Vampiro, bezerros e sanguessugas
Quinta-feira,
29 de julho
Sentado
aqui nesta mesa, olhando para a tela do notebook, buscando ideias para escrever
esse texto, como alguém que vai ao mato buscar lenha para acender o fogo, vejo
vindo no horizonte, e sinto em meu corpo, a chegada de uma onda de frio extremo
que chega às regiões Sul e Sudeste do Brasil nesta quarta-feira e permanece até
a próxima segunda-feira, quando as temperaturas então começam a subir.
Na
verdade, ela chegou de mansinho, na madrugada, quando todos estavam já
dormindo, ou assistindo as Olímpiadas. Primeiro o céu foi se enchendo de
nuvens, depois uma chuva fina varou a madrugada e entrou pelas primeiras horas
da manhã, e por fim, ele, o frio, chegou.
Nas
serras gaúcha e catarinense estão previstas temperaturas de – 10oC,
podendo a sensação térmica chegar a – 25oC nesses lugares. Capitais
como Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Belo
Horizonte e Vitória, devem registrar as menores temperaturas do ano. Aqui em
Campinas, a previsão para quinta e sexta é de 3 ou 4oC, com sensação
térmica ainda menor que isso.
No
final de junho as regiões Sul e Sudeste já haviam registrado frio
intenso, mas essas marcas poderão ser superadas pelo frio que começa a fazer
agora.
Acabo
de receber também pelo WhatsApp registros de uma intensa tempestade de granizo
que ocorreu na região da Lombardia, na Itália. Os carros que estavam nas ruas e
rodovias ficaram com as latarias de vidros todos destruídos, tamanho eram as
pedras de granizo que caíram na região.
E
assim vamos seguindo. Países no Hemisfério Norte registram ondas de calor e
países onde o calor é predominante registram ondas de frio intenso. Há poucos
dias, chuvas intensas na Alemanha deixaram um rastro de mortos e desabrigados. Em
todos os países do mundo, de alguma forma, é possível observar esse descompasso
entre o que era pra ser e o que é de fato.
É
o clima do planeta ficando muito louco com fenômenos como o destruição de
nossas matas e florestas, e a queima de combustíveis fósseis. Se o mundo
pudesse silenciar, ao menos por uns poucos momentos, e fosse possível ouvir a
voz da mãe Terra, certamente a ouviria clamando, e dizendo “Filho, socorro! Me
ajude, para que eu possa ajudá-lo”.
Eis
porque é tão importante não apenas que se façam acordos do clima, mas que se
ponha em prática, de fato e direito, estes acordos. Afinal, a natureza pode ser
uma grande aliada, mas, se não tratada como se deve, pode se tornar uma
perigosa inimiga.
Quem chegou também, não de tão de mansinho assim, foram as Olímpiadas de Tóquio, 2021. Era para ser Olímpiadas de Tóquio 2020, mas uma tempestade, ou melhor, um tsunami chamado Covid-19, se abateu sobre o planeta, adiando ou enterrando sonhos, vitimando pessoas, e os Jogos Olímpicos também entraram sofreram esse impacto.
Enfim,
de 23 de julho a 08 de agosto, o Japão será palco para atletas que levam seus
corpos e seus movimentos à beira da perfeição nas diversas modalidades em que
competem. Em seguida, será realizada as Paralimpiadas que começarão em 24 de
agosto e terminam em 05 de setembro.
Erros
não são tolerados e quem quiser colocar uma medalha de ouro, prata, ou bronze
tem que estar altamente preparado, concentrado, reunir num só momento, horas,
dias, minutos, e segundos de intenso treino e suor. Verdadeiros guerreiros. Nas
arenas do Japão até o final dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos ainda veremos
muitas lágrimas de alegria pela vitória, ou de decepção por não ter sido capaz
de superar os obstáculos e subir no pódio olímpico.
