Carta aos Brasileiros
Sexta-feira, 29 de julho de 2022
E
aqui nem falo da Câmara dos Deputados, e nem da Procuradoria Geral da
República, por que os que comandam esses órgãos Arthur Lira e Augusto Aras,
respectivamente, tornaram-se, por puro interesse e conveniência, vassalos de
Bolsonaro. O primeiro de olho na fortuna do Orçamento Secreto e nos cargos que
o governo pode distribuir para o Centrão, e o segundo, de olho, talvez, numa
sonhada vaga no STF.
Diante
das investidas de Bolsonaro contra a democracia, o que se via desses órgãos,
inclusive do STF, eram tímidas notas de repúdio que nem chegava citar,
diretamente, o nome do responsável por esses ataques.
Mas
enfim, sempre há uma gota d’água a fazer transbordar o copo. E penso que essa
gota d’água foi a convocação dos embaixadores para reunião no Palácio do
Planalto, no qual, mais uma vez, ele fez ataques infundados à democracia, às
urnas eletrônicas, e até mesmo, ameaçou não haver eleições, marcadas para
outubro deste ano.
E
essa forte reação, por incrível que pareça, não veio do STF, nem do TSE, nem da
Câmara dos Deputados, nem do Senado Federal, mas sim, da sociedade civil.
Dois
dias após inusitado encontro do presidente os embaixadores — na qual eles
próprios ficaram estupefatos com tal reunião na qual foram chamados para ouvir
fake news relativas às urnas eletrônicas ditas pelo governante da nação — a Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo (USP), lançou o documento “Carta aos
Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”.
O
documento foi divulgado na terça-feira, 26, no site da universidade, site no
qual também é possível assinar o documento. Com apenas três dias de lançamento
a carta já conseguiu reunir mais de 400 assinaturas. Também deve ser lançada uma
versão em inglês do documento, uma vez que, depois do Brasil, os Estados Unidos
são o país que tem mais acessos à página. No ranking de acesso, após Brasil e
EUA, estão Portugal, Reino Unido e Alemanha.
Mas
nem todo mundo quer democracia. Há aqueles que preferem viver sob o julgo das
ditaduras. Prova disso é que desde que foi lançada a página já sofreu mais de
2.300 tentativas de ataque hacker. “Tentam
invadir o sistema e tentam principalmente derrubar o site. Pelo que soubemos,
colocaram nosso site na deep web e estão incentivando as pessoas a derrubar o
site por lá. Eles estão usando palavras de baixo calão, xingamentos, agressões,
e tentam se inscrever por outras pessoas, para depois deslegitimar a lista”,
disse o procurador-geral do Ministério Público de Contas do Estado de São
Paulo, Thiago Pinheiro Lima, um dos idealizadores do evento, em entrevista ao
portal G1.
Porém,
ainda segundo Thiago, esses ataques já eram esperados e para a página também
foi pensado forte esquema de segurança. Tanto é que nenhum desses ataques,
muitos feitos por especialista em ataques hacker, conseguiu derrubar a página.
Entre
os que assinam a carta estão nomes de peso nas mais diversas áreas de atuação
da sociedade. Assinando o documento estão banqueiros, juristas, políticos,
artistas, empresários.
E
adivinhem quem anda bastante irritado com um movimento em favor da democracia.
Se você pensou no presidente Jair Bolsonaro, acertou. Na quinta-feira, 27, em uma
convenção do partido Progressitas, em Brasília ele ironizou a Carta aos
Brasileiros, dizendo que não precisava de nenhuma “cartinha” para demonstrar
seu apoio às instituições.
Aprovietando
a onda iniciada pela USP, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
também prepara manifesto em defesa da democracia, e que deverá ser lido
separadamente, mas durante o evento no Largo de São Francisco, no mesmo evento
que lançará a Carta aos Brasileiros, da Faculdade de Direito da USP. A carta da
Fiesp será assinada por entidades.
Na
live desta quinta-feira, 28, Bolsonaro disse que o manifesto a favor da
democracia organizado pela Fiesp é uma para beneficiar o também candidato à
presidência, Luís Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro
também lançou na live a Carta de Manifesto em Favor da Democracia. Obviamente
sem o peso, a seriedade, e a importância da iniciativa feita pela Faculdade de
Direito da USP. Para assinar o manifesto da universidade, a pessoa tem que
entrar na página, assinar nome, colocar CPF, no manifesto lançado pelo
presidente na rede social, basta uma curtida.
A
“Carta aos Brasileiros”, tem um quê de histórica. Em 08 de agosto de 1977, um
Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco
repleto de estudantes, gente do povo, artistas, políticos, empresários,
juristas, professores, o professor Godoffredo da Silva Telles Junior lia a Carta aos Brasileiros.
Naquela
época, o Brasil viva sob a cortina do ferro da ditadura e o manifesto lido pelo
professor a toda a sociedade brasileira era também um ato de repúdio a
ditadura. A gota d’água naquela época havia sido uma alteração da constituição
permitindo que se criasse os senadores biônicos e adotava outras medidas de
restrição da liberdade.
