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Tensão pré-candidatura

Posted by Cottidianos on 11:53

Domingo, 03 de abril



Na sexta-feira, dia 01 de abril, exatamente às 23h59min, fechou-se uma janela. Fechou-se a janela partidária. Essa janela nada mais é um recurso que a lei eleitoral brasileira encontrou para permitir que candidatos mudem de partido sem que para isso tenham de sofrer punição, como a perda do mandato, por exemplo.

Ela acontece a cada ano eleitoral e nele os parlamentares têm um prazo de trinta dias para mudar de legenda. O período estabelecido para essas mudanças é seis meses antes das eleições. Neste ano de 2022, as eleições estão para marcadas para o dia 02 de outubro. A janela eleitoral foi regulamenta pela Reforma Eleitoral de 2015 (Lei no 13.165/2015).

Porém, a lei estabelece que que poderá usufruir desse recurso os parlamentares que estejam no término do mandato vigente. Por exemplo: Mesmo que um vereador quisesse mudar de partido agora, não poderia, teria que esperar as eleições municipais para fazer isso. Assim como deputados federais e estaduais só podem mudar de legenda seis meses antes das eleições para esses cargos.

Candidatos que trocarem de partido antes desse prazo podem sofrer sanções, inclusive, a perda de mandato. Entretanto, algumas situações como a fusão de partidos, desvio do programa partidário, e grave discriminação pessoal permitem que haja troca de legendas sem que haja punição para o parlamentar.

Geralmente, nesse período de janela partidária a dança das cadeiras é grande, e esse ano não foi diferente. Um em cada dez deputados federais mudou de partido desde que foi aberta a janela partidária.

Ficou assim o quadro dos partidos na Câmara dos Deputados, de acordo com tabela extraída do site da Câmara dos Deputados.

Bancadas na Câmara

Partido

Posse

Hoje

Diferença

PL/PR

33

69

+36

PT

54

54

0

União

-

53

-

PSL*

52

-

-

DEM*

29

-

-

PP

38

49

+11

Republicanos/PRB

30

44

+14

PSD

35

40

+5

MDB

34

32

-1

PSDB

29

29

0

PSB

32

28

-4

PDT

28

22

-6

PSC

8

12

+4

Solidariedade

13

11

-2

PROS

8

9

+1

PSOL

10

9

-1

Avante

7

8

+1

Novo

8

8

0

PCdoB*

9

8

-1

Podemos*

11

8

-3

Cidadania/PPS

8

7

-1

PTB

10

5

-5

Patriota*

5

4

-1

PV

4

2

-2

Rede

1

1

0

DC

1

0

-1

PMN

3

0

-3

PTC

2

0

-2

PHS*

6

PPL*

1

PRP*

4




Apesar de toda essa movimentação, quem fez incendiar o cenário político essa semana foi mesmo a corrida presidencial, em especial o PSDB e o União Brasil.

É sabido por todos que o governador de São Paulo, João Dória, sonha, faz tempo, em ocupar a cadeira presidencial, sonho que se tornou manifesto depois que assumiu o governo de São Paulo. Essa também foi uma das causas do rompimento com Jair Bolsonaro. Dória se elegeu governador de São Paulo na onda bolsonarista que levou Jair Bolsonaro ao poder.

Porém, como sabemos, Jair Bolsonaro só permite que apenas no céu da política brilha apenas um nome: o dele mesmo. E isso vale para qualquer pessoa, seja ela aliado, ministro, amigo, inimigo, enfim, qualquer pessoa diante dele, e na visão dele, tem que ficar em segundo plano. Até intérprete de libras entra nessa conta.

No dia último dia 27 de março, ocorria um evento do PL, em Brasília. Fabiano Guimarães da Rocha atuava como intérprete de libras nesse evento. O palco estava lotado e o intérprete ficava cada vez mais para trás, o que, obviamente, impedia-o de realizar bem o seu trabalho. Fabiano então abriu espaço entre as personalidades presentes e, por azar, acabou ficando bem na frente de Jair Bolsonaro, que não gostou nada disso, e visivelmente irritado, empurrou o intérprete novamente para trás. Uma situação que pode parecer engraçada, mas que traduz bem o narcisismo do presidente.

Voltando a relação Jair Bolsonaro e João Dória, Na verdade, o palito de fósforo que acendeu o pavio que detonou a amizade entre Dória e Bolsonaro foi a Fórmula 1. Isso mesmo, a famosa F1.

Era dia 19 de junho de 2019 e os dois políticos participavam de uma cerimonia de formatura na academia de Polícia Militar. Em clima de amizade eles se desafiaram a ver que fazia mais flexões. E lá se foram os dois a fazer flexões. Outros afagos foram trocados naquele mesmo dia entre os dois.

