Sexta-feira, 24
de janeiro
Os
bons discursos são aqueles que mesmo tendo sido feitos em um passado recente ou
remoto, conservam sempre uma grande parcela de atualidade, que nos faz refletir
sobre a nossa história de vida, ou sobre a história de nossa coletividade
enquanto nação. Foi pensando nessas questões que resolvi ir buscar, em passado
recente, esse discurso de Barack Obama, feito durante uma visita ao Brasil, em
2011.
O
presidente norte-americano esteve no país entre os dias 19 e 20 de março
daquele ano. Ele veio acompanhado esposa, Michelli, das filhas: Mallia e Sasha,
e da sogra Mirian Shields Robson. Junto
com a família Obama veio uma comitiva de cerca de 800 pessoas.
Obama
foi recebido, primeiramente, em Brasília, pela presidente Dilma Roussef. Cumprindo uma agenda de negócios, o
presidente participou de um encontro com empresários dos dois países onde
discutiu, dentre outros assuntos, as exportações americanas e investimentos em
setores como infraestrutura e energia. Após cumprir a agenda em Brasília, Barck
Obama foi ao Rio de janeiro.
No
domingo, pela manhã, Obama visitou o Cristo Redentor, monumento pelo qual ficou
maravilhado. Após essa visita turística,
o presidente foi à favela Cidade de Deus, onde conheceu projetos sociais
desenvolvidos pelos moradores daquela comunidade e conheceu também uma Unidade
de Polícia Pacificadora (UPP).
Ainda
no Rio, na tarde de domingo, 20 de março de 2011, Barack Obama discursou para
mais de 2.000 pessoas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na
Cinelândia. Nesse discurso, ele faz um
passeio pela história traçando analogias na formação das nações brasileira e
americana. Diz que o primeiro líder de
um país a visitar os Estados Unidos foi um representante brasileiro. “O
primeiro líder de um país a visitar os Estados Unidos foi Dom Pedro II (rei do
Brasil)”. O presidente americano também se
refere à corrupção como fator que pode “apodrecer uma sociedade e roubar seres
humanos de sua dignidade e oportunidades”. Fala também de avanço na democracia:
“Onde que a luz da liberdade seja acesa, o mundo se torna mais luminoso”. Além disso,
fala também da parceria Brasil - Estados Unidos.
É
um discurso que vale a pena conhecer.
Alô,
Rio de Janeiro.
Alô,
Cidade Maravilhosa.
Boa
tarde, todo o povo brasileiro.
Desde
o momento em que chegamos o povo desta nação tem gentilmente mostrado à minha
família o calor e a generosidade do espírito brasileiro, obrigado. Quero
agradecer a todos por estarem aqui, pois me disseram que há um jogo do Vasco ou
do Botafogo... Eu sei que os brasileiros não abrem mão de seu futebol tão
facilmente.
Uma
das primeiras impressões que tive do Brasil veio de um filme que vi com minha
mãe quando eu era muito pequeno. Um filme chamado "Orfeu negro", que
se passava nas favelas durante o carnaval. E minha mãe adorava aquele filme,
tinha música e dança e como pano de fundo, os lindos morros verdes. Esse filme
estreou primeiramente como uma peça bem aqui, no Theatro Municipal.
Minha
mãe já faleceu, mas ela jamais imaginaria que a primeira viagem de seu filho ao
Brasil seria como presidente dos EUA. Ela jamais imaginaria isso. E eu jamais
imaginaria que este país seria ainda mais bonito do que no filme. Vocês são, como
o cantor Jorge Benjor diz, “Um país tropical abençoado por Deus e bonito por
natureza”.
Vi
essa beleza nas encostas dos morros, nas infindáveis milhas de areia e oceano e
nas vibrantes e diversificadas multidões de brasileiros que vieram aqui hoje. E
nós temos um grupo maravilhosamente misturado: cariocas, paulistas, baianos,
mineiros. Temos homens e mulheres das cidades até o interior e tanta gente
jovem aqui, que são o grande futuro desta grande nação.
Ontem
tive um encontro com sua maravilhosa nova presidente, Dilma Rousseff, e
conversamos sobre como fortalecer a parceria entre nossos governos. Mas hoje
quero falar diretamente com o povo brasileiro sobre como podemos fortalecer a
amizade entre nossos países. Vim aqui para compartilhar algumas idéias, pois
quero falar sobre os valores que compartilhamos, as esperanças que temos em
comum e a diferença que podemos fazer juntos.
