo passou, e nada aconteceu. Nada mudou. A carga foi
ficando armazenada no porto de Beirute.
O
navio, abandonado pelo seu proprietário, também foi ficando no porto, e, sem
manutenção, acabou afundando.
As
autoridades, após o acidente trágico, tem dito que os responsáveis tem de ser
identificados e punidos severamente. E nesses casos, há quem mereça, realmente,
a punição, e quem não a mereça. E um desses funcionários que não merecem punição
é Shafik Merhi, diretor da Alfandega do Porto de Beirute.
Lembremos
que o navio atracou em Beirute em 21 de novembro de 2013. Em 26 de junho de
2014, já tendo se passado, exatamente, 07 meses e 5 dias, do ocorrido e da
identificação da carga, Shafik enviou a primeira comunicação aos superiores na
qual pedia instruções sobre o que fazer com ela. Nessa primeira comunicação, o
diretor também advertia para os riscos gravíssimos referentes a ela.
Nos
anos seguintes, Shafik Merhi, enviou ainda outras cinco comunicações
semelhantes. A resposta para todas elas foi o silêncio. Os funcionários nem
sequer se deram ao trabalho de responde-las.
No
exterior, se discutia muito, e se fazia pouco. Os responsáveis se colocavam em
duas linhas de raciocínio diferentes: uns diziam que as exportações cabiam ao
Exército, e outros diziam que a venda era de responsabilidade do setor privado.
Decisão prática mesmo, não se tomava nenhuma.
Enquanto
isso, a grande maioria dos libaneses deitavam e acordavam com o perigo do lado
e nem se davam conta disso.
Enfim,
o silencio, o impasse e a responsabilidade cobraram seu preço na última
quarta-feira e o mundo inteiro viu como ele foi alto, fumacento, ensurdecedor,
aterrorizante, e danoso para a economia e para a sociedade libanesa.
E
assim como os libaneses, o mundo inteiro se pergunta: Como não foram tomadas as
medidas necessárias diante de uma carga tão ameaçadora? Outra pergunta que fica
no ar é: Havia outros materiais explosivos armazenados no porto? Especialistas
afirmam que sim.
As
autoridades libanesas tinham conhecimento desse perigo à beira-mar? Se haviam
outros materiais explosivos no porto, quem eram os donos?
Enfim,
muitas são as perguntas para o que aconteceu, de fato no Líbano. Em seu artigo no
italiano Corriere Della Sera, sob o título Beirute,todos os mistérios do explosivo que chegou ao porto em um navio russo, publicado
nesta quarta-feira, 06, o jornalista Guido Olimpio, escreve: “Á espera do resultado das investigações podemos
especular interminavelmente acompanhados pelo ditado, costurado na pele de
Beirute, que "não há verdades, apenas versões”. Há verdades
escondidas, é verdade. Mas ela aparecerá. Mais cedo ou mais tarde ela
aparecerá.
Agora,
Beirute, como um fênix, precisará se reerguer das cinzas da destruição. Segundo
autoridades libanesas, metade da cidade foi destruída pelas explosões, e os
prejuízos podem variar entre 3 e 5 cinco bilhões de dólares, o equivalente a 15
e 26 bilhões de reais.
Os
prejuízos econômicos são imensos. Grandes parte dos grãos consumidos no país vem
do exterior, e grande parte desses produtos, cerca de 85%, estavam nos armazéns
do porto, agora totalmente destruídos.
E
agora, os libaneses que já vinha enfrentando dias difíceis em termos econômicos,
terão essa situação ainda mais agravada. Além disso, terão que se preocupar com
a nuvem tóxica que se espalhou pelo país, além do coronavírus, contra o qual já
vinham lutando.
Já
são 135 o número de mortes por causa do acidente. O número de feridos já passa
de 5.000 mil, além de outros milhares de desabrigados e uma centena de
desaparecidos. O caos se instalou no Líbano, país já tão maltratado.
Para
finalizar esse artigo, este blog reproduz as palavras do jornalista Pedro Vedova,
correspondente da Globo, em Londres, em sua brilhante reportagem exibida ontem, 05, no Jornal Nacional. Diz o texto: “Um
país que já viveu atentados, guerra civil, invasões. Um povo famoso pela sua
resiliência. Que tenta se reconstruir outra vez”.
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