Mas a briga pelo poder, geralmente, desconhece a palavra amizade. Apenas cinco dias depois daquele evento, Bolsonaro anunciou que a F1, disputado todos os anos no autódromo de interlagos, em São Paulo, tinha 99% de chances de ser transferido para o Rio de Janeiro. Começava ali, de fato, a inimizade entre os dois políticos.

Se antes se travou um desafio de flexões entre amigos, agora se travava uma queda de braços entre inimigos para ver se a F1 ficava em São Paulo ou ia para o Rio de Janeiro. A briga durou dezessete meses, mas em 12 de novembro de 2020, Dória anunciava que a F1 ficaria mesmo em São Paulo. O tucano havia vencido da queda de braço.

Então veio a pandemia, os loockdown, as vacinas, as críticas de Bolsonaro à Coronavac, críticas à vacina que beiravam à sabotagem, Dória fazendo um excelente trabalho na luta contra o coranavírus, mas sempre de olho na presidência.

Vieram também muitas brigas internas no PSDB na escolha da pré-candidatura à presidência da República. Nas prévias do partido realizadas em 27 de novembro do ano passado, se apresentaram três candidatos; Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, Arthur Virgílio Neto, ex-prefeito de Manaus, e João Dória, governador de São Paulo. Após computados os votos dos filiados ao partido o resultado foi o seguinte; João Dória (53,99%) dos votos, Eduardo Leite (44,66%), e Arthur Virgílio Neto (1,35%). Apesar de tudo resolvido, dentro do partido havia algumas rusgas, alguns conflitos. Uma ala do partido ainda preferia Eduardo Leite como candidato.

                                                                                  João Dória

Até que, na quinta-feira, 31 de março, o mundo político, e principalmente o mundo político do PSDB amanheceu em polvorosa. João Dória havia anunciado nas primeiras horas da manhã daquele dia que estava desistindo de concorrer a presidência pelo PSDB, e que não deixaria o cargo de governador, como estava previsto no script desde novembro de 2021.

Dória cancelou as agendas que teria naquele dia, mas manteve o compromisso com os prefeitos do partido que aconteceria no Palácio dos Bandeirantes, às 16hs. Segundo disseram aliados, o governador também faria mais dois anúncios, além da desistência da candidatura à presidência: o de que deixaria o PSDB, e que não tentaria a reeleição ao governo de São Paulo.

A cúpula do PSBD não gostou nada dessa novidade. Quem gostou menos ainda foi o vice-governador Rodrigo Garcia, que vinha se preparando para assumir o governo do estado quando Dória renunciasse ao cargo para se dedicar a campanha presidencial.

Houve uma reunião antes, na qual Garcia foi comunicado da intenção de Dória de desistir da candidatura à presidência e sua continuação no governo do estado. O vice-governador imediatamente resolveu pedir demissão da secretaria de governo, e se filiar ao União Brasil.  

Aliados de Rodrigo Garcia ameaçaram fazer andar na Assembleia Legislativa de São Paulo processo de impeachment contra João Dória, e prometeram fazer esse processo andar a passos muito rápido. A possibilidade desse processo ir adiante era muito remota, mas, com certeza, iria incendiar ainda mais o paiol do PSDB.

É compreensível a irritação de Garcia. Ele deve ter visto o movimento de Dória como uma traição. Garcia era do antigo DEM, que se fundiu com o Partido Social Liberal (PSL), para formar o União Brasil.

A convite do próprio Dória, Garcia veio para o PSDB. A intenção era de que Dória tivesse uma plataforma sólida em São Paulo para sua candidatura a presidência, em contrapartida, Garcia poderia fazer campanha ao governo de São Paulo, como governador, com a máquina pública nas mãos.

O que não estava nos planos de Dória, de Garcia e da cúpula do PSDB era a de que as primeiras pesquisas eleitorais indicassem uma pontuação tão baixa. Na pesquisa do Data Folha de 24 de março, Dória atingiu apenas 2% das intenções de votos. Isso foi um balde de água fria para a equipe que trabalha em sua campanha.

Então, para Rodrigo Garcia que pretende ser tornar o governador de São Paulo nas próximas eleições, Dória, com um índice de rejeição tão alto, seria mais um peso que um impulso. Atuando como governador, ele teria mais chances de se dissociar sua imagem da imagem de Dória.

O circo pegou fogo no PSDB durante todo aquele dia. As pressões em cima de João Dória foram enormes, e ele sentiu na pele que, em política, vale mais a vontade da coletividade que a vontade individual.

Então veio a reunião dos prefeitos, aquela na qual Dória deveria anunciar a existência de sua candidatura à presidência. Mas o que ouviu da boca do então governador foi uma confirmação de sua candidatura, e não uma desistência. E todo mundo ali, com sorriso no rosto, aparentemente fingia que nada havia acontecido, inclusive, Rodrigo Garcia.