Se
você parar para pensar, as jornadas dos EUA e do Brasil começaram de formas
parecidas. São duas terras com abundantes recursos naturais, terras natais de
povos indígenas antiqüíssimos. As Américas foram descobertas por homens que
vieram do outro lado do oceano como um “novo mundo” e colonizadas pelos
pioneiros que ampliaram os territórios rumo ao Oeste atravessando imensas fronteiras.
Nos tornamos colônias dominadas por coroas distantes, mas logo declaramos nossa
independência e, em seguida, recebemos grandes quantidades de imigrantes em
nossas costas e mais tarde, depois de muita luta, limpamos a mancha da
escravidão de nossas terras.
Os
EUA foram a primeira nação a reconhecer a independência do Brasil e a primeira
a estabelecer um posto diplomático neste país. O primeiro líder de um país a
visitar os EUA foi Dom Pedro II. Na Segunda Guerra Mundial nossos corajosos
homens e mulheres lutaram lado a lado pela liberdade. E depois da guerra,
nossas duas nações lutaram para conseguir as bênçãos plenas da liberdade.
Nas
ruas dos EUA, homens e mulheres marcharam e sangraram e alguns até morreram
para que todos os cidadãos pudessem usufruir das mesmas liberdades e
oportunidades, não importa como fosse sua aparência, não importa de onde você
viesse. No Brasil vocês lutaram contra duas décadas de ditadura, lutando pelo
mesmo direito de ser ouvidos, o direito de ser livres: livres do medo, livres
da necessidade. E, mesmo assim, durante anos, a democracia e o desenvolvimento
demoraram a se estabelecer e milhões sofreram por causa disso.
Mas
venho aqui hoje porque esses dias passaram. Hoje, o Brasil é uma democracia
desabrochando, um lugar onde as pessoas são livres para falar o que pensam e
escolher seus líderes e onde um garoto pobre de Pernambuco pode sair de uma
fábrica de cobre e chegar ao gabinete mais elevado no país. Na última década, o
progresso feito pelo povo brasileiro inspirou o mundo.
Pois,
hoje, metade deste país é considerado classe média. Milhões foram retirados da
pobreza. Pela primeira vez a esperança está voltando a lugares onde antes
prevalecia o medo. Eu vi isso hoje, quando visitei a Cidade de Deus. Não se
trata apenas dos novos esforços com segurança e programas sociais. E quero dar
os parabéns ao prefeito e ao governador pelo excelente trabalho que estão
fazendo. Mas também é uma mudança de atitude.
Como
um jovem morador disse, as pessoas não devem olhar a favela com pena, mas como
uma fonte de presidentes, advogados, médicos, artistas e pessoas com soluções.
A cada dia que passa, o Brasil é um país com mais soluções. Na comunidade
global, vocês passaram de contar com o ajuda de outros países a agora ajudar a
lutar contra a pobreza e a doença onde quer que elas existam.
Vocês
desempenham um papel importante nas instituições globais ao promover nossa
segurança como um todo e nossa prosperidade como um todo. E vocês receberão o
mundo em seu país quando a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos vierem ao Rio de
Janeiro. Vocês sabem que esta cidade não foi minha primeira escolha para os
Jogos Olímpicos, mas, se os jogos não pudessem ser realizados em Chicago, não
tem lugar em que eu gostaria mais de vê-los do que aqui no Rio.
Por
isso pretendo voltar em 2016 para ver o que acontece. O Brasil foi durante
muito tempo um país cheio de potencial, mas atrasado pela política, tanto aqui
quanto no exterior. Durante muito tempo o Brasil foi o “país do futuro” e
disseram para que ele esperasse pelos dias melhores que viriam em breve. Meus
amigos, este dia, finalmente, chegou. Este não é mais o “país do futuro”, as
pessoas do Brasil devem saber que o futuro já chegou e está aqui agora. É hora
de tomar posse dele.
Nossos
países nem sempre concordaram em tudo. E assim como ocorre com muitas nações,
teremos nossas diferenças de opinião ao avançar. Mas estou aqui para lhes dizer
que o povo americano não apenas reconhece o sucesso do Brasil, nós torcemos
pelo sucesso do Brasil enquanto vocês confrontam os muitos desafios que ainda
enfrentam em casa e no exterior, vamos ficar juntos, não são como parceiros
sênior e júnior, mas como parceiros iguais, unidos pelo espírito do interesse
comum e do respeito mútuo, comprometidos para com o progresso que sei que podermos
fazer juntos.
