Fake news e democracia
Terça-feira, 14 de março de 2023
Existe
um ditado popular que diz que “todos os caminhos levam à Roma”. Outro diz que
“quem tem boca diz o que quer”. Mas é preciso ter cuidado. Nem todos os
caminhos levam à Roma. Alguns podem levar para aonde a gente não quer. Se quem
tem boca diz o que quer, tem de estar preparado para ouvir o que não quer.
O
mundo, de um modo geral, tem entrado pelos caminhos perigosos abertos pela
extrema-direita. E essas vias com certeza não levarão o mundo à “cidade eterna”
com sua rica história, a beleza de sua cultura, arte, e arquitetura, mas, sim
ao reino tenebroso do ódio, do preconceito, e da intolerância.
E,
se olharmos por cima dos ombros, para um passado não muito distante e chegarmos
até a Alemanha de Hitler ou a União Soviética de Stalin, veremos que os líderes
dessas nações, de forma mais contundente, a Alemanha, trilharam esses caminhos
odiosos. E todos sabemos quais são as consequências de enveredar por essas
trilhas.
Dentro
do espectro ideológico, o surgimento e ascensão do partido nazista foi o que de
pior aconteceu na Alemanha. O nazismo encarnou o ódio em sua forma mais
perversa e mais radical. Uma das armas mais eficazes da propaganda do Terceiro
Reich — magistralmente usada a serviço do mal por Joseph Goebels — foram o que
hoje chamamos de fake news, e olhem que naquele tempo nem existia essa
comunicação instantânea que a Internet nos proporciona atualmente. Imaginem
então se naquela época, os nazistas dispusessem de meios de comunicação tão
potentes.
A
segunda guerra acabou, Hitler suicidou-se, e junto com ele morreu o nazismo. O mundo
se reorganizou, entretanto, não conseguiu se livrar dos discursos de ódio que
brotam aos borbotões de bocas malditas e corações trevosos.
E
os herdeiros desses discursos hoje são os movimentos de extrema-direita, ou
ultradireita, como são conhecidos esses movimentos, que são o lado mais radical
e violento do espectro político.
Apesar
dos meios de comunicação terem dado saltos enormes em relação a época na qual a
propaganda nazista funcionava a todo vapor, espalhando inverdades a respeito
dos judeus, e de outros grupos que eles consideravam indignos de viver, o meio
de conquistar corações e mentes fracos continua sendo o mesmo: as fake news.
Agora potencializadas pelas redes sociais. E isso é perigoso em qualquer
sociedade. É perigoso também na sociedade brasileira.
Até
o ano passado e início deste ano, nós, brasileiros, nos deparávamos com cenas
chocantes, inacreditáveis, verdadeiras aberrações. Vimos fieis se prostrarem
nas igrejas e jejuaram pela vitória de um candidato homofóbico, preconceituoso,
amante do ódio e da mentira. Milhares de pessoas acampando em frente aos
quarteis e invocando até mesmo aos ETs, clamando por um golpe militar.
Bloqueando rodovias por não aceitarem a vitória democrática, confirmada pelas
urnas. Vimos as fake news se alastrarem pela sociedade feito palito de fosforo
jogado em paiol de pólvora. O ápice de toda essa aberração foi a destruição da
sede dos poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro deste ano.
O
pior de tudo isso, e o mais preocupante é que os fabricantes de fake news, os
disseminadores de mentiras e inverdades chegaram ao Congresso, e o que é ainda
pior, levados pelos braços do povo. Já haviam alguns, nas últimas eleições,
chegaram mais.
A
mais recente aberração que presenciamos aconteceu no dia 8 de janeiro, Dia
Internacional da Mulher. Naquele dia, o jovem deputado Nikolas Ferreira (PL),
Minas Gerais. As deputadas queriam ocupar a tribuna da Câmara dos Deputados,
para fazer discursos que exaltassem o valor e o direito das mulheres.
Realmente, aquele dia não era lugar de fala para radicais. Não era lugar de
fala para Nikolas.
O
que ele fez então? Vestiu uma peruca loira, disse que se chamava deputada
Nikole e iniciou um discurso transfóbico, ofendendo as mulheres trans. “As mulheres estão perdendo seu espaço para
homens que se sentem mulheres”, disse ele.
As
eleições de 2022 representaram um avanço no sentido da inclusão. Nelas foram
eleitas as primeiras deputadas transexuais do Brasil. São Paulo elegeu Erika
Hilton (PSOL), e Minas Gerais elegeu Duda Salabert (PDT). Ambas já haviam sido
pioneiras ao serem eleitas as primeiras vereadoras trans em seus munícipios. Os
legislativos estaduais também elegeram mulheres trans. Rio de Janeiro elegeu
Dani Balbi (PC do B). E Sergipe elegeu Linda Brasil (PSOL).