Obviamente, o fato de João Dória não ter desistido da candidatura não abranda a crise que ronda o PSDB. A ameaça de incêndio continua. Desde as convenções dos partidos para oficializarem seus candidatos, que deverão ocorrer a partir de 20 de julho, até o pedido de registro da candidatura no TSE que deverá ser feito até o dia 15 de agosto, pode ser que ainda mude muita coisa... Ou pode ser que não.

                                                                            Sérgio Moro

Já o ex-juiz, Sérgio Moro, foi anunciado primeiramente como pré-candidato do Podemos. No mesmo dia em que o caldeirão do PSDB fervia, o do Podemos também fervia com a mesma intensidade. Naquele mesmo dia 31 em que João Dória anunciou a desistência de sua candidatura, e depois voltou atrás, Moro também anunciava sua saída do Podemos para entrar no União Brasil, e a desistência de sua candidatura à presidência. “Para ingressar no novo partido, abro mão, neste momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor” escreveu Moro em suas redes sociais.

A comunicação e a consideração de Sérgio Moro com o Podemos parece não ter sido das melhores, pois a presidente do partido, a deputada federal Renata Abreu (SP), disse ter sabido da ida de Moro para o União pela imprensa. “Para surpresa de todos, tanto da Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável” disse ela em nota.

Na verdade, uma ala do União Brasil queria Moro no partido, mas não como candidato à presidência, mas sim, que ele concorresse nas eleições como deputado estadual, deputado federal, ou senador. Essa ala defende que Moro precisa ser mais experimentado no mundo político, antes de assumir um cargo da envergadura da presidência da República. Lembremos que Moro nunca foi político, foi juiz. E o mundo do Judiciário é totalmente diferente do mundo político. Esse tem muito mais armadilhas e artimanhas que o universo judiciário.

Era uma espécie de acordo entre o União Brasil e Sérgio Moro. Mas o ex-juiz parece ser aquele tipo de homem que diz uma coisa hoje, e amanhã faz o oposto daquilo que diz. Lembremos que, quando ainda era juiz, e era questionado pela imprensa se tinha pretensão de assumir algum cargo político, sempre afirmava que não. E não foi uma nem duas vezes que ele disse isso, foram várias. Em uma delas, em entrevista ao jornal o Estado de São Paulo, em 2016, quando perguntado se pretendia ir para a política, Moro respondeu: “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem de política”.

Passado apenas um dia de sua filiação ao União Brasil, eis que Sérgio Moro, faz um pronunciamento no qual começa com a frase: “Quero esclarecer que não desisti de nada”, e termina dizendo: “Jamais desistirei”.  No confuso pronunciamento, Moro diz também “Não serei candidato a deputado federal”. Apenas nessas frases, o ex-juiz contrariou o acordo com os dirigentes do União Brasil anunciado no dia anterior.

A ala do partido que é contrária à sua pré-candidatura à presidência e o queria em outro cargo político, não gostou do pronunciamento de Moro e ameaçou abrir um requerimento de impugnação da candidatura dele. O clima ficou pesado no partido.

Na noite deste sábado, 2, em nota assinada por Luciano Bivar, presidente nacional do partido, e ACM Neto, que era um dos defensores do pedido de impugnação da filiação do ex-juiz ao partido, o União Brasil desisti de realizar tal movimento: “O ex-ministro Sergio Moro é um homem íntegro, capaz de enriquecer, junto às demais lideranças partidárias, a discussão sobre o futuro que almejamos para o país. Sua filiação ao União Brasil tem como objetivo a construção de um projeto político-partidário no estado de São Paulo e facilitar a construção do centro democrático, bem como o fortalecimento do propósito de continuarmos crescendo em todo país”, diz a nota divulgada pelo partido.

Após a divulgação da nota a assessoria de Moro disse: “A nota mostra que está tudo pacificado e que Moro tem duas missões: reforçar o projeto do União em São Paulo e participar das negociações para a construção de uma unidade entre as forças do centro democrático”.

Notem que no pronunciamento dado antes, Moro não foi claro, apenas disse que não desistiria de nada, que jamais desistiria. E a nota divulgada pelo União Brasil, partido ao qual Moro se filiou, enfatiza que precisa dele para realizar um projeto político partidário para o estado de São Paulo.

Se vai prevalecer a vontade de Moro ou do partido, isso veremos nos próximos capítulos da corrida à cadeira presidencial.

Sem dúvida, este será um ano muito tenso. Um ano no qual, como diz o ditado: “O circo vai pegar fogo”. E isso ainda sem colocar nessa conta o ataque do presidente Jair Bolsonaro as urnas eletrônicas, as fake news, e o embate entre e seu principal adversário, Luís Inácio Lula da Silva.


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