Também
veremos muitas surpresas como, por exemplo, a desistência das competições da
estrela da ginasta americana, Simone Biles. A americana desistiu de participar
da final por equipes, após cometer um erro em um salto. Biles não fez uma
aterrisagem perfeita e acabou recebendo dos jurados uma nota muito baixa. Mesmo
assim, a equipe americana ficou com a medalha de prata. Em entrevista coletiva,
após apresentação a ginasta desabafou: “Eu senti que seria melhor que eu me
afastasse... Eu não queria arriscar uma medalha do time, porque elas
trabalharam duro demais para eu estragar tudo”.
Simone
Biles também desistiu de participar das finais individuais. Ela alegou que
estava desistindo da competição para cuidar de sua saúde mental. A notícia
pegou de surpresa o mundo do esporte. Afinal, atleta de alto rendimento, Biles
chegou a Tóquio como favorita a cinco medalhas de ouro.
Fraqueza
de Simone Biles? Que nada! Muita coragem da americana. Assim são os
verdadeiramente grandes no esporte, ou em qualquer área da vida. Merecem
aplausos quando sobem ao pódio, ou quando desistem de subir nele.
Traduzindo
o gesto de Simone, ela quis dizer que é um ser humano, não uma máquina. E
sabemos como os atletas são extremamente cobrados por suas performances,
principalmente, em Olímpiadas. Com a chegada das redes sociais, essas cobranças
passaram a ser ainda mais intensas. Entre uma medalha de ouro no peito e uma
cabeça em frangalhos, Simone Biles fez a melhor escolha: a serenidade.
E
aqui, lembro de um astro de primeira grandeza do universo da música, chamado
Elvis Presley. Hollywood e a RCA o transformaram numa máquina de ganhar
dinheiro. A pressão foi tanta que o cantor não aguentou, o ritmo intenso de
trabalho foi deteriorando seu físico e mental, e ele foi embora mais cedo da
cena da vida, vítima de parada cardíaca. Por melhores e mais brilhantes que
sejam, homens são homens, e máquinas são máquinas.
Aqui
pelo Brasil, o que nunca tem esfriado nos últimos anos é o cenário político. Esse
está sempre quente. Pegando fogo. Porém, se o clima permanece sempre quente, as
ideologias políticas mudam ao sabor dos ventos. As visões políticas são trocadas
tão facilmente como trocamos de roupas todos os dias.
“Eu
queria tirar uma foto de cada um dos senhores aqui para saber se em 2019,
quando o coro comer para valer, se vocês vão deixar se seduzir pelo discurso do
centrão ou vão se manter firmes e fortes com Bolsonaro. Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos”.
(Eduardo
Bolsonaro falando à apoiadores de Bolsonaro em 2018)
“Centrão
é o que há de pior no Brasil”.
(Jair
Bolsonaro – 2018)
“Se
gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”.
(General
Augusto Heleno, atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional, também em
2018, fazendo uma paródia de um verso do samba Reunião de Bacana, do
saudoso Bezerra da Silva. A letra do samba diz “Se gritar pega ladrão, não
fica um meu irmão”)
“O
Bolsonaro, eu tenho muita restrição, porque é fascista, ele tem um caráter
fascista, preconceituoso, é muito fácil ir para a televisão e dizer que vai
matar bandido”.
“Lula
é o melhor presidente da História. Principalmente para o Piauí e para o
Nordeste. Ele tirou o povo da miséria, foi decisivo no combate à fome, criou o
maior programa habitacional do mundo”
(Ciro
Nogueira – 2017)
Entre
os anos de 2017/2018, Bolsonaro, filhos e aliados, trocavam farpas com Ciro
Nogueira, e o Centrão. O Centrão é formado por um bloco de partidos formados
por políticos sanguessugas, aproveitadores. Nesse bloco estão os partidos fisiológicos,
ou seja, partidos que se estruturam tendo como ideologia, não em torno do bem-estar
do país, mas em torno da busca de cargos e verbas públicas.