Porém,
em sua fala preconceituosa, Nikolas ofende, não apenas as mulheres trans, mas
sim, a todas as mulheres de modo geral.
“Quando você ofende uma mulher, você ofende a
todas as outras! Transfobia é crime e não podemos fingir que nada aconteceu”,
escreveu no Instagram a deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
O
que impressiona é que depois dos ataques às mulheres trans, o número de
seguidores do deputado Nikolas aumentou em 46 mil. Ou seja, arrebatou mais 46
mil pessoas dispostas a odiar. Isso é preocupante. E é mais preocupante ainda
quando pensamos que anos atrás havia no parlamento um deputado do baixo clero
que pregava discurso de ódio, e esse deputado, por força das circunstâncias
chegou à presidência da República, e quase jogou o Brasil de volta a um regime
ditatorial. Por isso devemos ficar de olhos e ouvidos bem abertos a essas falas
de radicais.
Por
tudo isso e muito mais, o discurso sobre a regulamentação das redes sociais tem
ganhado cada vez mais força. As redes sociais tem sido o principal veículo de
comunicação para muita gente. No entanto, elas não estão sujeitas às mesmas
regras a qual estão submetidas os veículos de comunicação tradicionais.
Nesta
segunda-feira, 13, durante o seminário, Liberdade de Expressão, Redes Sociais e
Democracia, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no bairro de
Botafogo, no Rio de Janeiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira,
criticou as prisões por fake news.
“Redes sociais são instrumentos da democracia
porque brasileiros passaram a demonstrar suas opiniões lá. Expandiu o debate da
democracia. Mas podem representar obstáculos, sendo o mundo digital a nova
ágora grega ou fórum romano. Não é necessário prender alguém para silenciá-lo.
Incluindo jornalistas e parlamentares que podem ser calados a um mero clique.
Assim como ataques a democracia jamais serão legítimos à liberdade de expressão”,
disse ele.
Lira
disse ainda que “liberdade de expressão e
democracia são temas caros ao Brasil”, que “no momento em que um dos dois deixou de existir, o outro não estava
vigente”.
Também
esteve presente no evento, Alexandre de Moraes, ministro do STF. Moraes tem
sido um árduo combatente das fake news. Ao contrário de Arthur Lira, ele defende
a regulamentação das redes sociais para evitar a disseminação das notícias
falsas e dos discursos de ódio.
“Essa discussão é importantíssima, porque não
podemos ter dois tipos de tratamento. Tratamentos diversos para o mundo real e
para o mundo das redes sociais. Eu repito o que venho falando há quatro anos:
as redes sociais não são terra de ninguém. Não são terras sem leis. É
necessário o mesmo respeito que tem a liberdade de expressão no mundo real.
Liberdade com responsabilidade. Você pode falar o que quer. Postar o que quer.
Mas você terá responsabilidade penal e responsabilidade civil. Por isso temos
que discutir a forma de regulamentação, mas levando em conta que liberdade de
expressão não é liberdade de ódio, liberdade contra a democracia, como o que
nós vimos nas eleições e o que vem ocorrendo depois delas”.
Toda
aquela destruição em Brasília em 08 de janeiro foi tudo fruto de desinformação.
E, se Jair Bolsonaro tivesse sido eleito para mais quatro anos de governo essa
rede de desinformação promovida por ele, os filhos, e seguidores teria se
potencializado, e correríamos o risco de ter problemas ainda maiores. É
impressionante como o presidente da Câmara dos Deputados não perceba isso.
Na
tentativa de querer blindar os seus aliados e colegas de parlamento, Lira quer
deixar que as ervas-daninhas se espalhem ainda pela plantação, até o dia em que
ela arruíne toda a colheita dos grãos saudáveis. Aí não haverá muito que fazer
senão lamentar.
Não
há como não voltar ao nazismo. Foi exatamente assim que o regime engoliu a
democracia. Foi plantando aos poucos na sociedade alemã a ideia de que o
comunismo iria destruir a sociedade, e por outro lado, incutindo na mente das
pessoas que tudo de ruim que acontecia no país era culpa do povo judeu. E
assim, como serpente venenosa, enrolada sobre si mesma, no momento certo, deu o
bote e engoliu a democracia.
Não
podemos deixar que o mesmo aconteça no Brasil dos dias de hoje. A serpente
venenosa continua a se enrolar sobre si mesma. Não devemos permitir jamais que
ela engula a democracia. Liberdade de expressão e discurso de ódio não são a
mesma coisa. O primeiro é salutar e o segundo é nocivo à sociedade.
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