No
próximo dia 11 de agosto, no mesmo cenário, a Faculdade de Direito, no Largo de
São Francisco, será lida uma nova versão da Carta aos Brasileiros. No passado
estávamos vivendo em plena ditadura e queríamos uma democracia. Hoje, vivemos
numa democracia e estamos dizendo que queremos permanecer nela, diante dos
ataques à democracia e ameaça de golpe feitas constantemente pelo presidente
Jair Bolsonaro.
Nessa
luta contra o voto eletrônico Bolsonaro tem tentado puxar para o lado deles os
militares, categoria que não faz o menor sentido estar querendo dar palpites em
eleições. O papel deles é cuidar da defesa do país. Também não se pode
dispensar a participação dos militares nesse processo, porém, eles devem colaborar,
e colaboram muito na parte logística.
Falando
em militares, o Brasil sedia entre 25 a 29 de julho, a 15ª Conferência de
Ministros de Defesa das Américas (CMDA). 34 países enviaram representantes para
a reunião. O evento foi criado em 1995 e se destina a promover o conhecimento
recíproco, a análise, o debate e troca de ideias e experiências na área de
Defesa. A CMDA acontece a cada dois anos.
Na
terça-feira, 26, no discurso de abertura, o ministro da Defesa brasileiro,
Paulo Sérgio Nogueira, disse que respeita a Carta Democrática Interamericana,
aprovada em 1º de Setembro de 2001, durante sessão especial da Assembleia da
Organização dos Estados Interamericanos (OEA), Lima, Peru. A carta tem como
objetivo principal a luta pelo fortalecimento da democracia e o repúdio às
rupturas da ordem democrática.
Nesta
quinta-feira, 28, o ministro assinou a Declaração
de Brasília, documento elaborado durante a Conferência. O documento defende
a defesa dos valores democráticos e a promoção da paz. A Declaração de Brasília também foi assinada por ministros de Defesa
de outros 20 países.
Alguns
pontos aqui. O primeiro é que o ministro da Defesa de um país democrático dizer
que é a favor da democracia nem deveria ser notícia, deveria ser algo tão
normal que não merecesse manchete. Só por aí a gente vê que há algo que não se
encaixa. Um ponto fora da curva.
Segundo
é sobre que conceito de democracia tem o ministro da Defesa. Democracia para
ele pode não ser a mesma coisa que para nós que acreditamos nos valores
democráticos. Por exemplo, Bolsonaro diz que é democrata, que respeita a
democracia, mas age de forma a desdizer isso. Ontem mesmo, como falei, lançou
na rede social dele um manifesto em defesa da democracia. Mas com certeza o
conceito que o presidente tem democracia, não é o mesmo que o nosso.
Por
esse motivo ponho pé atrás com Paulo
Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, pois ele tem ajudado a colocar lenha nessa
fogueira da desconfiança em relação às urnas eletrônicas armada pelo presidente
Jair Bolsonaro.
O
jornalista Guilherme Amada relata em sua coluna no site do Metrópole, que Paulo
Sérgio Nogueira, no dia 06 de julho, se recusou a responder a uma pergunta
sobre a possibilidade de um golpe militar.
O
fato se deu após uma reunião da Comissão de Relações Internacionais e Defesa
Nacional, realizada na Câmara dos Deputados. O jornalista perguntou ao ministro
se havia alguma chance de um golpe militar no Brasil. Ao que o ministro
respondeu: “Ah, pô, tu vai me perguntar
isso aqui agora? Dá licença aí”. Antes da reunião, enquanto discursava,
Nogueira cometeu um ato falho ao chamar Bolsonaro de general, e logo em
seguida, corrigiu a falha.
Em
junho, o ministro da Defesa havia enviado um ofício ao Tribunal Superior
Eleitoral no qual dizia que as forças Armadas estavam se sentindo
desprestigiadas no grupo de transparência das eleições criada pelo Tribunal. No
ofício, Paulo Sérgio também diz que “não
interessa concluir o processo eleitoral sob a sombra da desconfiança dos
eleitores”.
Para
mim, essa frase do ministro soa como uma ameaça. Também quando ele fala em “desconfiança
dos eleitores”, ele deve estar se referindo não à totalidade dos eleitores, mas
dos eleitores de Bolsonaro.
Não
poderia terminar esse texto sem falar da varíola dos macacos.
O
Brasil registrou nessa sexta-feira, 29, a primeira morte pela doença. A vítima
é um homem, 41 anos, morador da cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Segundo o
Ministério da Saúde, a vítima tinha imunidade baixa, sofria de câncer, e outras
comorbidades, o que contribuiu para o agravamento da doença que o levou à
morte. Essa foi a primeira morte provocada pela doença registrada fora da
África.
A
varíola dos macacos, até agora, foi diagnosticada em 16 mil pacientes,
espalhados em 74 países. No dia 23 de julho a OMS classificou a doença como
emergência de saúde global. Aqui no Brasil já foram detectados 900 casos da
doença.
Para
terminar, de fato, esse texto, convido o leitor a assinar a Carta aos Brasileiros,
manifesto iniciado pela Faculdade de Direito da USP, e fazer parte dessa
história.
Segue
o link para a página.
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