Sendo
assim, estão atrelados a qualquer governo. Não importa se eles sejam de
direita, esquerda, ou de centro. Os políticos desse grupo ficam rodopiando em
torno de um presidente, enquanto ele tem cargo e verbas públicas a oferecer. Depois
de cessadas essas benesses, e depois que o político a quem apoiam perde apoio
popular, perde força política, eles são os primeiros a abandonarem a canoa. Não
embarcam em canoa furada. O Centrão está no sistema eleitoral brasileiro, não
para executar um programa partidário, ou para defender alguma ideologia. Está no
cenário apenas para obter vantagens pessoais.
Foi
atacando esse sistema que Bolsonaro focou seu discurso na campanha presidencial
de 2018. Dizia que iria combater a velha política. Mesmo depois de eleito, o
presidente sustentava essa bandeira. Em abril de 2020, ele disse a apoiadores
que “Acabou a época da patifaria” e “Chega da velha política”. Enganou
os seus eleitores em 2018, e continua enganando até hoje.
Ainda
no mês de abril de 2020, em busca de uma maior governabilidade, Bolsonaro
começou uma aproximação com o Centrão, distribuindo cargos no segundo e
terceiro escalão do governo. As velhas raposas da velha política precisavam
desses cargos para, com eles, manter sua influência política em Brasília e em
suas bases eleitorais nos estados.
Nessa
relação baseada no toma lá, dá cá, o governo entrava com os cargos e verbas a
serem distribuídas e os caciques partidários entravam com apoio no Congresso
para garantir que fossem votados projetos de interesse do governo, e, detalhe
importante, evitar que fosse aberto um possível processo de impeachment.
Boi
morto na caatinga quanto mais fede, mais chama urubus para comer um bocado de
sua carne podre.
O
tempo foi passando. Veio à pandemia e a forma como o presidente a conduziu fez com
que ele fosse perdendo apoio entre a população. O número de mortos foi se
acumulando a cada dia, sem perspectiva de melhora. As vacinas não chegavam. Milhões
de brasileiros já estavam desempregados antes da pandemia, e esta apenas fez
esse quadro se agravar. Por todo o país, muitas pessoas passam fome. O governo
deu auxílio emergencial por um tempo, depois suspendeu o benefício na doce ilusão
de que a pandemia arrefeceria. Não arrefeceu. E o auxílio emergencial voltou
com um valor menor.
Para
colocar mais lenha na fogueira e jogar mais luz sobre a condução e as responsabilidades
do presidente em meio à pandemia, veio a CPI da Covid-19. Os fatos e
depoimentos foram tornando cada vez mais claro que houvera uma intenção
deliberada do governo de deixar o povo se contaminar pela tal imunidade de
rebanho. Grave erro que levou à morte milhares de brasileiros.
Cloroquina,
remédio sem eficácia comprovada tornou-se política de saúde pública em meio à
pandemia, enquanto o governo desprezava todas as orientações da ciência para o
combate à pandemia. Muitos ironizavam a CPI, inclusive senadores governistas
que dela fazem parte, chamando-a de CPI da cloroquina.
Então
vieram as denúncias ainda mais graves que as já postas na mesa. Havia dentro do
ministério da Saúde um esquema de corrupção que envolvia a compra de vacinas
superfaturadas, intermediadas por terceiros que não tinham relação direta com
as principais farmacêuticas fabricantes de vacinas. Inclusive há denúncias de
cobrança de propinas por parte de ex-funcionário do ministério da Saúde para cada
dose de imunizante vendido.
As
manifestações de rua começaram a ganhar vulto, mesmo não tendo sido a pandemia
dominada por completo. Milhares de brasileiros estão indo às ruas pedir o
impeachment do presidente. A popularidade de Bolsonaro começou a cair nas pesquisas.
Todos
esses fatos, fizeram com que o presidente fosse se tornando cada vez mais
fraco. E aí se dá a equação mágica: Bolsonaro cada vez mais fraco = Centrão
cada vez mais forte.
Esse
bloco de partidos fisiológicos entrou na antessala do governo quando conseguiu
eleger Arthur Lira presidente da Câmara dos Deputados. Apoiado por um bloco de
11 partidos (PSL, PP, PSD, PL, Republicanos, Podemos, Patriota, PSC, Avante, e
Pros), o deputado foi eleito em 02 de fevereiro deste ano com mandato para o
biênio 2021-2022.