Tenho
certeza de que podemos fazer isso. Juntos, podemos aumentar nossa prosperidade
em comum. Sendo duas das maiores economias do mundo, trabalhamos lado a lado
durante a crise financeira para restaurar o crescimento e confiança. E para
manter nossas economias crescendo, sabemos do que é necessário em ambas as
nações. Precisamos de uma força de trabalho capacitada e é por isso que
empresas brasileiras e americanas assumiram um compromisso de aumentar o
intercâmbio de estudantes entre nossas nações.
Precisamos
de um compromisso com a inovação e a tecnologia, por isso concordamos em
aumentar a cooperação entre nossos cientistas, pesquisadores e engenheiros.
Precisamos de infra-estrutura da mais alta qualidade e por isso as empresas
americanas também querem ajudá-los a construir e preparar a cidade para o
sucesso olímpico. Numa economia globalizada, os EUA e o Brasil deveriam
expandir o comércio, expandir investimentos, de modo a criar novos empregos e
novas oportunidades em ambas nossas nações, por isso estamos trabalhando para
derrubar barreiras para fazer negócios.
Por
isso estamos criando relacionamentos mais próximos entre nossos trabalhadores e
nossos empreendedores. Juntos também podemos trabalhar pela segurança da
energia e proteger nosso lindo planeta.
Sendo
dois países comprometidos com economias mais verdes, sabemos que a solução
definitiva ao desafio da energia virá da criação de fontes de energias limpas e
renováveis. Por isso a metade dos carros daqui pode circular com bicombustível
e a maior parte de sua eletricidade vem de hidroelétricas. E por isso também
demos início a uma nova indústria limpa de energia nos EUA. Por isso os EUA e o
Brasil estão criando novas parcerias na área de energia, para compartilhar,
criar novos empregos e deixar para nossos filhos um mundo mais limpo e mais
seguro do que encontramos.
Juntas,
nossas duas nações também podem ajudar a defender a segurança de nossos
cidadãos. Estamos trabalhando juntos para deter o narcotráfico que destruiu
vidas demais neste hemisfério. Buscamos o objetivo de um mundo sem armas
nucleares. Estamos trabalhando juntos para aumentar nossa segurança ente
hemisférios. Da África ao Haiti, estamos trabalhando lado a lado para combater
a fome, doença e corrupção que podem apodrecer uma sociedade e roubar seres
humanos de sua dignidade e oportunidades.
Sendo
dois países que foram tão enriquecidos pela herança africana, é vital que
trabalhemos juntos com o continente africano para ajudá-lo a se erguer. É algo
que devemos nos comprometer a fazer, juntos. Hoje também estamos dando apoio e
ajuda ao povo japonês em sua maior hora de necessidade. Os laços que unem nossa
nação ao Japão são fortes. O Brasil é o lar da maior população japonesa fora do
Japão. Nos EUA, solidificamos uma aliança com eles que já tem mais de 60 anos.
Os
japoneses são alguns de nossos amigos mais próximos e ficaremos ao lado deles,
rezaremos com eles e reconstruiremos com eles até que essa crise esteja
terminada. Nestes e em outros esforços para promover paz e prosperidade no
mundo todo, os EUA e o Brasil são parceiros não apenas porque compartilhamos
história ou por estarmos no mesmo hemisfério, não apenas por compartilharmos
laços de comércio e cultura, mas também porque compartilhamos de valores e
ideais duradouros.
Ambos
acreditamos no poder e na promessa da democracia, acreditamos que nenhuma forma
de governo é mais eficaz na promoção de crescimento e prosperidade que alcança
todo ser humano, não apenas alguns, mas todos. E aqueles que discordam dizendo
que a democracia atrapalha o crescimento econômico devem argumentar com o
exemplo do Brasil. Com os milhões que subiram da pobreza para a classe média
não o fizeram numa economia fechada controlada pelo estado, mas o fizeram como
um povo livre, com mercados livres e um governo que responde a seus cidadãos.
Vocês
são a prova de que justiça social e inclusão social podem ser melhor
conquistadas por meio da liberdade e que a democracia é a maior parceira do
progresso humano. Também acreditamos que em países tão grandes e diversos
quanto os nossos, moldados por gerações de imigrantes de todas as raças, fés e
culturas, a democracia dá a maior esperança de que todos os cidadãos sejam
tratados com dignidade e respeito. E que podemos resolver nossas diferenças
pacificamente e encontrar força em nossa diversidade.
