Rosário de mentiras
Segunda-feira,
19 de julho
“Quem vai pagar as contas
Desse amor pagão
Te dar a mão
Me trazer à tona prá respirar
Vai chamar meu nome
Ou te escutar”
(Caleidoscópio – Paralamas do Sucesso)
Fazia alguns dias que o presidente, Jair Bolsonaro, sofria de uma crise de soluços. Coisa incontrolável que se manifestou até em uma live que fez na quinta-feira 08 de julho. Os soluços também apareceram em um encontro que teve com Luiz Fux, presidente do STF. Enfim, em qualquer lugar que estivesse, os malditos soluços apareciam.
Ainda
na noite de terça-feira, 13, o presidente conversava com apoiadores e disse a
eles: “Estou sem voz, pessoal. Se eu começar a falar muito, volta a crise de
soluço. Já voltou o soluço”.
Ele
relacionava o problema a uma medicação que estava tomando por causa de um
implante dentário que havia feito. Porém, como nem tudo que parece é, o
problema causador dos soluços não era exatamente esse.
Na
madrugada de quarta-feira, 14, o presidente começou a sentir fortes dores
abdominais. Foi ao Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, para
realização de exames. Lá os médicos diagnosticaram uma obstrução intestinal e
avaliaram a possibilidade de uma transferência para São Paulo, para uma
possível cirurgia.
De
fato, ainda na quarta-feira, o presidente foi transferido para o Hospital Vila
Nova Star, na zona Sul de São Paulo. Entretanto, como o presidente respondeu
bem ao tratamento, não foi necessário fazer cirurgia de emergência. Como a
evolução do presidente foi satisfatória, os médicos decidiram dar alta para ele
na manhã deste domingo, 18, após quatro dias de internação.
Já
na saída do hospital, Bolsonaro, tirou a máscara ̶
aliás, nem no hospital ele usou o instrumento, pois foram divulgadas
imagens dele, andando pelos corredores do hospital sem a máscara, e visitando
outros pacientes. Bolsonaro aproveitou para conversar cerca de 30 minutos com
jornalistas, e tirar fotos com apoiadores.
No
dia 16 de julho, a Folha de São Paulo divulgou uma reportagem na qual
mostrava um vídeo no qual o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, negociava
com intermediadores, vacinas por quase o triplo do preço.
O
encontro com os intermediadores, revelou a Folha, deu-se através de uma reunião
do então ministro Pazuello com o grupo formado por quatro empresários, no
próprio ministério da Saúde, e fora da agenda oficial. A reunião aconteceu no
dia 11 de março, no gabinete de Élcio Franco, que ocupava na época o cargo de
secretário-executivo do ministério.
No
vídeo divulgado pela Folha, Pazuello aparece dizendo: “Já saímos daqui hoje
com o memorando de entendimento assinado e com o compromisso de celebrar, no
mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no
mais curto prazo possível para atender nossa população”, diz Pazuello. A
compra seria realizada diretamente com o governo chinês.
A
Folha de São Paulo também obteve a proposta oferecida pela World Brands. A
proposta definia que seriam oferecidos 30 milhões de doses do laboratório
chinês, Sinovac, pelo preço de U$ 28 a dose. Até 10 dias após o fechamento do
contrato teriam que ser depositados metade do valor total da compra, o
equivalente a R$ 4,65 bilhões de acordo com a cotação do dólar na ocasião.
Toda
essa empolgação destoa totalmente do comportamento do ministério da Saúde em
relação a propostas feitas ao órgão pelo Instituto Butantã. Em 30 de julho, o
Instituto Butantã enviou ao MS um ofício propondo que o órgão comprasse a
vacina Coronavac. Eram 60 milhões a serem entregues em 2020, e 100 milhões em
2021. Silêncio por parte do ministério da Saúde.
Outros
dois e-mails ainda foram encaminhados ao ministério 18 de agosto, e 07 de
outubro, respectivamente. Os dois também não foram respondidos pelo ministério
da Saúde. Porém, como os governadores sentiam o peso da Covid-19 em seus
estados, pressionavam ao órgão pela compra das vacinas.
Em
reunião com os governadores, em 20 de outubro, Pazuello anuncia que compraria
46 milhões de doses da Coronavac. Esse foi um dos episódios nos quais ficou bem
claro para todo mundo que Pazuello não tinha nenhuma autonomia para desenvolver
seu trabalho como ministro da Saúde, pois no dia 21 de outubro de 2020,
Bolsonaro desautoriza Pazuello, dizendo que não seria efetuada a compra da
vacina chinesa Coronavac. Foi então que Pazuello pronuncia a frase largamente
reproduzia pela imprensa “É simples assim: um manda, o outro obedece”.
Depois
o governo voltou atrás, e dois meses antes do encontro de Pazuello com os
empresários, o governo já havia anunciado a compra de 100 milhões de doses da
Coronavac, pelo Instituto Butantã, ao preço de U$ 10 a dose.
