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Sinais à beira do caminho

Posted by Cottidianos on 23:41

Segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

 certos fatos, certos acontecimentos que formam uma imagem tão forte em nosso imaginário que nem precisamos estar presentes ao local e ao momento em que ocorreram para que elas se tornem recorrentes em nossa mente. Nos colocamos em uma atitude de empatia em relação àqueles que foram protagonistas dos eventos, e ficamos imaginando o que pensaram aquelas pessoas que sabiam que estavam presenciando seus últimos de vida terrena.

É o caso do maior desastre natural do milênio, ocorrido no mar do norte da Indonésia e em parte do Sudeste Asiático. Eram quase 8hs da manhã do dia 26 de dezembro de 2004. Naquela região ocorreu um terremoto de grande magnitude que atingiu 9,1 na escala Richter. As pessoas se assustaram um pouco, mas não chegaram a ficar em pânico, nem entraram em desespero. Passado o susto, a vida seguiu seu curso.

O dia corria normal. Pessoas iam e vinha dos seus trabalhos. À beira-mar, turistas aproveitavam para tomar um gostoso banho de mar. Outros, sentados na areia da praia perdiam seu olhar na imensidão do horizonte. Muitos haviam ficado nas pousadas e hotéis nos quais estavam hospedados, descansando um pouco.

Foi então que, por volta das 10hs da manhã, o pior aconteceu. O forte terremoto fora apenas o prenúncio do horror que se seguiria. O mar pareceu recuar quilômetros deixando atrás de si muitos peixes espalhados pela areia. Alguns vendedores ambulantes brincaram com a situação dizendo que a pesca seria fácil. Quando a água voltou, um vendedor ambulante percebeu de imediato a gravidade do momento, e saiu correndo, dizendo aos que estavam próximos que se afastassem da praia o mais rápido possível.

As águas do mar, que haviam recuado, formaram um tsunami, e avançaram em direção à terra com fúria, em forma de grandes ondas que pareciam monstros sedentos e vorazes. As grandes ondas seguiam velozes engolindo pessoas, carros, prédios, animais, objetos e tudo o mais que encontravam pela frente.

Bastaram apenas cerca de duas horas para que ondas gigantescas e com a velocidade de um trem bala atingissem dez países, matassem cerca de 230 mil pessoas — a maioria delas na Indonésia — e deixassem atrás de si um rastro de morte e destruição.

Outra cena que nunca se apagará de nossas memórias é o fatídico 11 de setembro de 2001, quando dois aviões sequestrados por terroristas se jogaram contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos. O ato terrorista deixou cerca de 3.000 mortos.

Muitas pessoas que estavam naquele prédio morreram, sem nem ao menos saber o que acontecera. Porém, muitas outras viram o avião se aproximando pela janela, testemunhando com os próprios olhos o desastre iminente, milhares de outras viram as chamas se aproximarem, devastadoras. E os que estavam dentro dos aviões? Esses sabiam o tempo todo que estavam sendo guiados para a morte.

O que pensaram aquelas pessoas? O que sentiram, sabendo que estavam se despedindo da vida?



E o que dizer dos funcionários que, no início da tarde de 25 de janeiro de 2019 estavam almoçando em um restaurante da mineradora Vale do Rio Doce, na barragem de Brumadinho, Minas Gerais, quando a barragem se rompeu? Eles estavam em meio a um vale, com certeza, ouviram o estrondo provocado pelo rompimento da barragem, e viram o mar de lama avançar ameaçador e veloz. Mas o que fazer se, mesmo que corressem dali o mais rápido que pudessem, ainda assim seriam engolidos pelo mar de lama que seguiu veloz, destruindo, simultaneamente, vidas e meio ambiente? A tragédia deixou 262 mortos e provocou danos ambientais sem precedentes.


Neste sábado, 08 de janeiro, o Brasil viveu mais uma tragédia cujas imagens são impressionantes. O palco foi o lago de Furnas, no município de Capitólio, centro-oeste de Minas Gerais.

O lago artificial da represa de Furnas é um dos maiores lagos artificiais do planeta. Um ousado trabalho no qual o homem mostrou que é possível fazer nascer um rio onde antes ele não existia.

São 5,4 mil quilômetros de águas claras e cristalinas. O lago corre por entre paredões de pedra, os famosos cânions. A beleza do lugar atrai turistas de várias partes do Brasil que para lá vão buscar um pouco de paz e diversão, fugindo da correria das cidades.

Não foi diferente nesse fim de semana. Vários turistas acorreram ao lugar para desfrutar das belezas naturais por ele proporcionadas, apesar de ter chovido na região em dias anteriores.