Nós
sabemos, nos EUA, como é importante poder trabalhar juntos, mesmo quando discordamos.
Entendo que a forma de governo que escolhemos pode ser lenta e confusa.
Entendemos que a democracia precisa ser fortalecida e aperfeiçoada com o tempo.
Sabemos que diferentes países escolhem caminhos diferentes para atingir a
promessa da democracia. E entendemos que nenhum país deve impor sua vontade
sobre outro.
Mas
também sabemos que existem certas aspirações compartilhadas por todo ser
humano. Todos nós queremos ser livres, queremos ser ouvidos, todos ansiamos por
viver sem medo ou discriminação. Todos nós queremos escolher como seremos
governados. Todos querem moldar seu próprio destino. Esses não são ideais
americanos ou ideais brasileiros, não são ideais ocidentais, são direitos
universais. E devemos apoiá-los em toda parte. Hoje estamos vendo a luta por
esses direitos acontecendo no Oriente Médio e no Norte da África.
Vimos
uma revolução nascer de um anseio por dignidade humana básica na Tunísia e
vimos manifestantes pacíficas, homens e mulheres, jovens e velhos, cristão e
muçulmanos, ocupando praça Tahir e vimos
o povo da Líbia se defendendo corajosamente contra um regime determinado a
tratar com brutalidade seus próprios cidadãos. Em toda parte vimos jovens se
erguendo. Uma nova geração exigindo o direito de determinar seu próprio futuro.
Desde
o início deixamos claro que a mudança que buscam devem ser impulsionada pelo
seu próprio povo. Mas para nossos dois países, para os EUA e para o Brasil –
duas nações que passaram muitas gerações lutando para aperfeiçoar suas próprias
democracias – os EUA e o Brasil sabem que o futuro de nosso mundo era
determinado pelo seu povo. Ninguém pode dizer ao certo como essa mudança
terminará. Mas eu sei que mudança não é algo que devemos temer.
Quando
os jovens insistem que as correntes da História estão se movendo, a carga do
passado pode ser apagada. Quando homens e mulheres exigem pacificamente seus
direitos humanos, nossa humanidade em comum é acentuada. Onde quer que a luz da
liberdade seja acesa, o mundo se torna um mais luminoso.
Esse
é o exemplo do Brasil. Esse é o exemplo do Brasil. Brasil, um país que prova
que uma ditadura pode se tornar uma próspera democracia. Brasil, um país que mostra
que a democracia entrega liberdade e oportunidade a seu povo. Brasil, um país
que mostra que um grito por mudanças vindo das ruas pode mudar uma cidade,
mudar um país, mudar o mundo. Há décadas, foi aqui fora, na Praça da
Cinelândia, o grito por mudança foi ouvido aqui, estudantes e artistas e
políticos de todas as correntes ergueram faixas que diziam “abaixo a ditadura”,
as pessoas no poder.
Suas
aspirações democráticas não seriam realizadas ainda por muito tempo. Mas um dos
jovens brasileiros envolvidos naquele movimento iria mudar para sempre a
história deste país. A filha de um imigrante. Sua participação no movimento fez
com que fosse presa e torturada por seu próprio governo. Ela sabe o que é viver
sem seus direitos mais básicos pelos quais tantos lutam hoje. Mas ela também
sabe o que é perseverar. Ela sabe o que é triunfar. Porque hoje é ela é a
presidente de seu país, Dilma Rousseff.
Nossos
dois países enfrentam muitos desafios. Na estrada à nossa frente, com certeza
encontraremos muitos obstáculos. Mas no fim, é nossa história que nos dá
esperança para um amanhã melhor. É o conhecimento de que os homens e mulheres
que vieram antes de nós superaram desafios maiores que estes e que vivemos em
lugares em que pessoas comuns fizeram coisas extraordinárias.
Esse
senso de possibilidade e de otimismo que primeiro atraiu pioneiros a este
mundo. E isso une nossas nações como parceiros nesse novo século. por isso
acreditamos nas palavras de Paulo Coelho, um de seus mais famosos escritores,
que "Com a força de nosso amor e nossa vontade podemos mudar nosso
destino. E também o destino de muitos outros”.
Muito
obrigado. E que Deus abençoe nossas duas nações.