O
encontro de Pazuello com os empresários desmente sua fala na quando foi inquirido
na CPI da Covid. Quando esteve frente a frente com os senadores, o ex-ministro
disse que não havia negociado compra de vacinas diretamente com ninguém, pois
um ministro jamais deveria negociar ou receber uma empresa. “Pela simples
razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o 'decisor', eu não posso
negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo,
não o ministro. Se o ministro... Jamais deve receber uma empresa, o senhor
[senador Renan Calheiros] deveria saber disso”, disse ele, todo cheio de
empáfia, aos senadores.
Nos
bastidores, a coisa, porém, era outra, a ponto de um dos integrantes da reunião,
a quem Pazuello chama de John, agradecê-lo pela oportunidade de estar sendo
recebido, e dizer que outras parcerias poderiam ser feitas, tantas eram as
portas que o então ministro da Saúde estava abrindo para o grupo.
Após
a reunião, um dos assessores de Pazuello teria alertado a ele das
irregularidades: proposta era incomum, estava acima do preço, e a empresa não
era representante oficial da fabricante das vacinas. Por esse motivo ou por
outro, o fato é que o negócio não prosperou.
Tivesse
prosperado, teria ocupado o posto de vacina mais cara adquirida pelo governo,
posto hoje ocupado pela Covaxin, cujo contrato está suspenso. E que tem dado
tantas dores de cabeça para o governo.
Na
segunda-feira, 12, ao sair de uma reunião com o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Luiz Fux, Bolsonaro conversou com jornalistas. No meio da conversa,
quando um deles fez uma pergunta que Bolsonaro não gostou, ele ficou irritado,
pediu para interromper a entrevista e, praticamente, forçou os jornalistas a
rezarem a oração do Pai Nosso.
Nada
contra rezar o Pai Nosso, aliás, uma belíssima oração, mas penso que isso na
presente situação, é mostra de um certo desequilíbrio. Imaginem se todos os
entrevistados ao se defrontarem com uma pergunta difícil de algum jornalista,
parassem a entrevista e fizessem uma oração. Sei não. Para mim isso não é
religiosidade, é fuga.
Na
entrevista que deu hoje, pela manhã, aos jornalistas, Bolsonaro não rezou um Pai
Nosso, mas desfiou um rosário inteiro... de mentiras. Aliás, essa é essência do
presidente: a mentira, a confusão, o caos. Coloquem o presidente em um ambiente
no qual reine a paz e a união e ele murcha como balão inflável quando é
estourado.
Na
matéria intitulada: Vacina, cura da covid e fraude na urna: Bolsonaro mente
ao sair do hospital, os repórteres do portal Uol Notícias, Igor Mello e
Wanderley Preite Sobrinho, elencaram uma série de quatorze mentiras e meias
verdades ditas por Bolsonaro na entrevista, frases essas que, me permitam,
reproduzir algumas delas. Depois, se o leitor, leitora, quiser conferir a
matéria completa pode passar lá no site do Uol.
Covaxin:
“Não paguei, não comprei” - Verdadeiro
A
CPI daqui fica o tempo todo me acusando de corrupto. Eu não comprei, eu não
paguei. E quem paga é alguém lá do ministério, é todo dia uma narrativa.
Ele
afirmou que o governo não gastou "um centavo" com a Covaxin, o que é
verdade. O que ele não contou é que o Ministério da Saúde já havia reservado R$
1,6 bilhão para a compra da vacina, negócio que só foi cancelado depois que o
escândalo ganhou o noticiário.
Voto
não é auditável - Falso
“Eu
não entendo, por exemplo, porque não querem voto auditável. Será que esse voto
eletrônico que é usado no mundo todo é tão confiável assim? Por que essa briga?
Nós queremos transparência nas eleições. Não existe [sic] eleições sem
transparência, isso é fraude”.
Ao
contrário do que afirma Bolsonaro, a votação por meio das urnas eletrônicas já
é auditável, permite recontagem de votos e garante segurança, segundo
especialistas. Nunca houve nenhuma denúncia comprovada de fraudes nas eleições
no Brasil desde a implantação do sistema eletrônico.
Fraude
na eleição - Falso
“Eu
posso adiantar uma das coisas importantes, existe uma estatística... Eu errei,
271, né? Melhor, 231 vezes a apuração do segundo turno de 2014, dá Aécio,
Dilma, Aécio, Dilma, Aécio, Dilma? E toda vez que a Dilma ganha é por uma
margem maior do que quando o Aécio ganha. É possível jogar uma moedinha pra
cima, 231 vezes e ela alterar cara e coroa? É impossível. Então nós temos que
resolver uma só possibilidade de fraude, tem que combater isso aí. Deveria ser,
isso aí, a Bíblia do TSE, e não o contrário.”
Em
diversos momentos ao longo dos últimos anos, Bolsonaro disse que houve fraudes
na contagem dos votos nas eleições presidenciais de 2018 — quando ele venceu
Fernando Haddad (PT) no segundo turno — e de 2014, quando Dilma Rousseff (PT)
se reelegeu após disputa acirrada com Aécio Neves (PSDB). Não há provas disso.
