CPI da Covid-19: Os últimos atos
Domingo, 17 de
outubro
O Brasil voltou ao mapa da fome. Isso é um fato triste. Tanto é que a procura por ossos de boi e carcaça de frango cresceram nos açougues, mercados e supermercados. Antes da pandemia, esses subitens alimentares eram doados, agora, alguns estabelecimentos tem colocado esses produtos à venda. O Procon tem recomendado a comerciantes desse setor que não vendam esses produtos, mas sim, que façam doação dos ossos de boi e carcaça de frango a pessoas de baixa renda.
Semana que passou,
encontrei um amigo e ele estava ouvindo pelo celular uma rádio, que pelo teor
da conversa, devia ser bolsonarista, não soube ao certo pois ele fechou a
sintonia da rádio quando cheguei, e não deu tempo de ver qual rádio era. Também
não perguntei. Provavelmente era Jovem Pan, — que de uns tempos para cá, passou
a fazer uma espécie de jornalismo panfletagem para o governo, divulgando até
fake news.
Dizia a comentarista
da rádio que a culpa de toda essa crise econômica era dos governadores, pois
eles haviam decretados lockdowns, insistido na política do fica em casa, e
isentava o presidente Jair Bolsonaro de qualquer responsabilidade.
Iniciei a conversa
com meu amigo sobre outros assuntos, mas o comentário daquela jornalista ficou
me incomodando na minha cabeça. Mais tarde, ainda refletindo sobre o assunto,
fiquei ponderando que, no intuito de defender o presidente, a jornalista tinha
ignorado vários fatos muito evidentes, coisas do tipo como esconder um elefante
debaixo de um tapete.
Primeiro, a
jornalista ignorou o mais evidente de todos os fatos relacionados a pandemia: a
morte de milhares de brasileiros pela doença: já passam de 600 mil as vítimas
da Covid-19 no Brasil.
Em seguida, há
diversos outros fatos que ela, simplesmente, jogou para debaixo do tapete, e
que com certeza, estão na raiz da causa de todo esse cenário indesejado para
nossa economia. Há o fato de que temos um presidente negacionista que, primeiro
zombou do vírus, insistiu na tese criminosa da imunidade de rebanho, e quando
surgiram as vacinas, recusou-se a compra-las de imediato, perdendo um tempo
precioso que poderia ter salvo milhares de vidas.
Se o presidente
Jair Bolsonaro tivesse colaborado com os governadores, prefeitos, cientistas, e
com todos aqueles que estavam lutando contra o vírus, nós teríamos lidado
melhor com a questão da pandemia, e, consequentemente, ela não teria nos
atingido do jeito que atingiu, inclusive economicamente. Mas, ao invés disso, o
presidente e seus loucos seguidores atuaram como aliados do vírus.
Em meio a esse
cenário de guerra provocado pelo coronavírus, o presidente ainda achava tempo
para juntar-se aos seus apoiadores em protestos contra as medidas sanitárias,
contra a democracia, e contra inimigos imaginários, mortos pelo tempo, que eles
tiraram de velhos e empoeirados livros de história e os fazem reviver.
Todo esse
falatório do presidente levou a uma instabilidade política que afastou do país
os investidores. Além disso, tem a política econômica de Paulo Guedes. Quando
ouvimos Paulo Guedes falar de alguma medida econômica, logo lembramos das
conversas de malandro. Não tem aquela firmeza. Aquele dado concreto. É sempre
na base do achismo. Eu acho que...
Guedes tem também
essa coisa de montar um país de fantasia que é só dele. Em agosto desse ano,
disse que a nossa economia estava crescendo em “v”, e olha só onde estamos. “No
pior momento, quando todos diziam que a economia brasileira ia cair, que nós
íamos entrar em depressão profunda, que nós não saberíamos lidar com a crise,
eu sempre disse que íamos voltar 'em V'. Agora que o Brasil está crescendo 5% e
que reformas estão andando, eu vou ficar pessimista?”, afirmou o ministro
em entrevista à rádio Jovem Pan.