Se,
com o Rodrigo Maia, a quem Lira sucedeu, a negociação do governo com a Câmara
dos Deputados tinha muitos entraves, com Arthur Lira todas as portas estão
abertas. Por isso é muito difícil que algum processo de impeachment contra
Bolsonaro vá adiante. Lira os trancafiou numa gaveta e jogou a chave fora. E pode
até fazer um esforço de encontrá-la e dá andamento em algum processo de impeachment,
para isso, porém, a pressão das ruas tem de ser muito forte.
Se
o Centrão já estava na antessala do Palácio do Planalto, no dia de hoje, ele
acaba de adentrar a cozinha. Na data de hoje, 28 de julho, o senador Ciro
Nogueira (PP-PI) teve seu nome oficializado para o cargo de ministro da Casa
Civil, com nomeação assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, e publicada no
Diário Oficial da União.
Também
na mesma edição do DO foi oficializado o nome de Luiz Eduardo Ramos para o
cargo de Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, que era ocupada
por Onix Lorenzoni. Ramos ocupava o cargo de ministro da Casa Civil.
Já
Onix Lorenzoni, fiel aliado de Bolsonaro, será o ministro do ministério do
Trabalho e Previdência, pasta recriada especialmente para abrigá-lo. A pasta havia
sido anexada no governo Bolsonaro ao ministério da Economia. Com isso, Paulo
Guedes que foi anunciado como superministro, o posto Ipiranga, do governo
Bolsonaro, viu seu poder diminuir ainda mais.
Aliás,
Paulo Guedes nunca chegou a ser um superministro, nem Posto Ipiranga coisa
nenhuma. Nunca conseguiu colocar em prática sua agenda liberal, pois, no
governo Bolsonaro quem dá as cartas é o próprio Bolsonaro, e este não tem
compromisso algum com agendas liberais. Levantou essa bandeira na campanha apenas
para ganhar votos, para enganar seus eleitores, assim como fez também com o
combate a corrupção.
Para
justificar a escolha de Ciro Nogueira para a Casa Civil, Bolsonaro fez uma
coisa que raramente costuma fazer, falar a verdade. Em entrevista à rádio Banda
B, ele admitiu que nasceu do Centrão. “O Centrão é um nome pejorativo. Eu
sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB. Fui do então PFL.
(...) O tal Centrão são alguns partidos que lá atrás se uniram na campanha do
Alckmin. Algo pejorativo. Não tem nada a ver. Eu nasci de lá”. Como seus
eleitores engolem qualquer coisa que ele disser sem refletir sobre o fato,
certamente, a eles escapará o fato de que Jair Bolsonaro admite que sempre fez
parte da política do toma lá, dá cá. Sempre foi um legitimo representante da
velha política que dizia iria combater.
E
assim, o presidente foi dando o golpe dia após dia, sem colocar nenhum tanque
na rua. Esse é o golpe moderno. Colocar pessoas em postos chaves que façam a
vontade do líder da nação. Foi assim com a Procuradoria Geral da União, com
Augusto Aras, agora reconduzido por Bolsonaro para mais uma gestão à frente do órgão.
Foi assim com André Mendonça enquanto Advogado Geral da União, e Ministro da
Justiça. Foi assim com Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e foi
assim também com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.
Militares,
Centrão, Pacheco, e Lira todos procuram alguma vantagem que Bolsonaro lhes oferece,
em troca de fidelidade. São como bezerros mamando nas tetas de uma vaca. Enquanto
a vaca tem leite de sobra, é difícil tirar os bezerros de suas tetas. Depois que
o leite acabar... Bem, depois que o leite acabar, isso é outra história.
Porém,
com Bolsonaro no comando sempre paira no ar a ameaça de golpe real. Lelé é como
um vampiro que age nas sombras: Quando menos se espera, ele ataca. Com Bolsonaro,
como diz o ditado popular: “É preciso sempre ficar com as barbas de molho”.