Na sexta-feira, 07, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), havia emitido alerta de chuvas intensas, que durariam até a manhã de sábado. No sábado, foi a vez da Defesa Civil emitir alerta sobre a possibilidade de chuvas intensas na região, e até mesmo ocorrências do fenômeno conhecido como “cabeça d’água”, que nada mais é que o aumento repentino no nível de um rio, provocado por chuvas intensas nas cabeceiras dele, ou em suas partes mais altas.

Ignorando esses avisos, as empresas que alugam lanchas para esses momentos de lazer mantiveram os passeios com os turistas. Em meio a muita alegria, as lanchas se aproximaram de um ponto na base dos cânions por onde descem cachoeiras. È o ponto preferido pelos visitantes para as sessões de fotos.

Naquele dia, as águas da cachoeira estavam particularmente aumentadas. Alguns visitantes, cujas lanchas estavam um pouco mais afastadas do local começam a notar que as águas da cachoeira começaram a aumentar rapidamente de volume. Pedras também começaram a se desprender dos cânions. A fenda entre paredes começou a aumentar. Eles perceberam que o paredão iria cair e tentaram alertar aqueles que estavam em perigo. Mas foi em vão. O barulho da água, do vento, e da música que tocava nas lanchas dificultava que qualquer aviso de perigo chegasse até eles.

De repente, como se fosse num filme de terror, uma grande rocha do paredão dos cânions se desprendeu e atingiu em cheio as lanchas que estavam bem próximas à base, espalhando grande volume de água, pedras. Uma das embarcações foi atingida em cheio. As pessoas que estavam em outras embarcações foram arremessadas com força para longe pela força da água. Os condutores que estavam nas demais embarcações aceleraram, fazendo com que algumas lanchas se chocassem, lateralmente, umas contra as outras. O clima era de desespero.

A tragédia deixou 10 mortos. Todos eram conhecidos entre si. Eram familiares e amigos uns dos outros, e dividiam a mesma embarcação.

Em todos esses casos, à exceção do caso das Torres Gêmeas, a natureza deu sinais. No tsunami, na Indonésia, o mar recuou. Em Brumadinho, os sinais de que a barragem poderia se romper vinham sendo percebidos pelos técnicos, e nada foi feito. No lago de Furnas não foi diferente: o volume de água na cachoeira aumentando rapidamente de uma hora para outra, as pedras caindo, a fenda aumentando.

Em Brumadinho os técnicos e donos da Vale foram diretamente responsáveis pela tragédia. O rompimento da barragem nem mercê o nome de acidente, mas sim de assassinato, uma vez que eles sabiam dos problemas e fragilidades na estrutura da barragem, e se omitiram.

Em Capitólio, Minas Gerais, as autoridades municipais deveriam ter um plano de verificação e de demarcação de áreas de risco e de prevenção de acidentes, bem como a proibição de passeios no lago em caso de mau tempo.

Depois do ocorrido é que técnicos e autoridades se reuniram para entender o que ocorreu, e traçar planos futuros. A propósito, há um ditado popular que diz que “brasileiro só fecha a porta depois que é roubado”, e ele se aplica bem a esse caso.

Em todas essas ocorrências, à exceção da tragédia do World Trade Center, fica para nós a reflexão de que é preciso estarmos atentos aos sinais dados pela natureza, pelo tempo, e pelas circunstâncias. A natureza está falando conosco todos os dias, todas as horas. Uma casa não vem ao chão de uma hora para outra. Primeiro ela vai apresentando rachaduras, que depois vão se tornando mais espaçadas, e, se nada for feito, a casa vem abaixo.

Há pessoas que conseguem prever coisas que ocorrerão muito tempo depois apenas observando os sinais dados pela natureza. Por exemplo, em 2012, o médico Flávio Freitas, fazia um passeio de barco pelos cânions no lago de Furna, quando uma fenda na rocha chamou sua atenção.

Em uma dessas viagens, passei por esse local onde houve o acidente, um dos mais visitados ali em Capitólio, e aquela fenda me chamou atenção, porque realmente ela é extensa, larga. Visualmente, ela apresentava um aspecto perigoso. Fiz a foto na ocasião e escrevi: 'Essa pedra vai cair”. disse o médico, hoje com 52 anos, em entrevista ao jornal O Globo, depois do acidente ocorrido no último sábado.

Naquela ocasião, ele chegou a postar no Facebook uma foto da rocha com os dizeres: “ESSA ´PEDRA VAI CAIR”. Percebam que nem geólogo ele era, mas conseguiu, através da observação de um fato, prevê um acontecimento que ocorreria dez anos depois. Se um médico percebeu esse fato, por que não os geólogos que cuidam da área não perceberam?

O mesmo também se aplica as tragédias anunciadas que ocorrem todos os anos durante o período chuvoso em várias partes do Brasil? Por que o poder público não age realizando obras que impeçam tais acidentes, sabendo que eles se repetem a cada ano e, praticamente, nos mesmos lugares?


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