Na mesma
entrevista, quando perguntado sobre as expetativas para 2022, afirmou: “Não
vai ser agora que eu vou ficar pessimista. Agora está tudo melhorando, está
tudo melhorando”. Ainda na cabeça de um ministro da Economia que vive no
país das maravilhas é possível quase deixar zerar o déficit orçamentário: “Está
previsto para o ano que vem, dentro dos parâmetros que nós temos, o déficit
poderia praticamente desaparecer no ano que vem, este ano cai para 1,7% [do
Produto Interno Bruno], ano que vem estaria em 0,2%, 0,3% [do PIB], se a
economia conseguir manter o ritmo de crescimento”, disse ele.
Sessão da CPI da Covid no Senado
Na CPI da Covid, os senadores desistiram de ouvir novamente o ministro Marcelo Queiroga. Queiroga já foi ouvido pela CPI por duas vezes. Os senadores avaliaram que Queiroga poderia usar a CPI como palco para afirmação de pautas negacionistas, como fez o empresário Luciano Hang. Os senadores cogitaram levar, em vez de Queiroga, o pneumologista Carlos Carvalho, que iria analisar um estudo contraindicando o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, mas que de última hora retirou o assunto da pauta de reuniões. Carlos Carvalho foi quem coordenou o estudo.
Entretanto, na
manhã de sexta-feira, 15, em sessão remota, os senadores aprovaram a convocação
de Nelson Mussolini, integrante do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Mussolini
prestará depoimento nesta segunda-feira, 18, e os senadores esperam que ele
esclareça se houve alguma interferência do governo federal na decisão da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema Único de Saúde
(Conitec) de adiar a análise de um estudo que poderia apontar a ineficácia dos
medicamentos sem eficácia contra a Covid, pondo um ponto final na questão.
Na mesma sessão
remota, os senadores aprovaram o convite para que falem à CPI pessoas que
perderam entes queridos para a pandemia. Apesar desta última sessão de oitivas
da CPI, está mantido para a quarta-feira, 19, a leitura do relatório pelo
senador Renan Calheiros.
Para essa semana
estão previstos o encerramento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de
Inquérito. Desde a abertura dos trabalhos da CPI, no dia 13 de abril, o ritmo
de trabalho da comissão tem sido marcado um ritmo frenético de trabalho, muitos
bate bocas entre governistas e oposição, depoimentos tensos, e revelações
estarrecedoras, como os contratos fraudulentos para compra de vacinas por parte
de integrantes do ministério da Saúde, e o caso da Prevent Sênior, operadora de
plano de Saúde, que obrigava seus médicos a receitarem medicamentos ineficazes
contra a Covid-19, e que é acusada de esconder as mortes por covid que ocorriam
na operadora.
Até agora, a CPI
já ouviu 59 pessoas na condição de testemunhas, convidadas e investigadas.
Muitos dos depoentes, que defenderam o fechamento do STF nas redes sociais,
tiveram que recorrer a ele para que lhes fosse garantido o direito de
permanecer em silêncio durante os depoimentos nas perguntas que pudessem
incriminá-los. De acordo com a lei ninguém é obrigado a produzir provas contra
si mesmo. Porém, mesmo os depoimentos enfadonhos do tipo “Senhor senador,
com todo o respeito, me reservo ao direito de ficar em silêncio”, foram
reveladores, uma vez que as palavras dizem muito, mas os silêncios podem dizer
ainda mais.
A CPI também
serviu de palco para muitos Pinóquios. Muitos depoentes mentiam descaradamente
em depoimentos, para, na mesma hora, serem desmentidos por algum senador, ou
depois, pelos veículos de imprensa.
Mas os senadores
não estão nesse trabalho sozinhos. Junto com eles, estão assessores do Senado,
policiais federais, auditores da Receita e do Tribunal de Contas da União. Eles
analisam cuidadosamente uma série de documentos probatórios, dados fiscais,
bancários e telefônicos, e-mails e mensagens trocadas em redes sociais,
telegramas diplomáticos, e muitos outros documentos sigilosos.