Após
a vitória de Dilma, uma auditoria solicitada pelo PSDB constatou que não houve
fraude na eleição de 2014. Sobre 2018, Bolsonaro repetidas vezes disse ter
provas de que houve irregularidades no pleito, mas nunca apresentou as
evidências.
O
governo federal também já admitiu, por meio de pedidos de Lei de Acesso à
Informação, que a Presidência da República não possui documentos que
comprovariam a suposta fraude.
Vacina
aprovada é experimental? - Falso
“Quando
se aponta determinado nome de vacina, o povo não quer tomar. Faça um trabalho
no tocante a isso. Agora, a vacina ainda em fase experimental ou não é? É. É
uma autorização emergencial por parte da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância
Sanitária.”
Como
em outras vezes em que falou a esse respeito, o presidente mentiu. As vacinas
contra a covid-19 não estão em fase experimental porque, no Brasil, diferentes
imunizantes receberam o aval da Anvisa depois de passar por análises de
segurança, qualidade e eficácia. Mesmo aquelas com autorização para aplicação
emergencial passaram por esse tipo de teste.
Além
das frases já citadas, Bolsonaro falou muito mais. A maioria das coisas que
disse, são verdadeiros absurdos.
Em
referência a cloroquina, ivermectina, remédios sem eficácia comprovada contra a
Covid, Bolsonaro disse que falar em cura da covid, o faz, ele e a turma dele,
criminosos. Todo mundo sabe que a ivermectina e cloroquina são eficazes para os
males para os quais foram fabricadas, não contra a Covid, apenas o presidente e
seus sectários é que não sabem disso.
Ah,
o presidente também colocou mais um remédio nessa lista. Ele falou da Proxalutamida,
um medicamento usado no tratamento de tumores que tem relação com a
testosterona, como o câncer de próstata. O medicamente ainda está em estudo e
ainda não tem um estudo publicado a respeito dele.
Em
sua conta no Instagram, o senador Otto Alencar, que é médico, publicou o
seguinte texto sobre o medicamento citado pelo presidente: “Proxalutamida é
uma medicação antiandrogênico que inibe a ação dos hormônios masculinos
(testosterona), usada para alguns tipos de câncer. Não use, afeta a libido e
não tem eficácia. Delírio do capitão ex-cloroquina. O correto é: procure o seu
médico ou tome vacina”, escreveu ele.
O
alto nível de conhecimento e de sabedoria do presidente também lhe permitiu,
também na entrevista de hoje, dizer pérolas como essa: “O que mais mata de
covid em primeiro lugar é quem tá com obesidade. Em segundo lugar, quem está
tomado pelo pavor ou pelo pânico”.
O
presidente também aproveitou a conversa para defender o governo e o fiel
escudeiro, Eduardo Pazuello, das acusações de corrupção que pipocam na CPI da
Covid.
O
presidente não poderia deixar passar a oportunidade de criticar o ex-presidente
Lula. Ele colocou em dúvida a popularidade de Lula, que aparece como favorito nas
pesquisas de intenção de voto como candidato capaz de derrotar Bolsonaro nas
urnas.
Ou
seja, no universo do presidente, pobre universo, só terá um cenário possível em
2022: a vitória dele nas urnas. Qualquer resultado contrário, mesmo com tendo
ratificado pela maioria da população vai ser encarada por ele e pelos seus
seguidores, ironicamente apelidados de “gado”, como fraude. E é aí que mora o
perigo.
Não
poderia deixar aqui de citar também dois fatos bem importantes sobre os quais
não pretendo me estender, mais que vale a pena deixar um registro.
A
CPI da Covid ̶ que tem mostrado as mutretas, os rolos do
governo na compra dos imunizantes, além do que já sabíamos, que era a má condução
da pandemia ̶ entrou em recesso. Recesso parlamentar,
conforme artigo 57 da Constituição Federal que diz que o Congresso deve se
reunir de 02 de fevereiro a 17 de julho, e de 1o de agosto a 22 de
dezembro.
Porém
os senadores que integram a comissão já disseram que, mesmo com o recesso eles
continuarão debruçados sobre os documentos que já estão em mãos da CPI, e
fazendo diligências, inclusive, internacionais.
Outro
assunto que vale destacar é a aprovação, no apagar das luzes do recesso, por
parte do Congresso Nacional da aprovação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões
para as eleições de 2022.
O
país com as contas públicas operando em déficit, com toda a problemática de
crise da saúde provocada pelo coronavírus, desemprego, inflação, e os nobres deputados
e senadores destinam ao fundo eleitoral uma quantia bilionária para o fundo. Um
aumento de 185% em relação ao que os partidos tiveram nas eleições municipais de
2020, que foi de R$ 2 bilhões. E quase o triplo do que foi concedido em 2018. Na
ocasião o fundo eleitoral foi de R$ 1,8 bilhão.
Esse é o nosso Congresso. Agora perguntem se os governistas que condenavam a velha política votaram a favor ou contra o esse ponto absurdo da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovado na quinta feira (12). Votaram a favor. Mais uma prova de que eles nunca representaram uma nova política. Lobos em pele de cordeiro.
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