O relatório a ser
lido na próxima terça-feira, 19, pelo senador Renan Calheiros, possui mais de
1.000 páginas. E promete ser chumbo grosso contra o governo. Pra começar o
presidente Jair Bolsonaro deve ser indiciado por 11 crimes; epidemia com
resultado morte; infração de medida
sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento
particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; genocídio de indígenas; crime
contra a humanidade; crime de responsabilidade por violação de direito social e
incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo; e homicídio comissivo
por omissão no enfrentamento da pandemia.
Não ficam de fora
os filhos do presidente: o vereador Carlos Bolsonaro, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro, e o senador Flávio Bolsonaro. Eduardo e Carlos serão
indiciados por incitação ao crime. Flávio por incitação ao crime[FJ1] , improbidade
administrativa, e advocacia administrativa.
Três ministros do
governo também serão indiciados: Onyx Lorenzoni (ministro do Trabalho) pelo
crime de genocídio de indígenas; Wagner Rosário (ministro da Controladoria-Geral
da União (CGU)), pelo crime de prevaricação, e Marcelo Queiroga (ministro da
Saúde) por epidemia culposa com resultado morte.
O ex-ministro da
Saúde, Eduardo Pazuello, é o que mais acusações tem depois do presidente Jair
Bolsonaro; epidemia com resultado morte, incitação ao crime, emprego irregular
de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime, genocídio de
indígenas e crime contra a humanidade.
No total, o
relator da CPI, Renan Calheiros pedirá o indiciamento de 63 pessoas. Dentre eles
estão outro ex-ministro, funcionários e ex-funcionários do alto escalão do
governo, deputados federais, médicos e empresários. A empresa Precisa
Medicamentos, responsável pela venda da vacina Covaxin ao governo federal,
também será citada.
O relatório de
Renan Calheiro, segundo apurado pela TV Globo, demonstrará a existência de uma
organização com sete núcleos bem articulados entre si, encarregados de
disseminar entre a população conteúdos falsos sobre assuntos referentes a
pandemia. Vimos isso na prática: uma chuva de fake news cair sobre a população
brasileira, emanada do Palácio do Planalto.
A CPI também
demonstrará que a estrutura do governo foi usada nesse processo. Como numa
organização criminosa: a ordem de comando para o espalhamento de fake news vem
de cima, nesse caso do presidente, Jair Bolsonaro, que a transmite aos filhos,
que por sua vez as repassam para a base e para os apoiadores.
Como num livro, o
caso da operadora de planos de Saúde, um escândalo que surgiu ao apagar das luzes
da CPI, merecerá um capítulo à parte. A operadora ocultava mortes por Covid-19,
e obrigava os médicos a receitarem medicamentos ineficazes contra a doença,
como parte de um estudo feito em parceria com o governo federal. Esse estudo
era feito sem o conhecimento e sem o consentimento dos pacientes. Os pacientes
foram usados como cobaias pela operadora.
Nesse capítulo à
parte será pedido o indiciamento de oito médicos da Prevent Sênior, e do
diretor da empresa, Pedro Bennedito Batista Júnior. Eles serão acusados de pôr
em perigo a vida de outrem, omissão de notificação da doença, crime contra a
humanidade, e falsidade ideológica.
A votação do
relatório se dará na quarta-feira, 20, e se aprovado pela maioria dos
senadores, será encaminhando a Procuradoria-Geral da República. É a PGR que
conduzirá as investigações das autoridades que tem foro privilegiado, como por
exemplo, o presidente Jair Bolsonaro, ministros e deputados.
Além da PGR, cópia
do relatório será encaminhado a Polícia Federal, Receita Federal, e Tribunal
Penal Internacional, que apurarão as acusações de genocídio de indígenas e
crimes contra a humanidade.
O Ministério
Público Federal, e o Ministério Público dos estados investigarão os demais
envolvidos e que não tem foro privilegiado.
Essa é uma semana
que promete fortes emoções em Brasília. Aguardemos as cenas dos próximos
capítulos.
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